Azazel
Eu deitara há mais de duas horas e nem sequer pregara o olho, não é que eu não estivesse cansado, na verdade estava muito, mas na escuridão do meu quarto, sentia uma presença forte, tão forte que impedia meu sono, forte ao ponto de me tirar a confiança de fechar os olhos.
Aquele nome maldito não saía da minha cabeça, me revirei incontáveis vezes a fim de encontrar uma posição menos desconfortável, mas era como se houvessem mil pregos sob meu corpo.
Quando já não conseguia mais aguentar, acabei adormecendo, e nos sonhos ele me visitou, na forma de um amigo querido, mas com olhos que ardiam em chamas vermelhas, disse-me:
— Ele não está seguro.
Uma voz demasiada grave, tão grave que fez meus ouvidos vibrarem de forma tão violenta que me trouxeram de volta à realidade, com o corpo vibrando em temor, o suor molhava todo meu corpo, eu já não tinha mais a pedra, a Ágata, de nenhum valor material, mas de grande valor sentimental, que eu havia encontrado no fundo de um lago negro e remoto, Eu a havia dado, meu amuleto, aquilo que me fazia sentir seguro e dormir tranquilo, eu a havia dado dias antes.
Pyè não estava seguro, nem com a Ágata em mãos.
Pulei da cama e acendi a luminária no criado-mudo, não tinha certeza se funcionaria, mas precisava tentar, já não aguentava mais a falta, a distância de seu corpo. Assim como eu havia lhe dado a pedra, ele me dera um isqueiro, era um objeto seu, cheio de energias. Eu o peguei na gaveta, era negro como a aura de Pyè, mas seus detalhes de prata faziam juz ao lado bom que ele possuía.
Sentei-me ao chão, gelado como nunca, segurei o isqueiro negro com as duas mãos e o acendi, sua chama vermelha-alaranjada tomou minha visão, primeiramente foi difícil me concentrar, mas foquei na chama e todo o brilho do quarto desapareceu, era a chama e eu, não havia mais nada.
Mente vazia, exceto pelo desejo incessante de encontrar Pyè, eu o queria mais que tudo, sua presença me passava segurança, embora eu soubesse que se não fosse por ele, eu nunca teria sido perseguido pelo mal, nenhuma entidade me procuraria, eu dormiria em paz, não teria medo de ver meu reflexo no espelho, pois nenhum vulto surgiria. Fui sugado para dentro da chama, minha alma se desprendendo do corpo lenta e ao mesmo tempo subitamente, até que eu não estava mais lá.
...
O tempo cronológico não existia lá, havia um lago negro no meio do deserto, era noite, a única luz era a da lua cheia, eu estava deitado na areia, completamente despido, o vento quente soprava, assoviando ao longe, meu coração estava inerte, até você emergir do centro do lago, imerso até a cintura, a água escorria por seu peito nu, a pele tão clara que chegava a se destacar no breu.
Embora um sentimento de perda, oculto em algum lugar da minha mente, insistisse em me perseguir, eu ignorei... Nada se comparava àquilo, Pyè caminhando na minha direção, completamente despido. Ele continuou caminhando até que a água negra alcançava apenas seus tornozelos seus pés pisaram a areia fina e quente, parecia um sorriso de conformidade estampado em sua expressão. Não consegui me mover, embora muito quisesse abraçá-lo, seus braços estenderam-se à sua frente, as mãos em concha, algo lá brilhava, mas havia uma névoa negra ao redor.
— Eu não estava seguro... — Ele sussurrou para mim, sua voz rouca, num tom quase inaudível.
— Eu amo você, fiz o que pude. — Pensei, não conseguia me mover, não conseguia me expressar em palavras, nada saía.
Se meu olhar falasse...
Não sei de que forma, mas Pyè parecia ter entendido, pois assentiu. Continuava a sorrir, mas seus olhos eram dois rios transbordando, lágrimas de dor, sofrimento e derrota, que nunca cairiam diante de mim.
Ele continuou a avançar, mais e mais, até ajoelhar-se à minha frente, em suas mãos estava a Ágata, continuava verde, mas algo nela estava diferente.
— O que você fez? — Perguntei assustado, uma lágrima tímida escorreu por meu rosto, eu começava a entender o que estava por vir.
Ele sorriu e apressou-se em tocar minhas maçãs.
— Eu pensei que fosse forte o suficiente para protegê-lo, mas estraguei tudo. Fui induzido a isto. — Pyè me passou a Ágata, a pôs em minha mão e a fechou, a pedra estava quente, mas seu toque era frio.
Um calafrio me percorreu.
— Não parta...
— Eu já parti, você me procurou aqui. Fique com isto e a destrua quando retornar, você também não está seguro, mas não há nada que possa fazer. Ele quer você por algum motivo maior em que fracassei ao tentar desvendá-lo. Vá e não se prenda a este plano, não me procure mais. Encontre uma nova Ágata para depositar sua fé, eu o amo, mas precisamos ficar longe um do outro...
Pyè se inclinou, seu corpo gelado me envolveu, seus lábios se juntaram aos meus, sedentos e confortáveis, abri os olhos para vê-lo uma última vez, mas ele já não estava mais lá, era apenas eu sentado, a chama do isqueiro e uma presença forte.
Levantei com lágrimas nos olhos, nunca mais o veria, foi quando notei que a Ágata estava em minha mão, a única testemunha do meu último encontro com Pyè, ele partiu, junto consigo levou o que restava dentro do meu peito, mas acima disso, levou minha segurança.
Outro calafrio percorreu meu corpo e no mesmo instante senti uma respiração sombria em minhas costas, ele me queria.
— Azazel...