518-A MÃO DA MORTE - Série Contos do Cemitério

Era um tipo admirável: alto, ombros largos, braços longos e mãos fortes. Caminhava com desenvoltura e gabava-se de nada temer. Trabalhador, só tinha um fraco: os bailes de sábado à noite na Associação dos Comerciários de São Roque da Serra. Sua aparição era aguardada pelas moças e — por que não dizer? — pelos amigos, pois Alfredo era também bom de conversa, nas piadas e nas rodadas de bebidas.

Enquanto havia moças no salão, a elas se dedicava, como bom dançarino que era. Quando a orquestra encerrava o baile com os acordes da “Canção do Adeus”, ele e os amigos se dirigiam ao bar, ao lado do salão de danças, e então mandava descer todas as garrafas. Também entre os amigos, era o último a entregar os pontos. Forte para a bebida, voltava para casa pela madrugada, em passos firmes e decididos.

Entretanto, naquela noite de sábado da Aleluia alguma coisa não estava bem com ele. Não dançou como de costume e logo se enfurnou no bar. Bebeu como nunca. E ao sair, suas pernas não tinham a mesma firmeza de costume.

Desceu pela Rua Dr. Bonfim e chegou à Praça da Saudade, que ficava defronte o cemitério. Sentia-se tonto, cansado. Ao passar defronte a cidade dos mortos, não agüentou a zoeira e sentou-se em um dos degraus do portão, trancado com enorme cadeado.

A noite estava silenciosa. Só se ouviam os cricris dos grilos. Ele cochilou e em seguida entrou num sono solto.

De repente, como que caindo do céu, um ser fantástico apareceu à sua frente. O vulto estava envolto em uma capa negra, com capuz sobre a cabeça. Quando observou melhor, viu que o manto e o capuz abrigavam um esqueleto de ossos brancos como se fossem de gesso. Com os ossos da mão direita empunhava uma foice, de cabo escuro e de lâmina prateada. A caveira exibia um riso mortal, e dela chegou o som de algumas palavras, num som cavo e fúnebre:

— Vim te buscar, Alfredo!

Quis se levantar, mas não conseguiu. Uma paralisia repentina o mantinha ali, preso ao chão. Quando o vulto estendeu sua mão, Alfredo foi mais rápido e agarrou o pulso do vulto. Reagindo à ameaça da morte, levantou-se num salto,sempre segurando a morte pelo pulso. Os sentidos estavam alertas e aplicava toda sua força contra a aparição que se tornava realidade.

— Minha hora ainda não chegou! — gritou a plenos pulmões. — E atracou com o esqueleto, enrolando-se no seu manto fétido.

A luta foi breve. O vulto, ainda que sobrenatural, não foi páreo para a força e o destemor de Alfredo. Girando e sempre empunhando a ameaçadora foice, desapareceu como tinha aparecido: esvaneceu-se no ar.

Alfredo sentiu um grande cansaço. Exausto e zonzo, tombou sobre o portão. Escorregando-se lentamente, ficou deitado nos degraus.

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— Acorda, home! Aqui não é lugar de curtir bebedeira, não sinhor!

Jeremias, o coveiro, sacudia Alfredo pelos ombros, na tentativa de despertá-lo.

Entreabriu os olhos. A luz crua da manhã cegou-lhe por alguns momentos. A cabeça doía-lhe e sentia o estomago ruim.

Lentamente, foi se lembrando do pesadelo e os pelos da nuca se arrepiaram.

— Mas tudo não passou de um sonho — murmura entre os dentes.

— Ta bom, já sonhou que chega. Agora, levanta e sai daí, que preciso abrir o portão.

O coveiro estende a mão para ajudá-lo.

— Virge Maria! O que é isso aí na sua mão?

Alfredo olhou para a própria mão e, aterrorizado, vê que estava segurando os ossos de uma mão já há muito descarnada.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 21 de novembro de 2008

Conto # 518 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/11/2014
Reeditado em 13/11/2014
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