As carpas denunciam - DTRL 18
Tema: Crimes Passionais
Amanhecera os montes cingidos pelos raios de sol, dissipando as brumas habituadas a encenar as trevas em seu período negro do dia. Edificações gélidas, portões descascados, o cenário glacial advertia os moradores da região sobre os miseráveis dias que se aproximavam. Ainda assim os romances podiam ser vistos nas casas de chá nas primeiras horas do dia, nos restaurantes, praças, admirando os resfolegar de folhas e atribuindo a comunhão da paixão com chocolates quentes e beijos frios.
Levados pela corrente de amores sazonais, os casais escolhiam entre os programas lúcidos e inebriados, dividindo sua permanência de dias em lugares de apreço ao ópio, bebidas, o sexo, alguns a passeios de charrete, bicicletas e tardes a cavalo. A cidade era distante a grandes metrópoles, os pássaros somavam seus alaridos em orquestra outonal se assemelhando aos réquiens.
Distintamente as lampadas tinham a reverberação alaranjada, como as de outrora, a intempérie e o frio, produziam seu verniz natural as camadas vítreas que escondiam a admirável claridade eletrônica. O aspecto noturno atingia o glamour das noites enluaradas, de estrelas vívidas e enormes.
- Um pouco menos de estudo.
- Estou ainda pensando se há realmente possibilidade.
- Logo voltaremos para a cidade grande, deixei esses jornais, arquivos e manuscritos. Não deixemos que nossa viagem se torne...
- Ok! Não precisa de apelo moral.
- Fui sugestiva.
- Oh! Agora vamos brigar?
Casados há três anos, as diferenças eram aprazíveis, comuns, entre os dilemas habituais entre os casais jovens. Refutavam de riqueza e luxo, embora, estivessem acima de quase todos que na região estavam nesses dias. Caminhavam entre os demais como quaisquer, a aparência ereta e fina os entregava, ao merecerem mérito por suas famílias. A estirpe é algo previsto entre os homens, uma pele de coloração rosada e aveludada como um pêssego, jamais se relatara como os vestígios de uma como furos, depressões e acne.
Ostentavam em casas de linhas, tecidos, chás, bistrôs. As luzes mantinham aspecto favorável em sua mesa, um disparate ficarem sem a maior peça do restaurante.
- Quando voltarmos, quero ver a praia.
- Não gostas de frio?
- Sim, mas estamos há duas semanas aqui.
- As nossas afinidades se comprazem.
- Como as pessoas que se odeiam?
- Que quer dizer com isto?
- Eu nunca mais o veria se fosse um namorado.
- Leva isso adiante?
Inspirado em um guerreiro que degola a cabeça de sua esposa e caminha com a cabeça de órbitas mortas em baixo do braço, para que ela nunca esqueça quem a amara verdadeiramente. O filme iniciou, as cordas manchadas de sangue, os cabelos imundos, o ator belo e barbudo, uma cabeça de cera mal feita. O apelo da platéia era de nojo, alguns desprezo e outros o pavor. Entre as taças de tinto, a noite se lançou na perfeição inebriante das uvas, e o filme era de menor interesse a todos.
Tinham ainda um pouco de interesse entre os dois, as vezes o carinho, os negócios, e os amantes, a utilidade de se viver num matrimônio acordado entre pessoas de negócios era simples como os papéis de admissão em uma companhia. Embora, estivéssemos observando que a conduta organizacional fosse tão exemplar como no matrimônio.
As ruas estavam baldias, os carros andavam vagarosamente, guarnições mantinham gárgulas em expressões pavorosas, assim como as múmias embalsadas vivas em rituais de punição, árvores fantasmagóricas e pios noturnos, a beleza do sinistro imperava, e a destreza em desprezar tudo mantinha-se viva entre os dois. Distantes, caminharam de mãos dadas até o hotel, o veículo chegava até a proximidade, devido uma passarela de concreto direcionasse ao portal da recepção. De um lado para o outro da guarnição no qual caminhavam sobre, tinha água para ambos os lados, e luzes azuladas que embelezavam as carpas aprisionadas naquela lagoa artificial.
Entraram nas acomodações, salvos, voltaram a trocar algumas palavras, desnecessariamente mantiveram calados após notarem que o contato não era de interesse sequer de um dos dois. Apesar de manterem o desprezo e a medíocre relação que alimentavam há um certo tempo. Os gênios eram diferentes, e conduziam uma trama de difícil aceitação.
Mantiveram o tinto no adentrar da madrugada, a esposa foi a cozinha e preparou pães com creme, a uma hora dessas não tinha serviço de copa em andamento, os trouxe envoltos com mel em um cesto de seda com arremates de fios prateados laçados, deixou sobre a mesa e encheu sua taça. Após brindarem o vazio, esgueirou a espera da morte de seu esposo, recheou os pães com veneno e manteve-se atenta em não comer, com reclames a seu peso e o gosto adocicado do mel, também estava sonolenta nesta circunstância.
Com os sentidos debilitados, olhou para o semblante imóvel do marido e notou que suas íris estavam enegrecidas, mas com órbitas cinzentas como um farol envolto de névoa visto ao longe de um navio. Com esforço de quase uma hora, conseguiu com uma maleta de facas e serras, já trazidas para este desfecho, arrancou a cabeça do esposo, e mirou com precisão o meio da lagoa em que as carpas nadavam como se flanassem num céu azul.
Por sua gratidão e honra, ela subiu o parapeito da janela para que não perdesse a visão admirável da morte e vingança de seu esposo, o sono estava grave, escorregou nas pedras lisas e atirou-se adormecida ao lago com a cabeça sobre os braços, as carpas fizeram um círculo rosado formando um redemoinho e a esposa se manteve belíssima em seu sono de morte, a cabeça do esposo flutuava como uma flor de lótus.
No vinho, o veneno de uma aranha mantinha o corpo paralisado por horas, alegando a morte, a substância foi colocada pelo marido, assim que a esposa adormecesse, ele a afogaria, os desejos de morte se compraziam até em seu ódio, os crimes funcionaram como nas tramas orientais em que existe o suicídio em conjunto, neste, o assassínio foi deliberado em uma bifurcação que morre em apenas uma via.
- Marcos Leite
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