Nothing Inside.
Ele sempre foi uma pessoa estranha.
Quando criança, passava horas brincando com amigos que não estavam lá, mas isso é normal quando se é criança.
Já na adolescência, essa mania não passara e tal coisa é anormal quando se deixa de ser criança.
Seus pais lhe diziam para dar fim a isso, já que era quase um homem, de tanto lhe falarem palavras duras, deixou de lado seus amigos e por isso tornou-se um pouco infeliz.
Devido à solidão que assolava seus dias, começou a gostar de ler. Lia de tudo, romances, contos e tratados sobre as ciências do homem. Leu a totalidade dos livros da casa de seus pais, menos aqueles que o senhor seu pai lhe proibia. Tal proibição era explicada de forma estranha, através de uma frase decorada, quase uma oração:
"Por amor a outro alguém, te entreguei aos que brincavam contigo em tua aurora. Lendo esses tomos, entenderás todo o meu egoísmo e ainda assim seguirá o mesmo caminho de tristeza que eu."
As palavras de seu pai só o instigavam e tanto fez, que conseguiu ler os livros que lhe eram proibidos. Em segredo começou a entender mais sobre si e sobre seus antigos amigos. Aprendeu os nomes secretos dos espíritos que habitam o mundo e deles conseguiu favores.
Em uma de suas longas e solitárias noites, sentou-se em seu ombro uma mosca, que lhe disse:
"Pede-me o que quiser e lhe darei."
"E que paga tu irá me pedir Pai das Moscas? O pagamento que todos os teus pedem?" -Retrucou o rapaz.
"Não minha criança." - Respondeu a mosca - "Tolos são os homens quando nos oferecem tal coisa, pois esse sopro pertence ao que nos legou ao poço se fundo. Por fazer tal tolice, oferecer o que não é seu, que o sofrimento e a tristeza tocam os homens."
"Então o que me pedirá?" - Instou o jovem.
"Dai-me aquilo que você julga mais incomodar o teu coração." - Sugeriu o inseto.
"Nada me incomoda." - De pronto falou o garoto.
"Diz isso por ser jovem e bom. E por saber o que virá, pois tal fardo vem a todo homem, peço o amor que tens guardado. Pois ainda, tal sentimento é puro em ti." - Pediu Belzebu, enquanto esfregava avidamente suas patas da forma como apenas um judeu trocador de moedas e uma mosca faminta sabem fazer.
"E o que me darás em troca?" - Perguntou cheio de desconfiança, o moço.
"Aquilo que o teu coração mais preza: conhecimento. Sobre o que foi, sobre o que é e sobre parte do que virá a ser." - Respondeu o espírito.
"E por que só parte do que ainda virá a ser?" - Quis saber o humano.
A mosca continuou esfregando suas patas cheia de júbilo e com uma voz profunda e má respondeu - "Porque gosto de ti e o que ainda está por vir deve ser uma surpresa."
"Então que seja." - Concordou o garoto.
Nisso, uma voz grave e cruel se levantou – "Cala-te criança! Não sabes o que diz."
A mosca levantou voo do ombro do rapaz e foi pousar sobre sua cabeça. Sua voz era cheia de raiva - "O que queres tu aqui? Essa barganha não te diz respeito."
Do meio das sombras da noite, saiu um homem gigantesco, vestido com peles de bestas e homens. O gigante segurava em sua mão direita, uma enorme espada pela lâmina, que lhe feria, fazendo jorrar sangue como uma fonte. Ele respondeu a mosca – "Sabes bem, que muito dessa criança a mim foi prometido. E ainda assim lhe pede tal coisa?"
"Pois a nada o forcei." - Cinicamente respondeu Belzebu - "E sabes que o faço um grande favor. O amor nada mais é que uma maldição!"
"Favor?" - Retrucou o gigante – "Estas lhe impingindo o vazio."
Ergueu-se então o rapaz, cheio de raiva, e gritou – "Cala-te Azaghal! O que tens que te intrometer nessa barganha? E quem lhe prometeu algo que a mim pertence? Nunca lhe prometi nada! Nada lhe devo!"
"Tolo!" - Vociferou o espírito da espada – "De nada sabes sobre o teu destino e toda a tristeza e amargor que lhe estão reservados! E por seres meu em grande parte e por ser bom, tentei lhe impedir da estúpida ação que irás cometer."
Ao ouvir isso, a mosca novamente se pôs a voar. E de forma divertida girou ao redor da grande espada enquanto dizia – "Pois bem, meu caro irmão. Em respeito a vós, deixarei uma pequena parcela do amor que o menino tem, cravada em seu coração para que no momento propício ele entregue esse pequeno tesouro a quem pensar ser merecedora, para assim então perder o brilho nos olhos e beber durante todos os instantes, de todas as horas, o amargo que reinará em seu peito."
Com um uma voz triste e quase inaudível, o espírito da espada respondeu – És cruel irmão, mas que seja, o menino merece tal sina por ser tão tolo."
Então a mosca se foi, feliz consigo mesma.
O gigante olhou dentro dos olhos do rapaz e disse em um tom entre triste e raivoso – "És um tolo criança. De que lhe servirá uma vida de conhecimento? De que lhe servirá uma vida vazia? Tolo!"
E Azaghal retornou às sombras da noite.
Desde então o rapaz passou a entender a voz do vento, das bestas e de todos os antigos segredos das estrelas e dos poços esquecidos da terra.
E por um tempo, foi feliz...