A criança do cemitério

Eu tenho o hábito mórbido de visitar cemitérios antigos, principalmente o da Consolação que fica aqui em São Paulo. É um cemitério misterioso, com túmulos suntuosos. A cidade cresceu tanto que o cemitério parece esmagado, encolhido. Enfim, francamente, adoro presentear simbolicamente as crianças que estão enterradas no cemitério. Tenho esse prazer exótico.

Ontem à tarde, numa dessas habituais visitas, estava passeando tranquilamente, com uma boneca à mão, à procura de uma criança do sexo feminino para presenteá-la. Passei os olhos por várias inscrições tumulares até que me detive num túmulo de uma garotinha que morrera com apenas dez anos, em 1970.

Havia um epitáfio consolador no túmulo dela: " Fui Brincar com Deus". Ela se chamava Juliana de Albuquerque. Quem quiser, pode ir lá ver com os próprios olhos!

Resolvi pousar a boneca de pano sobre a lousa do túmulo da menina. Quando deitei a boneca, uma criança - não sei se era a Juliana - surgiu por detrás de mim e disse num tom angelical:

- Muito Obrigada, vou brincar muito hoje.

Mesmo a voz sendo doce, não tive coragem de olhar para trás. Saí voado do cemitério.

E na madrugada de hoje, alguém tocou a campainha da minha casa às 03:00 da manhã. Eu e minha esposa acordamos, mas não saímos para ver. Afinal, poderiam ser bandidos. Pela manhã, quando saí para ir à padaria, uma desagradável surpresa: a boneca estava jogada embaixo do meu carro! Será que a Juliana não gostou do meu presente ?

Sampa Ribeiro
Enviado por Sampa Ribeiro em 20/09/2014
Reeditado em 20/09/2014
Código do texto: T4969757
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