Há de te possuir

A casa velha e simples ficava num lugar alto e ermo. Ao seu redor, tinha muitas árvores e uma mata densa e fechada. Havia apenas uma trilha que levava da porta da casa à rodovia principal. Foi a única coisa que Pedro conseguiu depois de cinco anos trabalhando como frentista. Mesmo com tanta simplicidade, Pedro conseguiu realizar seu sonho e o da mulher Alice.

Independência era tudo e o melhor de tudo era a distância daquela parentela que tanto incomodava. Estavam radiantes e felizes. Os dois tinham uma boa relação e raramente brigavam. Alice estava grávida de três meses. Pedro era um cara tranquilo: não fumava e não bebia, era honesto e mantinha as contas em dia. Certo dia, Pedro estava fazendo pequenas reformas na parede até que encontrou um anel dentro de uma pequena fresta. O anel era bonito, vistoso e possuía uma inscrição em latim: Quod malum est, ut possideas.

Ele achou bonito a linguagem, mas não compreendeu o seu significado. Resolveu colocar o anel no dedo anular da mão esquerda e continuar com as suas pequenas reformas.

Os dias foram voando. E Pedro, com o anel no dedo, começou alterar totalmente o seu comportamento. Saía do trabalho e ia para o boteco se embriagar. Todos estranharam tal atitude, pois nunca o viram beber. Chegava em casa totalmente alterado, fedendo a cachaça. Alice tentava entender o que estava acontecendo com o marido, perguntava-lhe, mas era em vão. Se ela insistisse, logo era interrompida por Pedro.

- Cala a boca, sua vagabunda!

Pedro criou um hábito incomum de beber: bebia loucamente todos os dias. E a cada dia ficava mais agressivo, principalmente com Alice.

Numa sexta, depois da habitual libação, Pedro chegou em casa parecendo o demônio em pessoa. Alice, percebendo o comportamento esquisito do marido, resolveu trancar a porta do quarto e se calar. Pedro, foi até a cozinha e começou a mexer e a derrubar todos os talheres e gritava alucinadamente:

- Vou te matar sua vagabunda e traidora!

Alice começou a soluçar e percebeu que Pedro caminhava em direção ao quarto. Pedro começou a esmurrar a porta e berrava frases sem nexo. Alice só compreendia o verbo matar. A porta era frágil e Pedro conseguiu entrar no quarto com uma faca em punho. Alice olhou nos olhos de Pedro e viu que estavam vermelhos e em sua testa haviam dois pequenos chifres. Ela tentou se proteger com um travesseiro, mas foi em vão. Pedro apenas disse:

- Vai morrer. Você e ele!

Levou diversas facadas na barriga. Enquanto era esfaqueada, Alice percebeu algo brilhando no dedo de Pedro. A dor era alucinante em suas entranhas e ela apagou. Pedro, não se contentando, transou com o corpo cadavérico da sua esposa. Após a insanidade, Pedro embrulhou o corpo de Alice em um lençol e o arrastou para fora da casa. Chorava copiosamente e não sabia o porquê fizera aquilo. Não queria ser preso e arrastou o corpo da mulher mata a dentro. Encontrou um poço velho e resolveu jogar o corpo de Alice lá dentro. Voltou para a casa chorando e pensando no que ele havia se transformado.

Foi para o trabalho no dia seguinte. Todos notaram o seu abatimento. Um colega, chamado José, perguntou-lhe:

- Tudo bem, amigo? Há algo acontecendo com você.

Pedro olhou profundamente nos olhos de José.

- Não meu amigo, eu não venho dormindo bem.

E José continuou em sua investigação:

- E Alice, está bem?

Pedro deu uma leve tremida.

- Está ótima, por quê?

José percebeu que nada estava bem e resolveu se afastar.

Em casa, Pedro resolveu tirar o anel, mas ele fixou rigidamente em seu dedo. Não conseguiu tirar de jeito nenhum.

Enquanto ele tentava tirar, alguém bateu-lhe a porta. Ele ficou enrijecido, pensando se alguém tinha visto ou ouvido alguma coisa. Foi até a porta, abriu-a e havia uma pequena menina branca de vestido rosa.

- Moço, me dá água?

Ele estranhou aquela criança naquele lugar ermo. Pensou, por um momento, como ela havia chegado ali.

- Eu vou buscar, aguarde um instante.

Quando ele voltou, a menina não estava mais lá. Havia apenas uma vela ao chão e uma frase riscada em sua porta: “ELA VAI VOLTAR”.

Pedro fechou a porta com tudo e o copo com água escorregou da sua mão, estilhaçando-se ao chão.

- Puta que o pariu. – gritou.

Na madrugada, duas da manhã, Pedro se enrolava na cama para lá e para cá, suando muito. Levantou-se da cama subitamente gritando, gritando e percebeu que era apenas um sonho. Foi até a cozinha pegar um copo com água e voltou para o quarto. Não conseguia mais dormir. Ligou a televisão e não parava de pensar no que fizera com a sua amada esposa. As três da manhã, ouviu passos rodando a sua casa. Abaixou o volume da televisão e observou o estranho barulho. Na sala, a porta se abriu num rangido monótono. Passos em direção à cozinha.

Pedro se levantou da cama e fechou rapidamente a porta do seu quarto. Começaram a mexer nos talheres, a derrubarem os copos, a bater na mesa. Pedro, assustado em seu quarto, agarrou um taco de beisebol velho que ele havia comprado. O barulho alucinante da cozinha parou e os passos foram em direção ao seu quarto. Pedro estava estagnado, em posição de acertar quem quer que seja que entrasse naquele quarto. Ouviu o tilintar de uma faca e, imediatamente, o objeto pontiagudo foi fincado na porta, atravessando-a. A porta se abriu e Pedro não conseguiu atacar aquela misteriosa criatura. Não conseguia, porque era a sua mulher. Toda deformada, ventre aberto com uma criança que não parava de chorar. Pedro, de súbito, aterrorizado com aquela cena, largou o taco de beisebol e abriu a janela do quarto que dava para um matagal.

Ela veio em sua direção, sem falar nada. Ele conseguiu se jogar da janela e correu como nunca procurando pela rodovia. Correu, correu e quanto mais corria sentia algo atrás dele cada vez mais perto. Alcançou a rodovia. Havia um carro de polícia passando. Pedro pediu ajuda. O carro parou e os policiais indagaram-no:

- O que houve, moço?

- Matei minha mulher, matei minha mulher. Mas ela voltou para me pegar, ela tá viva!

- Aonde fica a sua casa.

- Lá em cima, no morro. Eu os levo lá. Mas vão com a arma em punho. Ela está viva

Quando os policiais chegaram e entraram na casa, viram a mulher de Pedro estirada na cama com o ventre aberto e um feto morto. Pedro foi preso em flagrante. Na delegacia, Pedro estava transtornado e não parava de gritar que a sua esposa voltaria. Após dar o seu depoimento ao delegado, o anel que estava no dedo de Pedro, caiu sobre a mesa do delegado Jair. Pedro foi conduzido à cela.

O delegado Jair, sozinho em seu escritório, observou com extrema curiosidade aquele objeto que caíra em sua mesa e notou a inscrição em latim. Procurou na internet o seu significado: O mal há de te possuir. Achou engraçado e colocou em seu dedo. Três meses depois, o delegado Jair entra gritando na delegacia : ela vai voltar, ela vai voltar...

Sampa Ribeiro
Enviado por Sampa Ribeiro em 24/09/2014
Código do texto: T4974364
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