Navegando pela internet, em busca de itens para decorarão, Fabiano encontra um antigo Cuco de madeira de carvalho, mas ainda funcional. Como todo bom adorador de itens antigos, com uma queda para os de madeira, não pensa duas vezes antes de compra-lo. Negociando com o vendedor, consegue um bom desconto pelo item além do frete gratuito para seu endereço; uma ótima negociação segundo sua perspectiva.
O caixote logo chega à sua casa, Fabiano assina a prancheta para confirmar que recebeu o produto e já começa a imaginar onde colocará o cuco. Com dificuldade, leva o caixote para dentro e cuidadosamente o abre para admirar o belo item adquirido. Com seu telhadinho vermelho, os ponteiros brancos, e um acabamento excelente faziam do cuco um magnífico objeto de decoração; o problema era onde coloca-lo. Fabiano analisou a parede da cozinha, não havia espaço lá; tentou a da sala, mas a cor de madeira do cuco não combinava muito com os móveis; foi na sala de estar que encontrou o lugar perfeito, pois esta já possuía móveis de madeira, o que era perfeito, exceto por um detalhe: não havia onde pendurar o cuco, pois este precisava de um parafuso com bucha para ser fixado à parede. Fabiano lembrou-se então que seu quarto possuí um parafuso com bucha, era perfeito para o cuco, ao menos pela noite que vinha, sendo que no dia seguinte trataria de preparar a parede da sala de estar para seu novo residente. O grande e belo cuco, com sua cor de madeira velha, ficou de frente para sua cama.
Naquela noite Fabiano teve um repugnável pesadelo. Em seu sonho, Fabiano se esgueirava pela rua, de pijama e pantufas armado de uma faca; logo observou uma janela entreaberta em uma das casas vizinhas, uma casa que conhecia muito bem, onde morava Roberto, um homem já de idade e que vivia sozinho; silenciosamente, Fabiano abriu a janela e invadiu a casa de Roberto; andando pela casa, Fabiano viu uma luz saindo por debaixo de uma porta, “o quarto do velho”, pensou; começou a abri-la o mais silenciosamente possível, mas a velha dobradiça o entregou.
- Quem está ai? – Perguntou o velho.
Fabiano não disse nada, apenas entrou no aposento e permitiu que a luz da televisão revelasse seu rosto.
- Ah, é você Fabiano. O que faz aqui esta hora?
Fabiano apenas deixa a faca visível. A luz da televisão reflete em sua lâmina.
- O que vai fazer com isso? Não faça nenhuma bobagem! – Havia ansiedade e medo na voz do velho.
Fabiano segurava firmemente a faca fazendo as dobras dos dedos esbranquiçarem e desfere diversas facadas pelo corpo do idoso.
- Pare! Pare! – Diz o pobre Roberto, agonizando de dor.
Fabiano não cessa o ataque, continua o esfaqueamento até o velho ficar com os olhos vidrados no teto, sem respirar e mortalmente silencioso.
Fabiano acorda apavorado, tentando respirar como se o ar estivesse fugindo de suas narinas. Sente-se molhado e um forte cheiro de ferro se espalha pelo quarto; foi então que se deu conta de que não foi apenas um pesadelo, fora algo real.
“Como proceder agora?O que devo fazer?”, este era o pensamento que dardejava na mente de Fabiano. Começou a limpar a bagunça que havia feito tirando a roupa que usava toda ensanguentada e juntando em um pequeno montinho, onde também estavam a roupa de cama, o travesseiro e as pantufas que usava. A faca continuou ao lado da cama, com sangue do cabo de madeira até a lâmina. Enquanto estava ateando fogono montinho com as provas do crime, notou luzes vindas da rua. Uma viatura acabara de estacionar em frente da casa de Roberto.Provavelmente o carteiro, amigo de Roberto, fora levar sua correspondência e, sem o dono da casa aparecer, decidiu adentrar e deixar a correspondência sobre o sofá, e foi ai que constatou o ocorrido. Enquanto a pira consumia as evidências, Fabiano viu a viatura de polícia forense chegar e alguns agentes adentrarem a casa, “Será que irão me descobrir? Sem motivo algum, não serei um dos primeiros suspeitos.”, pensou.
No meio da tarde, Fabiano ouve alguém batendo à porta, olha pela janela e vê dois policiais, um com uma prancheta e outro com um óculos em mãos. Um arrepio percorre seu corpo quando percebe que não são quaisquer óculos, são os seus óculos, provavelmente deixara cair enquanto esfaqueava Roberto. Vai até à porta, trêmulo, segura a maçaneta com relutância e abre a porta.
- Olá, o que houve? – Pergunta, seus olhos indo de um lado para o outro, como se procurasse alguma coisa.
- Houve um assassinato aqui na vizinhança e vasculhando a residência achamos estes óculos. Os moradores locais disseram que o senhor possuí um parecido. – O policial mostra os óculos para Fabiano, desconfiado.
- Oh, meus óculos, ontem fui até a casa de Roberto para ler as correspondências para ele, e acabei deixando-os lá. Uso-os somente para ler... espere, um assassinato? Vocês estão me dizendo... Roberto foi assassinado? – Fabiano tentou o máximo que pôde parecer convincente, mas estava muito nervoso e os policiais eram muito intimidadores.
O policial que segurava a prancheta fez algumas anotações. Não parecia muito confiante na história de Fabiano.
- Podemos dar uma olhada em sua casa? –Perguntou então, o que segurava a prancheta.
- Claro, não tenho nada a esconder. – Somente que sou o assassino, pensou.
Os policiais começaram a andar pela casa. Foi então que Fabiano se lembrou da faca que ficara no chão de seu quarto. Rapidamente, se dirigiu até lá e deu um pontapé discreto no cabo de madeira da faca, fazendo-a deslizar para debaixo da cama, antes da entrada dos policias no cômodo. Fabiano fez uma cara de paisagem. Os policiais se dirigiram para os fundos da casa e encontraram restos de pano que, para sorte de Fabiano, estavam todos queimados ou não apresentavam manchas de sangue.
- O que o senhor andou queimando? –Perguntou um dos policiais.
- Meu guarda-roupa sofreu um ataque de traças, estas roupas não tinham como serem salvas.
- Por que o senhor não as doou?
- Porque eram muito velhas, não serviriam mais para nada.
O policial faz mais algumas anotações em sua prancheta e encara Fabiano, olhando-o nos olhos, como um predador faz com uma presa indefesa. Fabiano sente os olhos do policial, o medo se espalha pelo seu corpo, suas mãos começam a tremer.
- Está com algum problema senhor, está a tremer. – indaga o policial com a prancheta.
- Sofro de pressão alta, ainda não tomei meus medicamentos e estou um pouco desconfortável.
O policial faz mais algumas anotações em sua prancheta.
- Bem, acho que está tudo normal aqui. Mantenha as portas e janelas trancadas, com um assassino a solta prevenção nunca é demais. Tenha um bom dia. – Diz o policial que trouxera seus óculos .
Fabiano os observa indo embora. “Eles sabem que fui eu, sabem que matei Roberto”, pensou Fabiano, desesperado.
Naquela noite, o sono não veio para Fabiano. Sua mente estava repleta de pensamentos relacionados ao assassinato de Roberto. Como ele teria matado o velho enquanto estava a dormir? isso não fazia sentido. Enquanto refletia sobre os acontecimentos do dia, o cuco desperta com um pequeno ruído, sem a barulheira que normalmente aquele tipo de relógio faz, se limitando apenas a abrir as portinhas onde geralmente sai o pássaro; de lá de dentro, não saiu um belo cuco e sim uma coisa que Fabiano nunca havia visto antes, algo parecido com mercúrio misturado com poeira. Escorreu de dentro do relógio e deslizou pelo chão, até formar uma bola maciça no pé da cama de Fabiano; no começo era apenas uma forma oblonga, mas depois Fabiano pôde ver que a coisa começava a tomar forma, quando percebeu, espantado, que não era qualquer forma e sim sua forma. Fabiano ficou de olhos cerrados, fingindo dormir, enquanto a estranha criatura se moldava idêntica a ele. Em sua mente, Fabiano notou uma coisa estranha, era como se visse com seus olhos e também com os olhos da criatura, até que teve uma epifania: “O sonho! Não era um sonho, era esta criatura repugnante com minha forma ou seja lá o que for isto!”. Depois de completar a transformação, a criatura se dirige para a cozinha e saca uma faca longa e afiada da gaveta. “Ela irá fazer de novo! Tenho que impedi-la!”. A criatura sai para a rua com Fabiano seguindo-a discretamente; quando vê que ela encontrou a chave debaixo do carpeta da vizinha, Fabiano sai em disparada em sua direção. A criatura entra na casa de Regina, mas Regina se tranca no banheiro com seu celular, aparentemente consegue ligar para a polícia. O clone de Fabiano golpeia a porta do banheiro com seu ombro e consegue arroba-la, Regina está vulnerável, abaixada no canto do box com as mãos nos olhos. A criatura não perde tempo e defere golpes com a faca ferozmente. Fabiano entra correndo na casa de Regina e encontra a criatura esfaqueando um corpo já sem vida. Fabiano e a coisa entram em uma luta corpo-a-corpo; com a vantagem de estar por traz, Fabiano consegue imobilizar a criatura e joga-la contra a parede do banheiro, fazendo-a deixar cair a faca. Rapidamente, Fabiano se apodera da arma e aproveita o momento de vantagem, desferindo uma punhalada no peito do adversário, que solta um gemido rouco e começa a se desvanecer em pó, restando apenas uma espécie de areia muito fina e escura, parecida com cinzas. Cansado e desnorteado, Fabiano acocora-se ao lado de Regina, que está com uma expressão de pânico no rosto, inerte e fria. Luzes azuis e vermelhas rompem da janela do banheiro, Fabiano fica na ponta dos pés para olhar pela janela. Três viaturas da polícia acabam de chegar. O primeiro policial a entrar de supetão encontra Fabiano agachado ao lado do corpo de Regina, com uma faca ensanguentada em mãos. Desta vez não havia desculpa.
Despois de quase cinco meses preso, Fabiano vai a julgamento. Seu tio havia contratado um excelente advogado, muito experiente, para ajuda-lo. Fabiano explica ao júri tudo o que ocorrera e, obviamente, é tachado de biruta. Seu advogado diz para ele continuar com a mesma história, pois assim se livraria da prisão, seguindo para um sanatório. Foi o que de fato aconteceu. Fabiano fora condenado a ficar em um sanatório para o resto da vida, por ser considerado problemático e um perigo para a sociedade civilizada. O júri decidiu que sua casa iria a leilão, sendo o dinheiro destinado aos familiares das vítimas.
Fabiano, em seu quarto no sanatório, ouviu as enfermeiras conversando, empolgadas.
- Recebemos uma bela doação! Mal posso esperar para que chegue! – Diz uma enfermeira baixinha, com uma barriga caída.
- É mesmo, é maravilhoso! Ficará bem aqui! – A outra enfermeira aponta para um pedaço de parede à frente da cela de Fabiano.
Um barulho de furadeira acorda Fabiano pela manhã. Meio entorpecido pelo sono, vai até a grade de sua cela para ver o que se passa. Ao olhar para aquele borrão marrom, esfrega os olhos com as mãos e não consegue acreditar no que vê: ali, ante sua cela, está o maldito relógio cuco. Um grito de desespero atravessa os corredores do sanatório.
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O caixote logo chega à sua casa, Fabiano assina a prancheta para confirmar que recebeu o produto e já começa a imaginar onde colocará o cuco. Com dificuldade, leva o caixote para dentro e cuidadosamente o abre para admirar o belo item adquirido. Com seu telhadinho vermelho, os ponteiros brancos, e um acabamento excelente faziam do cuco um magnífico objeto de decoração; o problema era onde coloca-lo. Fabiano analisou a parede da cozinha, não havia espaço lá; tentou a da sala, mas a cor de madeira do cuco não combinava muito com os móveis; foi na sala de estar que encontrou o lugar perfeito, pois esta já possuía móveis de madeira, o que era perfeito, exceto por um detalhe: não havia onde pendurar o cuco, pois este precisava de um parafuso com bucha para ser fixado à parede. Fabiano lembrou-se então que seu quarto possuí um parafuso com bucha, era perfeito para o cuco, ao menos pela noite que vinha, sendo que no dia seguinte trataria de preparar a parede da sala de estar para seu novo residente. O grande e belo cuco, com sua cor de madeira velha, ficou de frente para sua cama.
Naquela noite Fabiano teve um repugnável pesadelo. Em seu sonho, Fabiano se esgueirava pela rua, de pijama e pantufas armado de uma faca; logo observou uma janela entreaberta em uma das casas vizinhas, uma casa que conhecia muito bem, onde morava Roberto, um homem já de idade e que vivia sozinho; silenciosamente, Fabiano abriu a janela e invadiu a casa de Roberto; andando pela casa, Fabiano viu uma luz saindo por debaixo de uma porta, “o quarto do velho”, pensou; começou a abri-la o mais silenciosamente possível, mas a velha dobradiça o entregou.
- Quem está ai? – Perguntou o velho.
Fabiano não disse nada, apenas entrou no aposento e permitiu que a luz da televisão revelasse seu rosto.
- Ah, é você Fabiano. O que faz aqui esta hora?
Fabiano apenas deixa a faca visível. A luz da televisão reflete em sua lâmina.
- O que vai fazer com isso? Não faça nenhuma bobagem! – Havia ansiedade e medo na voz do velho.
Fabiano segurava firmemente a faca fazendo as dobras dos dedos esbranquiçarem e desfere diversas facadas pelo corpo do idoso.
- Pare! Pare! – Diz o pobre Roberto, agonizando de dor.
Fabiano não cessa o ataque, continua o esfaqueamento até o velho ficar com os olhos vidrados no teto, sem respirar e mortalmente silencioso.
Fabiano acorda apavorado, tentando respirar como se o ar estivesse fugindo de suas narinas. Sente-se molhado e um forte cheiro de ferro se espalha pelo quarto; foi então que se deu conta de que não foi apenas um pesadelo, fora algo real.
“Como proceder agora?O que devo fazer?”, este era o pensamento que dardejava na mente de Fabiano. Começou a limpar a bagunça que havia feito tirando a roupa que usava toda ensanguentada e juntando em um pequeno montinho, onde também estavam a roupa de cama, o travesseiro e as pantufas que usava. A faca continuou ao lado da cama, com sangue do cabo de madeira até a lâmina. Enquanto estava ateando fogono montinho com as provas do crime, notou luzes vindas da rua. Uma viatura acabara de estacionar em frente da casa de Roberto.Provavelmente o carteiro, amigo de Roberto, fora levar sua correspondência e, sem o dono da casa aparecer, decidiu adentrar e deixar a correspondência sobre o sofá, e foi ai que constatou o ocorrido. Enquanto a pira consumia as evidências, Fabiano viu a viatura de polícia forense chegar e alguns agentes adentrarem a casa, “Será que irão me descobrir? Sem motivo algum, não serei um dos primeiros suspeitos.”, pensou.
No meio da tarde, Fabiano ouve alguém batendo à porta, olha pela janela e vê dois policiais, um com uma prancheta e outro com um óculos em mãos. Um arrepio percorre seu corpo quando percebe que não são quaisquer óculos, são os seus óculos, provavelmente deixara cair enquanto esfaqueava Roberto. Vai até à porta, trêmulo, segura a maçaneta com relutância e abre a porta.
- Olá, o que houve? – Pergunta, seus olhos indo de um lado para o outro, como se procurasse alguma coisa.
- Houve um assassinato aqui na vizinhança e vasculhando a residência achamos estes óculos. Os moradores locais disseram que o senhor possuí um parecido. – O policial mostra os óculos para Fabiano, desconfiado.
- Oh, meus óculos, ontem fui até a casa de Roberto para ler as correspondências para ele, e acabei deixando-os lá. Uso-os somente para ler... espere, um assassinato? Vocês estão me dizendo... Roberto foi assassinado? – Fabiano tentou o máximo que pôde parecer convincente, mas estava muito nervoso e os policiais eram muito intimidadores.
O policial que segurava a prancheta fez algumas anotações. Não parecia muito confiante na história de Fabiano.
- Podemos dar uma olhada em sua casa? –Perguntou então, o que segurava a prancheta.
- Claro, não tenho nada a esconder. – Somente que sou o assassino, pensou.
Os policiais começaram a andar pela casa. Foi então que Fabiano se lembrou da faca que ficara no chão de seu quarto. Rapidamente, se dirigiu até lá e deu um pontapé discreto no cabo de madeira da faca, fazendo-a deslizar para debaixo da cama, antes da entrada dos policias no cômodo. Fabiano fez uma cara de paisagem. Os policiais se dirigiram para os fundos da casa e encontraram restos de pano que, para sorte de Fabiano, estavam todos queimados ou não apresentavam manchas de sangue.
- O que o senhor andou queimando? –Perguntou um dos policiais.
- Meu guarda-roupa sofreu um ataque de traças, estas roupas não tinham como serem salvas.
- Por que o senhor não as doou?
- Porque eram muito velhas, não serviriam mais para nada.
O policial faz mais algumas anotações em sua prancheta e encara Fabiano, olhando-o nos olhos, como um predador faz com uma presa indefesa. Fabiano sente os olhos do policial, o medo se espalha pelo seu corpo, suas mãos começam a tremer.
- Está com algum problema senhor, está a tremer. – indaga o policial com a prancheta.
- Sofro de pressão alta, ainda não tomei meus medicamentos e estou um pouco desconfortável.
O policial faz mais algumas anotações em sua prancheta.
- Bem, acho que está tudo normal aqui. Mantenha as portas e janelas trancadas, com um assassino a solta prevenção nunca é demais. Tenha um bom dia. – Diz o policial que trouxera seus óculos .
Fabiano os observa indo embora. “Eles sabem que fui eu, sabem que matei Roberto”, pensou Fabiano, desesperado.
Naquela noite, o sono não veio para Fabiano. Sua mente estava repleta de pensamentos relacionados ao assassinato de Roberto. Como ele teria matado o velho enquanto estava a dormir? isso não fazia sentido. Enquanto refletia sobre os acontecimentos do dia, o cuco desperta com um pequeno ruído, sem a barulheira que normalmente aquele tipo de relógio faz, se limitando apenas a abrir as portinhas onde geralmente sai o pássaro; de lá de dentro, não saiu um belo cuco e sim uma coisa que Fabiano nunca havia visto antes, algo parecido com mercúrio misturado com poeira. Escorreu de dentro do relógio e deslizou pelo chão, até formar uma bola maciça no pé da cama de Fabiano; no começo era apenas uma forma oblonga, mas depois Fabiano pôde ver que a coisa começava a tomar forma, quando percebeu, espantado, que não era qualquer forma e sim sua forma. Fabiano ficou de olhos cerrados, fingindo dormir, enquanto a estranha criatura se moldava idêntica a ele. Em sua mente, Fabiano notou uma coisa estranha, era como se visse com seus olhos e também com os olhos da criatura, até que teve uma epifania: “O sonho! Não era um sonho, era esta criatura repugnante com minha forma ou seja lá o que for isto!”. Depois de completar a transformação, a criatura se dirige para a cozinha e saca uma faca longa e afiada da gaveta. “Ela irá fazer de novo! Tenho que impedi-la!”. A criatura sai para a rua com Fabiano seguindo-a discretamente; quando vê que ela encontrou a chave debaixo do carpeta da vizinha, Fabiano sai em disparada em sua direção. A criatura entra na casa de Regina, mas Regina se tranca no banheiro com seu celular, aparentemente consegue ligar para a polícia. O clone de Fabiano golpeia a porta do banheiro com seu ombro e consegue arroba-la, Regina está vulnerável, abaixada no canto do box com as mãos nos olhos. A criatura não perde tempo e defere golpes com a faca ferozmente. Fabiano entra correndo na casa de Regina e encontra a criatura esfaqueando um corpo já sem vida. Fabiano e a coisa entram em uma luta corpo-a-corpo; com a vantagem de estar por traz, Fabiano consegue imobilizar a criatura e joga-la contra a parede do banheiro, fazendo-a deixar cair a faca. Rapidamente, Fabiano se apodera da arma e aproveita o momento de vantagem, desferindo uma punhalada no peito do adversário, que solta um gemido rouco e começa a se desvanecer em pó, restando apenas uma espécie de areia muito fina e escura, parecida com cinzas. Cansado e desnorteado, Fabiano acocora-se ao lado de Regina, que está com uma expressão de pânico no rosto, inerte e fria. Luzes azuis e vermelhas rompem da janela do banheiro, Fabiano fica na ponta dos pés para olhar pela janela. Três viaturas da polícia acabam de chegar. O primeiro policial a entrar de supetão encontra Fabiano agachado ao lado do corpo de Regina, com uma faca ensanguentada em mãos. Desta vez não havia desculpa.
Despois de quase cinco meses preso, Fabiano vai a julgamento. Seu tio havia contratado um excelente advogado, muito experiente, para ajuda-lo. Fabiano explica ao júri tudo o que ocorrera e, obviamente, é tachado de biruta. Seu advogado diz para ele continuar com a mesma história, pois assim se livraria da prisão, seguindo para um sanatório. Foi o que de fato aconteceu. Fabiano fora condenado a ficar em um sanatório para o resto da vida, por ser considerado problemático e um perigo para a sociedade civilizada. O júri decidiu que sua casa iria a leilão, sendo o dinheiro destinado aos familiares das vítimas.
Fabiano, em seu quarto no sanatório, ouviu as enfermeiras conversando, empolgadas.
- Recebemos uma bela doação! Mal posso esperar para que chegue! – Diz uma enfermeira baixinha, com uma barriga caída.
- É mesmo, é maravilhoso! Ficará bem aqui! – A outra enfermeira aponta para um pedaço de parede à frente da cela de Fabiano.
Um barulho de furadeira acorda Fabiano pela manhã. Meio entorpecido pelo sono, vai até a grade de sua cela para ver o que se passa. Ao olhar para aquele borrão marrom, esfrega os olhos com as mãos e não consegue acreditar no que vê: ali, ante sua cela, está o maldito relógio cuco. Um grito de desespero atravessa os corredores do sanatório.
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