O segredo da Casa 71 - republicação
A brisa forte soprava o rosto de quem por ali passasse. A avenida das Embaixadas mostrava-se inquieta; era composta por extensos e luxuosos arvoredos por toda ela, mas entre tamanho luxo exalava por perto um velho casebre que o tempo não perdoou. Estava aos pedaços, e ainda sim continha a antiquada mobília do antigo morador, que por sinal não apresentava bom gosto. Ninguém entrava ali, diziam ser endiabrada, ouviam por de longe o ranger do assoalho gritando ao sentir o peso dos passos de quem lá pisava, mas na verdade era somente um velho casebre de madeira que o tempo não perdoou.
O ponteiro marcava 10 horas, e embora o dia estivesse radiante Abreu mostrava-se aflito, pois a mudança ainda não havia chegado ao local previsto. Sentia-se intimidado pelos pares de olhos que o fitavam num tamanho holocausto, mal sabia ele que ao mudar para aquele lugar quebrara entre todos os moradores da velha Embaixada o tabu que viera da casa 71. O novo caminhão azulado da companhia Doce Lar apontava com calma no recanto da esquina, o jovem não podia conter um enorme sorriso espontâneo expressado em seus grandes lábios vermelhos. Seus olhos agora brilhavam, não conseguia pensar em mais nada, a não ser em quão bonita ela ficaria após uma reforma, mas a falta de dinheiro juntamente das dívidas fizeram com que esse pensamento viesse a ficar para segundo plano.
Rapidamente fora pegando as caixas e levando-as para dentro, a felicidade daquele rapaz era nítida. Ficou maravilhado ao ver a enorme e empoeirada escada de marfim, sempre sonhou em ter uma e agora tinha. Aquela sensação era indescritível, o desejo de liberdade tomava sua alma e junto dele veio o de ajeitar o local.
O dia se foi, Abreu estava cansado, subiu com preguiça as escadas, abrira a porta de um quarto qualquer e adormecera ali mesmo ao chão. Naquela noite teve inúmeros pesadelos, sonhava acordado, sonhava sonhando, sonhava que estava a ser perseguido por algo ou alguma coisa, ele portava consigo um machado e suas feições deformadas causavam-lhe um medo estupendo. Fugia daquilo como uma presa foge do predador, mas era tarde demais, estava encurralado, e ao sentir seu hálito fétido percebeu que não era um sonho e para sua desgraça tudo era real. Pobre garoto, em plena juventude fora apanhado pela besta, tantos planos, metas, sonhos;tudo foi por água abaixo. Um estrondo foi-se ouvido e a cabeça de Abreu rolou ao chão, na fachada da casa que antes mostrava o número 71, mostrava agora 72.