O Quadro Pintado com Horror
Era um dia frio de céu prateado e ventos cortantes quando cheguei à casa que herdara. Era feita em madeira da mais escura, uma gigantesca obra de arte. “Aposto que se surpreenderá com a casa senhor” foi o que me disseram, não estava errado afinal.
Abri a porta e lá dentro a penumbra aos poucos escoou pela porta conforme a luz esbranquiçada do céu entrava. As pesadas janelas estavam todas fechadas, abri-as uma a uma. Assim pude ver a mobília antiga e conservada. De séculos atrás.
Um enorme quadro jazia pendurado no centro da parede onde ficava a chaminé. Era uma mulher. Não dei muita atenção, a viagem fora longa e tinha que esvaziar as malas no quarto que nem ao menos havia visto ainda. Tudo ali parecia intocado, a escada que dava para o segundo andar não rangia, as portas abriam suavemente e as janelas trancavam e destrancavam como se houvessem sido postas há um dia atrás.
Deitei-me na cama de casal no quarto do segundo andar, era grande e o enxoval era limpíssimo. Cobri-me e virei para o lado da janela onde a Lua agora era quem pairava no céu.
Não sei quanto tempo passou, não sei nem se passou algum tempo, mas logo abri meus olhos, alarmado por um ranger que viera do andar de baixo. Pensei ser algo da minha cabeça… De novo, mas dessa vez mais alto. E de novo. E de novo... Mas esse último viera acompanhado de uma risada, uma mulher.
Meu coração encolheu, ficou gelado, disparou em batimentos, minhas mãos tremeram. O quarto se encheu de uma impossível penumbra e ficou tão gelado como estar nu do lado de fora em noite de inverno. Me vi obrigado a levantar descer para ver o que era “devo estar imaginando” pensei, ou torci para isso.
Desci lentamente. As escadas, agora rangiam. E a sala lá em baixo parecia um abismo. Com uma coragem súbita corri até as janelas e abri todas. Como espectros que abominam a luz a escuridão se desfez em parte. Mas algo pior que ela ficou na sala. Pude agora contemplar a obra que adornava a sala. Uma mulher de cabelos negros presos a um coque. Sua expressão era dura. Suas feições entalhadas no rosto imóvel, seus negros olhos imitavam ônix, os lábios tinha um tom morto. Com uma expressão total de horror olhei absorto a figura novamente.... Sorriu pra mim com a expressão mais sarcástica e maligna que já vi. Paralisei, minhas mãos tremiam, meu corpo ficou gelado, soava frio.
A risada se fez novamente, mas o quadro não se mexeu. O sorriso se dissipou, e a expressão dura e velada continuava. Foi então que uma mão gelada tocou-me as omoplatas por baixo da camisa e subiu até o ombro direito. Parecia gelo. E o quadro... Dessa vez, a face ali pintada se enrijeceu. Aos poucos tomou de uma expressão cadavérica, os ossos se atenuaram na face, a pele ficou tão branca como a de um defunto que morreu afogado. Sua boca agora negra se abriu e dentes afiados despontaram de lá de dentro. Os cabelos estavam desgrenhados. O quadro parecia pintado com horror, a maldita criatura que ali se formava parecia morta, sem vida... Mas mortal. Um grito ecoou pelo cômodo estilhaçando o vidro. Eu mal podia me mexer, o espanto tomara conta de mim.