OXIDRAGA 2ª PARTE - primeiro instante
Quando o avião finalmente pousou, uma onda de pavor gelou meu corpo. Minha alma encolheu assustada. Cada um que desembarcava experimentou a sensação de ter sobrevivido e ainda correr perigo. A visão que tivemos do alto, sobrevoando em círculos até que o pouso fosse autorizado, era de que aterrissávamos no inferno. A cidade ardia em chamas. Bombas explodiam prédios inteiros. Ambulâncias, sirenes, caos. Soube ali que existe diferença entre o cheiro de carne queimada e cheiro de carne humana queimada. Odor asfixiante, doce demais. Soubemos que o aeroporto estava interditado, ninguém podia entrar ou sai de Damasco. Foi um milagre chegarmos até aqui.
Dois homens fardados, falando inglês, arrastaram-me pelo braço. Não permitiram que eu explicasse para onde ia com minha família. Levaram-me para uma sala pequena onde esperei por três horas. O celular não tinha sinal. Minha esposa delirava, confiante nas instituições e na tradição daquele povo. Quando sai, esperava-me dentro de uma caminhonete minha esposa, minha filha e o meu sobrinho agregado, estranhamente mudo. Os dois homens entraram na condução, fui conduzido para o banco de trás.
Sem energia elétrica, tudo mergulhava no escuro.
As explosões permitiam o reconhecimento dos escombros. Mulheres desesperadas agitavam bandeiras em farrapos, ou seria vestido aquilo que as cobria? No canto de uma sinagoga, que resistia de pé, algumas crianças ajuntavam pedras. Em volta delas homens armados protestavam, de suas barbas negras escorria saliva e ódio. Pedaços de imagens, corpos estilhaçados. Um braço sem vida e uma mão que o acariciava sem esperança. Fragmentos sem cor, rostos e gemidos. As bombas só não cobriam os gritos por toda parte.
A crueldade tem seus requintes, foi determinado o território e a etnia a serem banidos do mapa. No posto da primeira barreira soubemos que o ataque israelense tinha feito dois mil e quinhentos mortos em quatro dias.
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Damasco encontra-se num oásis fértil. Entre o Hermon e o deserto sírio, ainda é uma importante rota de caravanas. Estávamos a salvo das bombas, agora. As ruinas para onde nos dirigíamos ficam a setenta quilômetros ao sul de Alepo.
Passada a fronteira demarcada para a destruição, ainda nos arredores da capital, podíamos ver a estrada que nos levaria para Tell Mardikh.
A antiga Ebla, às margens do Eufrates, seria nossa perdição.
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SEGUNDO INSTANTE
(continua...)