Seu Último Suspiro
Seus olhos estavam fixos aos meus. Aqueles olhos, sempre misteriosos, de um azul eletrizante, tinham, então, um mistério a mais. Sempre foram um enigma àqueles que os encaravam; agora, porém, se encontravam de um jeito que ninguém que não esivesse entre a vida e a morte poderia imitar.
Os mesmos olhos pelos quais, há alguns meses, eu me apaixonara pela primeira vez, e que cismaram por muito tempo em manterem-se longe de mim, até que ficaram perto o suficiente para, então, se fecharem e darem permissão para nossos lábios se tocarem. Ainda eram aqueles olhos, mesmo que mais calmos. Sim, calmos! Seu rosto inteiro transparecia paz, o que contrastava com o meu desespero. Ela estava feliz. Eu estava lá com ela, e não iria deixá-la (o que estava acontecendo era justamente o contrário). Eu lutaria com a morte. Mas ela não queria ser disputada. Ela não me deixaria vencer.
Acariciava seus cabelos com meus dedos, passando-os pelos fios negros embebidos no líquido rubro, olhando para seu rosto. Queria dizer algo, mas não havia ar em meus pulmões ou pensamentos em meu cérebro. Esquecera completamente de como falar. Esquecera completamente qualquer coisa que não era aquilo – aquele momento, aquela sensação de seu sangue escorrendo pelos meus braços, sua alma sendo sugada para longe de mim, sua vida dissipando-se.
Seus lábios encontravam-se inclinados num ângulo que só ela saberia reproduzir: era impossível saber se estava triste ou feliz, a única certeza é que ela estava calma.
Cada minuto parecia uma vida. Cada gota de sangue que pulsava para fora de suas veias (nunca mais pulsaria) parecia um oceano que me afogava mais e mais. Meu corpo pesava uma tonelada. O seu, mais que o mundo.
Sustentada pela sua mão direita, inerte, a lâmina, prata maldita, mostrava a sua imagem, como se estivesse orgulhosa de seu trabalho.
Apoiei minha cabeça em seu seio, macio, esperando conseguir respirar.
- Jenn.
Seu nome. O seu nome era a única coisa que agora aparecia em meus pensamentos. Ao dizer essa palavra, meus pulmões arderam como brasas.
- Jenn.
Nada poderá jamais ser comparado ao que eu estava sentindo. Sua pele áspera pelo sangue seco e coagulado encostava na minha. Seu corpo inteiro clamava pelo descanso eterno. Era tão linda. Era digna de toda a felicidade do mundo. Era digna de alguém melhor do que eu, de alguém que a fizesse feliz. Eu não fui o suficiente. Eu fui a razão daquilo tudo. Eu a amava, e mesmo assim a deixei partir.
-Jenn.
- Martin.
Sua voz fez tudo girar. Meu nome maldito, dito naquela voz doce.
- Obrigada.
- Jenn.
Eu não conseguia. Não conseguia pensar em nada. Não conseguia dizer nada. Ela era o meu mundo. E o meu mundo estava sendo destruído.
Deveria ter dito que a amava. Deveria ter dito que sentia muito por não ter sido um namorado bom. Mas o seu nome. O seu nome era tudo para mim naquele momento.
- Eu te amo, Martin.
E então ela não era Jenn. Não mais.
Seus olhos eram comuns. Sua boca tinha um ângulo padrão. Tudo nela estava normal, e por isso não era a minha Jenn. Ela tinha partido, e só sobrara um amontoado de carne e ossos.
Beijei-a na testa. Olhei para o teto, mas focalizando na minha mente algo acima dele. Então me dei conta do que acabara de acontecer.
Não gritei. Não tinha forças para gritar ou para chorar mais. Não tinha forças para ter qualquer reação.
Eu sabia que nunca mais iria amar alguém como a amei. Nunca iria achar alguém como ela. Nunca ia ser feliz como fui com ela. Nunca iria conhecer e ser conhecido por alguém tão bem quanto ela.
Acima de tudo, sabia que nunca mais seria capaz de respirar sem lembrar-me do som baixo, mas profundo e contínuo, de seu último suspiro.