O Rio de Ódio Sem Fim
O ambiente totalmente escuro não lhe permitia ter noção alguma de onde estava. Sentia que grandes quantidades de um líquido grosso e viscoso corria a altura do seu joelho. Como havia chegado ali?
Lembrava-se apenas que dirigia-se para a universidade onde cursava Direito. Mas de repente estava ali, onde quer que ali fosse. Gritou pelos seus familiares, pai, mãe, irmãos, ninguém respondeu. Percebeu que estava só naquele ambiente.
Decidiu caminhar contra aquela corrente viscosa. Andou com dificuldade. Lentamente.
Tropeçou. Caiu sentado de lado e apoiou as mãos para evitar que o rosto fosse coberto por aquele líquido que corria em forma de rio. O cheiro lhe parecia desagradavelmente familiar. Tudo continuava escuro. Caminhava devagar, com os braços erguidos, tentando tatear algo, encontrar um rumo. Repentinamente o ambiente foi se tornado menos escuro, mais tenebroso. Arrepiou-se com aquela sensação desagradável de fim de tarde, quando o sol se esconde e dá lugar às estrelas de uma noite sem lua.
Mesmo com o ambiente mal iluminado, Mauro, esse era o seu nome, pôde perceber em que lugar se encontrava. Estarreceu. A altura do seu joelho corria um tranquilo rio de sangue humano. Havia sangue por todos os lados, as margens desse rio não podiam ser avistadas. Gritou de desespero, em pânico, olhando para todos os lados com as mãos na cabeça procurando entender onde estava.
Olhou para trás e viu que tudo estava escuro, à sua frente, contra a correnteza, o ambiente continuava penumbro, por isso seguiu por onde podia ver. A visão de todo aquele sangue parecia ter aumentado o odor, lhe deu vontade de vomitar. Ao longe, muito ao longe, via imagens retorcidas, que poderiam ser de galhos de árvores mortas. Não tinha certeza. Como tinha ido parar ali? A pergunta não lhe saia da cabeça.
A sensação de estar perdido em meio a todo aquele sangue já era grave, mas ficou pior. Começou a ouvir ruídos desagradáveis ao seu redor. Vinham de todos os lados. Assemelhavam-se a cães raivosos. Olhava com apreensão, mas não os via. Os ruídos ficaram mais fortes. Sentiu que se aproximavam, até que pôde vislumbrá-los. Sombras. Meras sombras de lobos grandes e demoníacos correndo rapidamente em sua direção. Iriam abocanhá-lo, eram muitos. Com certeza seria destroçado. Continuou a correr. Gritou. Aproximavam-se ainda mais. Estavam em sua cola.
Quando um desses animais sombras pulou para abocanhar o seu pescoço por trás, um grande vulto branco vindo velozmente do alto se interpôs entre os dois e salvou Mauro, levando-lhe dali, sem que ele tivesse notado a rápida chegada desse redentor.
Os dois foram aterrissar em uma terra árida. Bastante assustado, Mauro continuava sem compreender o que havia acontecido. Ao notar o seu salvador perguntou quem era. Ouvi como resposta apenas:
-Sou um anjo. Tudo o que precisa saber.
Perguntou onde estava e o que era aquele lugar.
- Você, mesmo tão jovem, sofreu um infarto. Está entre a vida e a morte e veio parar neste lugar. Esse é o Rio de Ódio Sem Fim destinado a todos aqueles que dedicaram as suas vidas a maledicência e a raiva.
As criaturas que iriam pegá-lo são lobos infernais que o levariam para o submundo, mas, pelo visto, ainda não era a sua hora. Uma rara segunda chance lhe foi concedida e você poderá voltar, por isso apareci e o regatei. Ouça apenas um conselho: mude. Da próxima poderei não estar aqui novamente.
Com essas palavras Mauro caiu em um sono profundo acordando em um leito de hospital repleto de tubos pelo corpo. Ao perceberem que tinha acordado uma equipe de médicos foi ao seu encontro e diagnosticou que, surpreendentemente, ele se recuperava fantasticamente. Mauro abraçou a sua família como nunca o fizera. Não sabia dizer se o que tinha passado fora real ou apenas um sonho. Sabia, contudo, que deveria mudar.
Jamais caminharia de novo por entre todo aquele sangue do Rio de Ódio Sem Fim.