O COURO DE BODE
Por fim das forças, Agripino queria ficar rico. Andava preenchido até à alma com a mais profunda depressão - a doença da cobiça - que lhe atormentava noite e dia. Sua figura magra, taciturna e encurvada, causava repugnância. Sua sombra disforme projetava no solo, um edifício negro, cujas janelas, semelhantes órbitas destituídas de espírito, vagava desolada, alheia a ele próprio, como se quisesse desvencilhar-se dele, numa inútil batalha, infértil delírio, terrível desolação.
Consultava febril o jornal à cata dos números sorteados, ávido de vê-los como se fossem seus números. Jogava diariamente em toda sorte dos jogos azarentos, nunca tendo sido contemplado com a sorte grande, a qual perseguia com unhas e dentes, dia após dia.
Agripino também era dado às orgias e frequentava o baixo meretrício. Uma vez embriagou-se em um cabaré e começou a falar de seus anseios de riqueza com uma puta velha. A mulher também se embriagou com a possibilidade de obter riqueza súbita e fácil, além de também concretizar os anseios de se juntar àquele homem como consorte. Chamou-o à parte e sussurrando-lhe como num segredo de morte, com o olhar transtornado de um moribundo, confidenciou-lhe que conhecia uma mulher que dominava as artes demoníacas do vaticínio e que era certo que ela conseguiria realizar o desejo de Agripino em tornar-se milionário da noite para o dia. Os olhos dele se esbugalharam e de braços dados com a meretriz, adentrou a noite em busca da jabiraca, afilhada do Demônio.
Encontraram-na, a bruxa velha, em sua casa e tão logo ela viu Agripino, soube de que tipo de homem ele se tratava. Viu-lhe a alma corroída pela ganância e esfomeada de riqueza e lucro fácil. Propôs-lhe uma série de coisas odiosas, doze trabalhos que deveria fazer para atrair os dinheiros, não antes de lhe impor centenas de advertências, sob a pena de malograr o trabalho dos mortos e de se endividar com o Demônio. E boa coisa é não contrair dívidas com o maligno Senhor das Moscas.
Depois de ter empreendido todas as etapas dos doze trabalhos, entre eles o mais reprovável tendo sido o de violar o túmulo de uma criança e ofertá-lo ao amaldiçoado Belzebu, Agripino então se encontrou novamente com a velha necromante, para receber dela o objeto do desejo, o qual iria enfim torná-lo rico, milionário, como sempre sonhara.
A velha megera, a boneca de pano do Diabo, trouxe-lhe enrolado, um couro de bode curtido, advertindo-o severamente de que não o desenrolasse de forma alguma, pois naquele couro de bode estavam todas as maldições, doenças, pestes terríveis e misérias possíveis. O próprio mijo do Demônio estava ali enrolado naquele couro e que o Todo-Poderoso Deus se apiede da alma daquele que o desenrolar antes do devido tempo, como assim tinha que ser.
Assim Agripino tornou-se milionário, proprietário de fazendas e imóveis nas mais diversas partes do mundo, empresário bem sucedido, reconhecido internacionalmente, tendo sido inclusive convidado pela mais alta elite do país a pleitear cargos políticos que o fariam mais rico ainda. Agripino sempre, no entanto, de guarda do couro de bode, cioso do objeto, não deixando ninguém chegar perto o bastante para desenrolá-lo, o que decerto seria a sua ruína.
Mas o tempo é o senhor da razão. Descuidou-se Agripino uma única vez da guarda do objeto da maldição e viajou a negócios. Quando chegou a casa, estancou horrorizado ao se deparar com o fatídico couro de bode estendido na sala, como um objeto de decoração. A esposa lhe veio sorrindo dizendo que tinha encontrado aquele couro nas coisas dele e que achara que ficaria muito bem na sala.
O coração de Agripino quase lhe salta boca a fora. Um ar quente vindo de fora da casa soprou, trazendo consigo um odor nauseabundo impregnando totalmente o ambiente. Tresloucado, na mais profunda agonia, sentindo esvair-se a si próprio, trôpego, ofegante, tenta em vão enrolar o couro, agora coberto de vermes. Tinha enfim chegado o seu devido tempo.
O domínio sem misericórdia das trevas estendeu-se sobre tudo.