O Déspota
Um horror inominável se resguardava na penumbra revigorantemente depressiva; uma escuridão tão profunda quanto abstrata, em contrapeso à sua feição tangível. Em lugar algum do cosmo, seja nos corações de estrelas ou nas soleiras ferinas dos planetas bucólicos, viu-se prodigiosa desgraça: um ser pútrido, desprovido de qualquer resquício insignificante de júbilo, sem a menor estima pela formosura banal. Uma besta encerrada a mil correntes salpicadas de um fluido ruborizado, distinto de tudo o que há ou houve nesta terra agrilhoada às presilhas do caos incomensurável.
Um gemido perfurou o retraimento abalroado com segredos terminantemente desgraçados; um som rouco porém gutural, deturpando tudo aquilo a que este mundo pregou entrementes seus milênios atemporalmente caóticos erravam através do limbo abstrato das sombras e da indecifrável morte, seja lá o que ela for.
O som de mil correntes desgostosas esganiçava no salão imponente, rochoso, impiedoso.
Um ser remotamente vivo se retorceu, incerto, na direção da desafortunada calamidade, ignorante sobre a presença de entes transcendentes, que impetravam variações espectrais em seus arquétipos aclarados a cada mutação do senso emotivo da catástrofe inexpugnavelmente assombrosa.
Um som gutural esfolou a rocha fúnebre do balneário tétrico.
Um dos entes surreais se apartou; o próprio asco em energia concreta. Outro avançou, imerso em escarcéus bestiais de ira. O terceiro conglomerado de pujança translúcida destronou o contraste entre seus irmãos inescrupulosos; estacou e observou, violado pelo caos de informações mistas num afluente cósmico impalpável.
Que desgraça era aquela coisa? Que ser pervertidamente arruinado o negrume dera vida?
Suas formas eram simétricas demais. Os membros comovidos, contorcendo-se e puxando as infinitamente incididas correntes tiranas.
O que era aquela difamação da estética harmônica do universo?
Um bramido melancólico arriscou-se a esmo, entre a inescapável rede das sombras funéreas. Seguiu-se um murmúrio, acompanhado de um grunhido de irritação.
Súbito, para anômalo e indescritível sobressalto, um brado de aflição e submissão fez tremer as fundações daquele inferno nefasto.
O mais aterrador dos milagres cósmicos sucedia diante da noite indócil que se desdobrava salão adentro.
Antro aterrorizante era aquela gruta imperecível. As correntes eram os demônios do inferno daquela intempérie sobre qualquer coisa natural, pois mais abissal que fosse. Uma anomalia é comum, mas uma afronta a tudo o que é puro e belo é imperialmente proibido.
Um erro deve ser lacrado com chaves de sangue, mas para tal, as mãos se banham no fluido escarlate, indiferente a qualquer injúria lançada pela opressora negritude.
Um brado disforme se dissipou entre os lamentos das correntes satânicas.
Subitaneamente, num surto de calamidades apocalípticas, um urro quase entendível arrebentou no crepúsculo, como um guerreiro que atravessa um exército de milhões de soldados cem vezes maiores.
Algo como auém! Gutural, impregnado com uma dor viscosa, encrespada de musgo e aflição.
AUDA! A deformidade ousou mais uma vez.
Os seres espectrais falhavam na penumbra flagelante, ao passo que a tormenta à natureza despertava de seu inferno particular.
Quando os olhos impregnados de uma gosma incolor se abriram na mais alta noite, foram como duas luas sanguinolentas, refletindo a luz do astro principal: a morte.
Ela se aproximava vagarosamente.
Súbito, e inconcebivelmente, as correntes despencaram. A peste lascívia, pecadora, demoníaca, tirânica, abstratamente obliterada, estava livre para reinar no Vale da Podridão outra vez.