Acampamento na noite de primeiro de abril (Republicado)
Todos ali sobre o lúmen da fogueira regateira que iluminava o rosto de todos. Pequenas histórias saíam do povo que se exibia pelos sustos vividos pelas pseudoexperiências vividas. Tio Jango o mais eloquente dos contadores de histórias se exibia por ter sido testemunha de muitas. A mais surpreendente foi a que viveu em uma de suas viagem pelo mundo. Dizia ele:
Olha amigos.
Com os olhos arregalados de quem havia se assustado muito pelo testemunho ocular de algo assustador.
Não quero por medo em vocês. Mas, existe muita coisa que nós não imaginamos nesta vida... Tudo o que narrei até aqui, foi verdade. Todavia, uma de minhas histórias, tem o tempero do inimaginável. Isso aconteceu em 1975, quando contava com 18 anos. Fiquei sabendo de uma panela de dinheiro enterrada em um descampado perto da Serra do Rio Jordão. Que teria sido enterrada pelos Jesuítas aproximadamente em 1750. Ali não havia ruínas das Missões. Sabíamos não por mapas, nem por histórias de hipóteses do ocorrido pelo descentes da região. E sim, pelo que muitos já haviam vivido quando passavam por aquelas aragens, principalmente nas noites de lua cheia do mês de agosto. Quando uma das vítimas foi assombrada por uma tribo fantasma que implorava que fosse desenterrado aquilo que os prendiam ali... Uma caçarola de barro carregada de moedas de ouro. Este sobrevivente sóbrio, que teve a sensibilidade de encarar aquilo como verdade, convocou-me para aquela empreitada, pois sabia que eu era homem que acreditava naquilo por já ter vivido muitas histórias – que a maioria das pessoas não acredita. E de pronto, aceitei, por também acreditar naquele homem que merecia todo meu crédito.
Amigos... saímos com pás, picaretas, enxadas, dois rosários em cada bolso e nosso santinho de devoção. Pois, sabíamos que teríamos que rezar muito. O que ali ganhássemos teríamos que repartir parte com quem realmente precisava para abençoá-lo. Esta era a regra básica para quem era caçador experiente de panelas de dinheiro. Chegamos ao local em uma noite muito límpida. Não estava frio, embora a nossa região seja considerada uma das mais frias do sul, aqueles anos o inverno era terrível, como vocês sabem, mas apesar disso aquela noite estava agradável. Deixamos nossos carros na estrada, pois não dava para chegar de carro até lá. Pulamos uma cerca de arame. E poucos metros depois, escutamos algo estranho. Paramos. Parecia um mugido. Mas, não enxergamos nada. Então, seguimos nosso destino. Como saberíamos o local? Meu amigo narrou que era próximo a um velho ipê. Seria naquele local aproximadamente. Teríamos que trabalhar a noite inteira até o amanhecer. Pois, pela lenda, diz-se que tem que retirá-la até o por do sol. Então teríamos que nos apressar. Chegamos ao assustador ipê. Digo isso, por que naquele momento o achava assim. Ele já foi fazendo um buraco sem ao menos pensar, tive a impressão de sabia onde era. Poucas pazadas, desistiu. Eu, confesso. Fiquei naquele momento somente olhando e pensando. Onde será ao certo? Não havia uma lógica para aquilo. Mas... era jovem. Não me importaria em viver aquela “loucura”. Comecei a cavocar usando minha lógica. Se tiver próximo do tesouro, algo ocorrerá. Depois de um certo tempo, de quase limpar a grama que cercava o ipê, ocorreu algo muito estranho. O barulho do boi voltou. Paramos... olhamos para os lados e não havia nada. Concluímos que aí era a pista que esperávamos. Começamos a aprofundar nossa procura. Fizemos um buraco de dois passos quadrados. Quando já estava pelo nosso joelho, outros brulhos de bichos se juntaram ao mugido do boi. Agora haviam porcos e cachorros. Além do barulho de arbusto quebrando. Mas... não haviam arbustos ali. Era só um descampado. O tempo começou a fechar. E, em um repente, começou a chover com muitos raios e trovões. Choveu com vento. E sombras horríveis assombraram nossa noite. Ouvimos o canto da tribo em uma língua que não conhecíamos. Mas à medida que nós afundávamos nosso buraco o canto tornou-se uma canção religiosa – ou pelo menso parecia assim - com sotaque parecido com o português e algo perto do castelhano. Sentimos cheiro de erva-mate queimada. Chegou ao auge da cantoria. E, tudo se silenciou. Paramos um momento. Olhamos para a paisagem agora coberta pela cerração. Tremíamos. Nos olhamos. Nos interrogamos. Seguiríamos aquela empreitada? Certo de que estávamos próximos ao tesouro continuamos. Um canto continuou. Barulho de cavalos começaram a passar próximo a nós como um estouro. Abaixamo-nos e aos poucos pusemos a cabeça fora do buraco para ver o que estava ocorrendo. Nada acontecia de diferente a não ser a cerração que aparentava mais brilhante agora já revelando a copa de alguns pinheiros ao longe. Cavava freneticamente enquanto meu amigo descasava – quando bati em algo que parecia uma caixa. Com as mãos, descobrimos, sim era uma caixa de madeira. Muito dura não parecia oca, parecia ser preenchida com concreto. Pegamos algo que parecia uma alça de corda que amarrava a caixa... Tiramos a terra que a cercava. Tentamos abri-la. Tentamos movê-la. Mas... a chuva voltou. Agora mais forte. Os bichos e as cantorias voltaram também mais fortes. A cerração cobriu o buraco e agora não enxergávamos mais a caixa, só a sentíamos. O buraco começou a encher de água. E quando não era mais possível permanecer ali – devido a ela, nos retiramos. Com a decepção dos grandes guerreiros, combinamos retornar pela manhã. Voltaríamos para casa. Quando amanhecesse voltaríamos mais equipados, com baldes para retirada da água. Neste momento desacreditávamos da lenda, ou coisa parecida. Víamos somente a lógica, o real. E assim, cansados, muito cansados nos retiramos quase não encontrando o rumo à estrada.
A esta altura, todos prestavam muita atenção. Aparentemente ninguém parecia duvidar. Mas... em seus interiores. O causo assumia uma vivacidade pungente, ainda mais com a eloquência do contador que gesticulava muito e impunha a voz nos momentos certos de tensão.
Todos atônitos e reticentes, viam o contador de histórias olhando ao longe.... como se estivesse desgastado somente pelo esforço de tentar lembrar do ocorrido. E logo após uma pausa. Continuou:
Voltamos quando amanheceu o dia. Pulamos a cerca de arame. Olhamos o provocador pé de ipê. E, para nosso espanto, um olhar a cara do outro sem nada dizer, e como se não fosse possível contar isso para ninguém – com medo de se ter tido como louco – olhamos para o chão atônitos - e toda a grama que recobria aquele lugar estava como se nunca tivesse sido remexida.