Um profissional de nove anos
O gato comia, lambendo a tigela de plástico, sujando os bigodes e elevando os olhos incrivelmente amarelos para o garoto, que o observava de cócoras, com interesse quase científico; com seriedade e calma analítica que lhe dava um ar profissional.
Um profissional de nove anos.
O menino continuou a olhar para o gato que miou agradecido, quase como se esperasse a sobremesa. O garotinho sorriu e disse "come, gatinho" e o gato miou carinhosamente. Enfiou as mãos no bolso a procura de algo. Enfim encontrou o que queria ao meio de papeis de bala e moedas não gastas. Era um naco de carne crua, o que procurava.
Com a perícia de um profissional, um profissional de nove anos; colocou alguma coisa no meio da carne, enrolando-a com extremo cuidado e delicadeza.
Estendeu a palma da mão para o felino que por um momento pareceu exitante. Cheirou a mão do garoto e recuou, desconfiado. "come, gatinho". O gato farejou a carne novamente e desta vez cedeu. Engoliu com uma lambida áspera.
No segundo seguinte, o focinho do gato explodiu.
A bombinha estourara ao impacto da mordida levando consigo boa parte da cara do gato. O sangue jorrava misturando seu cheiro de cobre ao odor da pólvora e da fumaça. Por um instante, o gato continuara olhando para o garoto com os mesmos olhos amarelos sonhadores, alheio ao fato de que sua vida breve, terminaria a menos de vinte segundos.
O gato caiu produzindo um baque seco e manchando a varanda de vermelho. O garoto riu, satisfeito, como quem sorri após contemplar um trabalho bem executado. Riu como fazem os profissionais.
Afinal, ele era um profissional.