Paixão In Extremis
O cadáver jazia sobre a mesa de mármore, coberto por um lençol.
Luana desligou o celular e respirou fundo. Seu primeiro plantão como assistente de legista e acontecia aquilo! Dr. Castro, médico legista responsável pelo IML, acabara de ligar. Tivera um problema com seu carro e se atrasaria por pelo menos duas horas.
Que saco, pensou Luana, mas tratou de dominar sua contrariedade. Tinha de se armar de muita paciência e sangue frio, se quisesse ter sucesso na profissão que escolhera.
Sua família ficara muito contrariada e sentira muita estranheza quando ela optara por ser assistente de legista. Suas amigas também. Algumas chegaram mesmo a se afastar, com nojo, dizendo que nunca mais comeriam alguma coisa feita por ela. Como era possível uma jovem bonita optar por aquela atividade macabra de abrir cadáveres desfigurados, às vezes já em avançado estado de putrefação?
Luana andou lentamente até a janela, mãos metidas nos bolsos do jaleco imaculadamente branco. Sempre quisera trabalhar num lugar daqueles. Estava com 26 anos, e desde muito pequena sentira um curioso fascínio pela morte e seus processos. Podia ser um gosto original, mas era assim... a noite lá fora estava feia, prometendo chuva, clarões de relâmpagos ao longe. Bem, vamos ter de esperar, pensou a moça, acabando de chupar um Halls e se aproximando da mesa, onde o morto parecia não ter a menor pressa em ser necropsiado e depois entregue a funerária, a fim de ser vestido e enfeitado para o enterro. Antes do Dr. Castro chegar, fazer os procedimentos necessários e passar o atestado de óbito, nada disso seria possível.
Ao lado, sobre uma cadeira, estavam as roupas manchadas de sangue e outros pertences pessoais do morto. Luana passou os olhos pelo RG. Rodrigo W. Júnior, 21 anos. Era mais novo que eu, pensou Luana, sabendo que ali teria de lidar com todo tipo de situação trágica. O rapaz morrera num acidente de carro cerca de uma hora antes. Morte instantânea. Um trovão soou ao longe. Luana vacilou por um instante e puxou o lençol que cobria o corpo.
A ferida na cabeça era medonha. Somente aquilo teria sido suficiente para causar a morte. Sangue coagulados e massa encefálica manchavam a alvura do lençol. Os cabelos estavam duros de sangue coagulado, mas podia-se ver as pontas douradas e um pouco onduladas. Apesar do ferimento ele era bonito, muito bonito, notou Luana com deliciosa morbidez. Estava totalmente despido, os olhos muito azuis abertos numa expressão atônita. Era como se ele não acreditasse na própria morte tão prematura, nem no trágico acidente que a causara...
Luana pensou na dor da família com aquela perda. E se fosse filho único? Percorreu lentamente, com o olhar, o corpo de Rodrigo. Os olhos cor de safira, a boca entreaberta revelando dentes alvos e perfeitos, santo Deus, ela nunca vira uma boca tão sensual, a sombra de barba no queixo másculo. A pele macia, o peito largo, coberto de pelinhos dourados... Luana queria, mas não conseguia desviar os olhos. Não pôde deixar de notar que o rapaz era bem dotado, e que seu pênis estava em ereção.
Ela sabia que a causa disso era perfeitamente natural. Depois da morte, o sangue acumulava-se na parte inferior do corpo, às vezes produzindo uma ereção como aquela. um clarão seguido de um estrondo. A tempestade desabaria logo. Fascinada com a beleza de Rodrigo, Luana pensava em como era terrível saber que, dali a poucas horas, tudo aquilo seria o alimento apodrecido de uma multidão de vermes... mais uma vez seus olhos caíram no membro ereto, parecendo ainda estar vivo e cheio de desejo, uma vida em flor, mais uma, estupidamente ceifada pelo trânsito... perturbada, tornou a cobrir o corpo com o lençol.
Saiu da sala e atravessou o corredor deserto, a cada momento aclarado pelos relâmpagos. Somente havia gente na outra ala do hospital, mas ali só estava Luana, sozinha com Rodrigo. Tão lindo... um príncipe. Entrou no banheiro, acendeu a luz, olhou-se no espelho. Achou que era atraente. Tinha olhos grandes, lábios carnudos, longos cabelos castanhos que prendera num coque, corpo bem feito... ao menos era o que todos os seus namorados haviam lhe dito. Rompera com o último havia dois meses. E Rodrigo? Será que se o tivesse conhecido em vida, ele a acharia bonita?
Se ao menos o Dr. Castro chegasse logo! Mas Luana sabia que ele ainda iria demorar, ainda mais com aquela chuva. Voltou para a sala. Era estranho, inesperado, mas estava louca de tesão... sentia um um líquido
espesso entre as pernas. Ah, se tivesse conhecido Rodrigo antes do acidente... mas agora, seria mesmo muito tarde?
A chuva começou a desabar, pesada, sobre as telhas do velho prédio. Luana estava de volta à sala onde jazia o corpo. Remexeu na bolsa, tirou de dentro um palito de incenso, acendeu, aspirou longamente a fumaça cheirosa. Rosas. Depois o colocou num incensário sobre uma mesinha, e tornou a descobrir o corpo de Rodrigo. Ele pareceu-lhe ainda mais bonito, misto de doçura e sensualidade, um anjo adormecido. Luana o contemplava com o coração aos pulos. Estaria muito gelados? Não pôde mais resistir, inclinou-se e colou seus lábios aos dele num longo beijo.
Sim, os lábios dele estavam gelados, mas ainda assim eram doces, macios... Luana continuou a beijá-lo, a explorar com a língua aquela boca inanimada, mas mesmo assim tão gostosa. Alucinada, começou a despir-se. Jogou longe o jaleco, o vestido e a calcinha úmida de suor e desejo. Nua, subiu sobre o corpo do rapaz morto, roçando-se nele, sentindo-o inteiro. Ardia de luxúria, de desespero, queria aquecer o corpo dele com o seu, insuflar sua própria vida nele, ressuscitá-lo. Seus mamilos roçavam no peito de Rodrigo, arrancando-lhe gemidos de prazer, sua vagina encharcada fez com que o membro do defunto entrasse fácil dentro dela. Então Luana sentiu um prazer como nunca sentira antes, seu clitóris esfregando-se no corpo, tentou não gritar, até que explodiu num gozo intenso, completo... lá fora a tempestade desabava com toda a fúria.
Um pouco atordoada ainda, Luana se ergueu... mas não teve tempo de refletir sobre o que acabara de fazer. Pois sentiu uma mão firme e quente segurá-la pelo pulso, e uma profunda voz masculina soar ali naquela sala, em meio à chuva.
- Onde você vai, Luana? você agora me pertence, é minha mulher por toda a eternidade. Não me queria de volta? Pois eu voltei, vim te buscar...
Então foi Luana quem ficou gelada como um cadáver! Uma dor aguda lancinou-lhe o peito, enquanto um terror, para o qual não existe nome, a invadiu.E ela caiu fulminada sobre o corpo de Rodrigo... morta também.
FIM