O bater das asas

Desde criança eu ne lembro que às vezes quando eu estava sozinho, eu sempre ouvia alguns sons estranhos que até então eu sabia definir o que eram. Com o passar dos anos fui descobrir que os sons nada mais eram do que um bater de asas. De grandes asas. Mas eu apenas ouvia mas nunca via nada.

E quando eu fechava os olhos, os sons se aproximavam ainda mais, pareciam estar bem próximos, quase podia sentir que algo ia me tocar. Mas conforme fui me tornando adulto, essas situações foram se tornando menos frequentes. Raramente eu ouvia algo assim novamente, mesmo que ficasse de olhos fechados.

Confesso que comecei a sentir falta disso, dos sons que pareciam me proteger nos meus dias ruins e momentos de dificuldade. Mas aparentemente não havia nada que eu pudesse fazer.

Os sons se foram. O tempo passou e eu cresci. Essa era a realidade.

Minha vida tomou um rumo que eu não queria. Meus pais faleceram. Fui viver com tios que nunca me deram o amor que eu precisava, sim, me davam tudo o que o dinheiro podia comprar, mas amor não se compra. E nessa procura de amor e felicidade, tomei caminhos tortuosos e me envolvi com pessoas e com substâncias que não eram boas. Resultado: fui parar na rua, sem família e sem dinheiro. Virei um nada. Um drogado jogado nas calçadas da vida.

Andei de cidade em cidade procurando o que nem mesmo sabia o que era. Estive perto de Deus e do Diabo, muitas vezes eu dormi do lado da morte e acordei vivo.

Mas em noite tudo estava prestes a mudar, mas eu não sabia. Era inverno e fazia um frio cortante, para me esquentar eu só tinha um pedaço de cobertor e uma garrafa de cachaça. Achei que fosse ser o meu fim. Acabei por me abrigar em um cemitério antigo, entre túmulos e lápides abandonados pelo tempo, ali pelo menos poderia me esconder do vento gelado. Nessa noite dormi como há tempos não dormia, mas na madrugada acordei com aquele som que há muito tempo não ouvia, aquele bater de asas que me fazia tão bem. Abri os olhos mas como se alguém me pedisse para fechá-los, fechei. O som continuou e foi se aproximando cada vez mais. E ficou como que flutando bem perto de mim. E nessa hora pude sentir um cheiro bom, doce e antigo. Pude reconhecer como um perfume que minha mãe usava quando eu ainda era criança. Não pude resistir e abri os olhos. E na escuridão só pude ver uma forma clara se afastando, parecia uma ave ou um anjo... não sei, não puder ver direito.

O que era aquilo? Uma visão? Seria minha mãe me acompanhando? Não dormi o resto da madrugada.

Passei o dia perambulando pelas ruas próximas ao cemitério. Mas aquela visão não saia de minha mente. Tive medo de nunca mais ouvir o som das asas. Tive medo do que era aquilo.

A noite chegou. Voltei para me abrigo entre os túmulos. Depois de muito tempo ali encolhido e enrolado em meu pedaço de cobertor o sono começou a se aproximar. E acabei pegando no sono, mesmo estando com medo do que iria acontecer. Meu sono foi leve e superficial. Nenhum som além de corujas e uivos de cães. Sonhei com minha mãe me colocando na cama para dormir, eu ainda criança. Ela me cobria, me dava um beijo e dizia para tomar cuidado com os sons, pois não era ela, mesmo que se parecesse com ela. Ela me repetiu isso várias vezes no sonho, depois saia e fechava a porta do quarto me deixando na escuridão. E eu ficava com muito medo.

Acordei assustado e com medo, e dava para sentir que era alta madrugada, nenhum som, nem de corujas e nem de cães, nenhum ser humano circulando pelas ruas além dos muros do cemitério. Me encolhi mais ainda e fiquei ali. O medo tomando conta de mim. De repente aquele sons vinham de longe, bem distante, o bater de asas.

Fechei os olhos, o som se aproximou, fiquei imóvel, mais perto, mais perto. Parecia que ia me tocar, mas era um som áspero, cansado, algo pesado, e parecia respirar ao eu lado. Eu sabia que não podia olhar. Não devia abrir os olhos.

O cheiro não era mais doce, não era mais o de minha mãe.

Comecei a rezar como minha mãe fazia quando eu era criança e senti aquela presença nefasta se afastando. O som de asas e o cheiro foram de afastando. Abri os olhos e pude ver um vulto negro com asas enormes se afastando e para meu desespero a coisa se virou e me olhou. Pude ver a raiva em seus olhos vermelhos.

Não sei exatamente o que foram essas experiências pela qual passei, mas esse som de asas não era o mesmo som que eu ouvia quando era criança.

Nesse dia me decidi a voltar para casa, procurar meus tios e recomeçar minha vida.

Quanto aos sons de asas, nunca mais ouvi.

E não tenho saudades também !

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 22/06/2014
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