Vingança Sanguinária

Era uma noite de lua minguante, tendenciosa à lua nova. O céu estava escuro e, sem a forte luz elétrica existente nas cidades, a escuridão reinava com mais força no local. Havia poucos pontos luminosos naquela pequena estrada que cortava a montanha, praticamente todos provenientes de poucos postes à beira da estrada. Àquela altura, a estrada já se adentrava na pequena cidade de Huy-Haksick.

Utilizando-se de farol alto para iluminar o caminho, vinha o irresponsável Adam Mackenzie, com seus 19 anos e um poderoso Chevrolet Camaro de cor preto. Adam não era nem um pouco responsável: continuadamente, dirigia bêbado, acelerado e já foi levado para a delegacia diversas vezes.

Naquela noite, Mackenzie vinha em alta velo-cidade, e o interior do carro escondia uma soma considerável de vidros de bebida alcoólica, sendo que algumas se encontravam vazias e outras a serem esvaziadas durante o trajeto até a pequena casa de Adam.

Mackenzie adentrou em uma curva com seu carro há mais de 80 quilômetros por hora, em uma estrada inclinada e tendo como um de seus acostumados um precipício, onde logo abaixo passava um gigantesco rio.

Tão logo adentrou na curva, Adam percebeu ter um transeunte na pista. O mesmo parecia embriagado e andava cambaleante. O rapaz tentou frear, entretanto, não logrou êxito e acertou o carro no transeunte, arremessando-o longe.

Adam desceu do veículo. Primeiramente, fitou a lataria frontal de seu automóvel, a fim de perceber se a mesma fora amassada com o acidente. Ao perceber que a lataria se encontrava na mesma situação, alegrou-se. Em seguida, preocupou-se nova-mente, agora com a sua situação em relação ao transeunte que ferira. Caminhou até ele. O mesmo se encontrava estirado na pista, de bruços, sangrando horrores na cabeça e com diversas luxações pelo corpo.

Mackenzie, mesmo temeroso, virou o homem e percebeu, fitando seu rosto com olhar vítreo, que o mesmo se encontrava morto. Ficou com medo.

- E agora? E agora? – se perguntava, andando desesperadamente e sem rumo pelo local

Repentinamente, Adam teve uma ideia que, para ele, seria a mais conveniente para a situação. Ergueu as pernas do transeunte e, puxando-as, caminhou até o findar da pista. Naquele local, via-se claramente a mureta de proteção, que visava impedir que alguém caísse no breve penhasco e, em seguida, se afogasse no rio. O rapaz ergueu o cadáver e o jogou pelo penhasco. Contudo, o mesmo não havia reparado que o corpo lançado não fizera barulho de cair na água; estava com tanto medo de alguém vê-lo naquela situação que pouco importava para ele onde o corpo parara. Tão logo lançou o cadáver precipício abaixo, Mackenzie correu em direção a seu carro e partiu, o mais rápido possível.

Ele não havia reparado, mas o corpo ficou preso no meio do precipício, entre árvores e matos e sobre uma quantidade considerável de barro. E tão logo Adam partiu, o cadáver abriu os olhos, os mesmos olhos vítreos.

A residência de Mackenzie era uma espécie de kitnet. Tinha um pequeno quarto com uma cama de solteiro no canto direito cuja porta saía na sala, esta última ligada por um balcão à pequena cozinha. A sala possuía um par de sofás frontalmente a uma TV, enquanto a cozinha possuía, em fila, uma geladeira, fogão e armários. Ao fundo, desembocando na cozinha, um banheiro.

Adam se encontrava preparando seu jantar. Era um prato de yakisoba, para uma ou duas pessoas, no máximo, consumirem. Estava findando a preparação do alimento, quando seu telefone fixo, que se encontrava na sala, tocou.

Caminhou até o aparelho, atravessando as cozinha e sala. Retirou o gancho e atendeu ao telefone:

- Alô?

A pessoa do outro lado da linha possuía uma estranha voz, extremamente grave, como a de um baixo ou baixo-barítono, mas, na mesma proporção, rouca.

- Eu sei o que você fez na estrada! – disse o homem. Adam gelou. Seu coração apertou-se no peito e sua respiração ofegou-se. Seu estômago embrulhou-se e suor frio escorria pelos seus poros, rapidamente tomando conta de sua testa.

- Não sei do que você está falan... – disse Mackenzie, tentando negar a autoria do crime que cometera, mas foi interrompido pela voz

- Não negue! – o coração de Adam apertou-se

com mais intensidade – Eu vi perfeitamente o que fizeste na estrada. E ele vai buscar vingança...

- E ele vai buscar...?! – se pergunta Mackenzie. – Como as...?! – tentou continuar, todavia, a pessoa do outro lado da linha desligou o telefone

Adam colocou o gancho no aparelho e voltou à cozinha.

- Eu, hein? – dizia para si mesmo – Vai entender...

Retirou da panela uma porção de yakisoba e colocou-a em um prato, que, junto de um garfo e um copo de guaraná, levou em direção à sua sala. Sentou-se em um dos sofás, ligou a TV e começou a jantar.

Estava entretido com o programa de humor que passava no canal que assistia. Já havia acabado de jantar, entretanto, continuava a assistir TV, sentado no mesmo lugar.

Contudo, para sua surpresa, eis que escuta um estranho barulho oriundo do lado externo de sua residência. Era um estrondo de pequeno porte, como se alguma massa relativamente pesada batesse em algum objeto, gerando um impacto por concussão. E o objeto impactado era sua porta.

A porta, logo após o barulho, parecia estar sendo forçada. Adam caminhou às pressas até o local e avistou o exterior de sua casa pelo olho mágico. Sobressaltou-se, ao perceber ser um homem, de seus quarenta e poucos anos, forçando a porta. O sobressalto não veio ao constatar de que era uma pessoa forçando sua porta, veio quando constatou de que o tal invasor possuía diversos machucados no rosto, machucados estes que deixavam os músculos do local expostos. Além do mais, sangue preenchia o rosto sem expressão e seu olhar era vítreo. Como se não bastasse, ainda havia o fato de o homem estar tentando adentrar na residência forçando a porta com o corpo, ao invés de utilizar os braços, como as pessoas normalmente fariam naquela situação.

Mackenzie estava amedrontado com o fato de ter um invasor – e, ainda por cima, mui estranho – na porta de sua residência. Afastou-se da porta. Naquele instante, conseguia ver claramente o exterior de sua casa pela janela adjacente à porta central. Um relâmpago ribombou no céu no exato instante e Adam pôde ver claramente que não havia somente um invasor, mas sim uma imensa horda; horda esta formada por pessoas em igual estado ou piores; alguns tinham pedaços de seu corpo arrancados por uma poderosa mordida, enquanto outros estavam em estado avançado de putrefação. A horda tentava adentrar no recinto estourando o vidro da janela com seu próprio peso. Os primeiros não conseguiram êxito, entretanto, à medida que a aglomeração aumentava, o peso aumentava proporcionalmente, e o vidro não tardava a romper-se.

Adam estava encolhido na sala, no lado oposto da janela e porta. Via-se claramente uma verdadeira visão do inferno – uma aglomeração de zumbis aglutinados na janela tentando adentrar no local. Mackenzie sabia que era necessário dali sair, entretanto, seu corpo havia travado tamanho o medo. O medo da morte, o medo do desconhecido, o medo, sobretudo, de zumbis. Adam tremia, sentado no canto da sala, apoiado com suas costas na parede e apoiando sua cabeça entre seus joelhos curvados. Chorava, queria dali sair, sabia que era necessário dali sair, mas não tinha forças. A visão de inúmeras pessoas outrora vivas tentando adentrar em seu recanto era tão impactante que as forças do pobre rapaz se esvaíram de seu corpo, deixando-o fraco e impotente, jogado em um canto qualquer, esperando o destino intervir em sua vida.

Contudo, o destino foi-lhe cruel. Os mortos-vivos arrombaram a porta e a janela. Os primeiros, que tentavam arrombá-las com o peso do próprio corpo, quando arrombadas porta e janela, caíram no interior do recanto. Em seguida, os demais que se encontravam na janela também caíram, enquanto os que no interior já se encontravam lentamente se levantavam.

Ao perceber que a morte estava mui perto, Mackenzie correu. Não sabia para onde deveria se esconder, entretanto, era hora de se esconder. Levantou-se e partiu, primeiro em direção a seu quarto, contudo, ao perceber que seria atacado pelos mortos-vivos antes de lá chegar, partiu em direção à cozinha. Atravessou a cozinha a passos largos e correu até o banheiro, trancando-se no local.

Apoiado com as costas na porta a fim de segurar a mesma, Adam conseguia escutar o inferno que se encontrava sua residência naquele momento. Os gemidos provenientes dos estranhos seres que invadiram seu recanto eram fantasmagóricos e adentravam no corpo do pobre rapaz pelos ouvidos e caminhavam por suas estranhas, amedrontando por onde passassem.

Mackenzie tentava segurar seu temor diante aquele inferno. Segurava os espasmos violentos de seu corpo, enquanto tentava acalmar seu coração e respiração, contudo, em vão. Começou a se debulhar em lágrimas e abaixou-se, ajoelhando no local. O medo tomou conta de seu corpo.

“Não quero morrer. Não quero morrer. Não quero morrer...”, repetia incomensuravelmente Adam em seus pensamentos, tomado pelo temor diante a morte

E os zumbis caminhavam, em uma velocidade mui lenta, em direção ao banheiro. Haviam tomado sala e cozinha, onde outrora Adam se encontrara. Caminhavam, caminhavam, caminhavam... Até que, depois de um número considerável de minutos, eis que à frente da porta do banheiro os zumbis se encontravam.

Mackenzie estava agachado logo abaixo da porta, e foi esse fato que momentaneamente lhe salvara. Parte da porta, na altura do peito de um homem de estatura mediana, estoura, lançando fragmentos de madeira por todo o banheiro. Tão logo braços sedentos por sangue adentraram pelos espaços vazios da porta, Adam correu até o lado oposto do banheiro, adentrando em seu box. Em seguida, enquanto os zumbis se aglutinavam na porta e entalavam o local, Mackenzie fechava a porta do box. O rapaz via os mortos-vivos adentrando calma-mente pelo local, sedentos por sangue e carne hum-nos.

Naquele instante, fitando os zumbis, Adam percebeu que um deles, o único sem mordidas pelo local, era o cadáver que jogara no rio quando vinha pela estrada em direção à cidade. Ficara horrorizado; naquele instante, veio em sua cabeça um sentimento de culpa, pois passou a acreditar que os demais se

transformaram em zumbis por sua culpa.

Estava absorto em seus pensamentos, mortificando-se por dentro. Entretanto, quando os primeiros zumbis chegaram frontalmente ao box e começaram a usar seu peso para quebrá-lo, eis que Adam acorda e percebe que seria necessário fazer algo, se quisesse mudar seu destino.

Adam começou a procurar no box por alguma coisa e rapidamente achou um pedaço de ferro fino preso à parede, onde se coloca as toalhas. Chutou o local com extrema força, partindo-o. Puxou o ferro, tendo-o em sua mão. Virou o foco do olhar para a janela do banheiro. Sem titubear, estendeu as mãos para trás, empunhando o ferro e atacou o vidro da janela do banheiro, partindo-o em peque-nos fragmentos.

Adam largou o ferro no chão e correu em direção à janela quebrada. Subiu no local, no exato momento em que o box do banheiro quebrou. Pensou em saltar no chão de sua casa, entretanto, imaginou que os zumbis também haviam tomado o quintal de sua casa. Assim, partiu em direção ao local em sua casa com menor previsão de haver algum morto-vivo: o telhado. Chegou rapidamente ao local, depois de escorregar inúmeras vezes, antes de chegar ao centro do telhado, onde não mais se escorregava com facilidade. Naquele local, via-se claramente a cidade.

Mackenzie avistou a cidade. Seu coração apertou. Sentiu que ia lacrimejar. A cidade inteira estava tomada por zumbis.

- O que foi que eu fiz? – se perguntou, tomado por uma melancolia incomensurável