Roubar, Matar e Destruir

Se trancou no banheiro, permaneceu na escuridão, sentou no chão, pegou o telefone, fez a ligação. Foi lançada entre a cruz e a espada. Prensada a uma única decisão.

A tutora entrou no recinto, ameaçou, suplicou. Seu guia tentou impedir, implorou. Um coro gritante tentava arranca-la do sono profundo, mas ela se perdeu nos lençóis.

Uma pitada de persuasão. Ilusão. Encantamento. Ingenuidade e muita coragem.

Ainda soluçando e aos prantos engoliu um suspiro, encarou a porta e injetou a coragem. Os cabelos recém-tingidos foram ganhando distância enquanto o vento o bagunçava. Os olhos castanhos fitavam o horizonte como se pudessem decifrar o amanhã e o brilho refletia nas estrelas. -Será esse o caminho?- Uma grande jornada em busca do Eu. A doce jovem nem se quer sabia que uma simples borboleta poderia interferir de forma drástica na vida de todos. -Quero escrever minha história.- pensava enquanto esboçava um sorriso bobo, sem perceber o que existia por trás da névoa.

A Morte está conduzindo esta viagem.

Ela brinca com a garota, faz truques. Usa seus poderes. Lança tentações e mexe com os sentidos. Então passa a envenena-la. Tira o brilho de seus olhos e lhe coloca um sorriso mecânico. Amarra linhas em seus membros e passa a controlar seus movimentos.

Após um longo tempo alguém grita...

-Acorde!– a garota ouve ao longe. Então reabre seus olhos, escuta com dificuldade suas antigas músicas e retoma seus sentidos.

-Mas o que aconteceu? Isso está uma bagunça!– Diz ela lentamente enquanto nota que está amarrada.

-A morte... Veja o que fez comigo! Achei que estivesse bem-intencionada. Entregou-me seu cajado dando a falsa ilusão de que o poder estava em minhas mãos.

Desnorteada ela tenta recuperar seus sentidos:

-Odeio palavrões... Por que tanta grosseria? E que cheiro horrível é esse? Não cresci assim. Saudade da minha paz interior. Cadê meus tutores? E que lugar é esse?- Cambaleante resolveu espionar o que a Morte planejava e logo constatou: roubar, matar e destruir. Seus olhos mal puderam acreditar nas coisas que lhes foram reveladas. O nojo fez com que seu estômago revirasse, a podridão pairava no ambiente, a garganta secou. Desesperadamente caçou em sua mente explicações para tudo. Tanta coisa fora dita. Prometida. Aquele sorriso amarelo era mais falso que uma nota de 3 reais, mas só agora ela compreendia parte da peça da qual participava há anos.

O chão se abriu abaixo de seus pés.

-Então... As histórias sobre a Morte eram reais. Agora ela fará comigo o que fez com todas as outras pessoas? Essa é a cena final? Irá me destruir? Mas eu nunca a fiz mal...- Assim ela é, tudo o que toca apodrece. Sem porquês. É sua natureza.

Sem conseguir conviver com o que havia presenciado por vezes a moça tentou escapar das doces palavras vazias.

-Hoje você me cativa, mas ontem me rebaixou a zero. Disse que o que produzo não é nada sem as correções de uma máquina!

- Meu amor, estava brincando, você leva tudo muito a sério - a Morte respondia com sua mão fria acariciando o rosto corado.

-Preciso sair daqui!- Fez uma uma oração. -Sei que estou aqui com Sua permissão, sei que não permitiu que ela me tocasse, ouvi histórias horríveis e percebo que o Senhor esteve ao meu lado o tempo todo, sei também que me permitiu usar o livre-arbítrio... E agora que vejo a verdade peço a Ti, tire-me desse covil.

-Bom-dia filha!

-Mãe?

-O que foi?

-Acho que tive um pesadelo...

-Na verdade, você acabou de voltar de uma grande viagem, mas agora está de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído.

E assim a Morte segue seu caminho, procurando a quem tragar.