Não Vingue os Mortos!
O Xerife Ray Connif gritava a altos brados. Centenas de homens se uniram naquela bizarra empreitada. Os voluntários: bombeiros, guarda-nacional, para-médicos e equipes de apoio davam-nos toda a retaguarda. Não havia tempo a perder. A besta poderia escapar e a desmoralização para nossa pequena Cotton Ville seria imensa. As mortes somavam-se às dezenas e, finalmente, tínhamos uma chance real quanto a liquidar a fera.
A noite avança intensa e o frio, somado à insistente neblina, transformava a entrada da antiga mina de carvão em um cenário macabro. As rochas empilhadas, somando-se ao soturno do ambiente, adensado por uma coloração arroxeada, provável reflexo das luzes, traziam um sentimento perturbador. Meu coração disparava e somente ansiava por uma vingança que fosse completa, afinal, não tinha mais nada a perder.
No rastro de sangue deixado pela criatura naquela última noite, um dos grupos de perseguição a seguira até a mina vendo-a entrar pela abertura principal tendo a certeza de que fora ferida. Não sabíamos a extensão dos ferimentos, portanto, sabe-se que um animal como aquele, quando encurralado e repleto de dor, torna-se ainda mais letal.
Assim que soube que as duas outras saídas foram lacradas por explosões, o Xerife determinou aos 16 voluntários que entrassem e, dentre eles, estava eu.
Nunca me arriscaria em uma aventura como aquela, porém, em um dos primeiros ataques contra a lanchonete, minha noiva, Emily, teve seu pescoço dilacerado e sangrou até morrer diante dos meus olhos. Chorando, vi o brilho se apagar das suas faces enquanto adquiria uma cor gélida, denunciando que a vida deixara de pulsar em seu corpo. Sabia que morrera feliz, pois acabara de propor-lhe casamento, mas eu me destroçara por dentro.
Fui desperto de minhas lembranças pela ordem de descida.
Estávamos armados até os dentes, sendo que fui um dos últimos a entrar. Por segurança, a passagem seria lacrada assim que entrássemos de modo a impedir mais uma fuga espetacular da fera cuja rapidez nos confundia escapando dos tiros com uma habilidade inacreditável.
- Boa sorte homens! – Gritou o Xerife antes que as grades de metal, reforçadas por encostos de puro concreto nos isolassem naquele covil de negrume.
Nossos rádios nos manteriam em contato e, diante do labirinto, vimos por bem nos separarmos em dois grupos de oito. A escuridão, o pó que ainda circulava no ar e o pouco oxigênio eram obstáculos a mais naquela empreitada suicida. O líder do nosso grupo, Delegado Malton, transpirava horrores. Sua voz denunciava que se encontrava no limite do ¨stress¨. Praticamente todos ali haviam perdido alguém e o que nos motivava não era apenas o dever, mas a insaciável sede de vingança: uma espécie de tributo aos nossos mortos.
Cerca de duas horas depois, ouvimos tiros disparados pelo outro grupo e uma infernal confusão no rádio com muitos gritos que nos gelaram a alma. Depois, seguiu-se um aterrador silêncio. Malton, cujo tremor nas pernas já era visível, conduziu-nos ao ponto em que acreditávamos que nossos companheiros foram atacados. Respiração suspensa, avançávamos passo-a-passo vasculhando cada trecho daquela gigantesca mortalha de pedras.
Poucos minutos depois, em uma galeria, vimos um espetáculo aterrador: corpos mutilados, vísceras espalhadas e sinais de uma terrível luta com a vitória da besta. Vários do nosso grupo encostaram-se nas paredes e começaram a vomitar. O Delegado Malton, com os olhos cheios de lágrimas, voltou-se para nós tentando acalmar e reordenar a formação quando, de súbito, poderosa pata vazou-lhe as costas e somente vi o seu coração avançar rompendo o peito sendo seguro por aquelas garras poderosas e imundas. Seu corpo caiu inerte.
Em seguida, com uma velocidade demoníaca, o monstro avançou esfacelando todos os companheiros. Tiros eram disparados a esmo, porém sem a menor precisão e nenhuma coordenação e objetividade. Sendo o último da formação, percebi que o desastre seria inevitável. Atabalhoado, tropecei em um conjunto de fios e pedras e caí de costas no contra o chão. Minha arma não era usual. Além de uma pistola Magnum 44, portava uma mini-serra elétrica. Assim que a fera começou seu ataque, acionei-a rapidamente girando-a no ar diante de mim. As luzes das lanternas espalhadas pelos cantos, formavam sombras medonhas, enquanto a do meu capacete apontou para o enorme vulto que saltava sobre o meu corpo. Tive enorme sorte e a criatura em pleno bote foi atingida na altura do peito caindo poucos centímetros atrás da minha cabeça. Banhei-me com seu sangue e, reunindo uma coragem que não sei de onde viera, rapidamente levantei-me cravando a serra na sua coluna vertebral abrindo um corte de alto a baixo. Em seguida, para que não houvesse dúvida, separei com um golpe sua cabeça do corpo.
Essa rolou e, de modo aterrador, pude ver os seus dois terríveis olhos a fitar-me enquanto a luminosidade dos mesmos, em um vermelho hostil, se apagava. A fisionomia lupina se transformara revelando a face de um adolescente que não deveria ter mais que 17 anos. Ofegante, à medida que a exaltação do momento passava senti que sofrera um corte no ombro pelas garras da criatura. O sangramento, somado ao meu cansaço, apoderou-se de mim enquanto desfalecia...
Despertei, depois, em um hospital de uma grande cidade próxima. Fui informado pela enfermeira que dormira por sete dias completos e que meu ferimento cicatrizara com enorme rapidez. Sentia-me forte e bem disposto. Assim que deixou o quarto, sendo a escuridão crescente do lado de fora, fui ao banheiro para ver meu rosto. Cuidaram bem de mim e encontrava-me limpo e barbeado, no entanto, algo estava errado. Uma enorme e avassaladora fome gritava dentro das minhas entranhas enquanto que, trêmulo e sentindo como se minhas células explodissem, vi meus olhos adquirindo um intenso tom vermelho...