Ultimo Suspiro
Acordei assustado, perdido. Onde eu estava? Minha cabeça doía como se eu tivesse levado uma pancada com um martelo. Um vento frio entrava pela janela aberta. Estava apenas com um lençol azul-desbotado e vestia nada além de uma “camisola”. Foi então que me lembrei de estar no hospital. Eu estava lá por... Ah, eu ia fazer uma cirurgia. Não sei bem como aconteceu. Fizeram-me inalar um gás e eu apaguei. Completamente.
Tentei me levantar e uma dor lancinante me fez estremecer. Levei a mão à barriga e percebi o curativo sujo. Parecia sangue, mas já estava seco. Tentei tocar a campainha que havia ao lado da cama. Ninguém veio me atender e então tentei novamente.
Nada.
Usei a barra que ficava do lado esquerdo da cama para me sentar. Precisava muito, muito ir ao banheiro.
- Alguém aí? – tentei chamar, mas não consegui gritar porque minha barriga doía a cada movimento. Decidi me levantar sozinho. Não seria problema, não é? Escorreguei pela cama lentamente para apoiar os pés no chão, mas descobri tarde que a cama era mais alta do que eu estava acostumado. Meus pés bateram no chão com força suficiente para me fazer urrar de dor. Comecei a andar em direção a porta quando uma súbita tontura me assaltou. Segurei a parede mais próxima procurando me manter em pé. Fiquei ali curvado esperando que a tontura fosse embora.
Passaram-se alguns minutos e percebi que a tontura não ia passar assim tão facilmente. Eu estava drogado. Sem duvida havia tomado remédios demais para dor. Remédios desnecessários, já que eu tremia de dor a cada respiração.
Lutando para por um pé na frente do outro me arrastei até o corredor. Estava tudo escuro e parecia ainda mais frio. O chão era de mármore polido e as paredes eram metade branca e metade marrom. A única combinação mais sem sentido que branco e marrom seria preto-e-rosa. No alto de uma parede atrás do balcão de recepção – onde os visitantes pegavam um crachá para poder entrar nas salas – havia uma televisão de 21 polegadas que não mostrava nada além de chuviscos.
Atravessei o corredor abrindo porta após porta à procura de um médico. Não havia ninguém na recepção, então imaginei que estariam cuidando de algum paciente. Nos quartos também não havia nada. Alguns pacientes dormiam tranquilamente, outros quartos estavam completamente vazios. Lembro-me de quando vim para cá. Tive que esperar em uma maca, deitado e sem lençol porque os médicos haviam dito que não havia espaço. Então, onde estavam todos os pacientes? Perguntei-me sentindo que alguma coisa estava errada. Mais a frente, desisti de olhar nos quartos e parti à procura de um banheiro. Parei quando ouvi um choro. Parecia de criança. Dei meia volta e entrei no ultimo quarto. Uma menina com a mesma “camisola” que eu, estava encolhida no quanto da parede. A cabeça estava enfiada entre os joelhos e ela se balançava ao ritmo do choro.
- Tudo bem, garotinha? – perguntei, sentindo-me um idiota logo ao completar a pergunta. Era obvio que não estava tudo bem.
Ela ergueu os olhos, assustada.
- O que aconteceu? – eu quis saber. Me aproximei e tentei me ajoelhar ao seu lado.
- O médico... ele... – não conseguiu terminar a frase e voltou a chorar.
- O que tem o médico? – segurei sua mão e um arrepio trespassou minhas costas. Ela estava fria. Congelada.
- Ele é mau! – ela fez uma pausa. – Ele mata as pessoas.
- Não, ele não é mau – respondi. Onde estariam os pais dessa garota? Era normal que crianças temessem a médicos, mas, isso já parecia estranho demais. Assustador, para dizer a verdade.
- Ele é sim – ela retrucou com firmeza. – Ele machuca as pessoas e diz que se nós abrirmos nossas malditas bocas, ele nos mata – ela passou o dedo indicador pela garganta para enfatizar o que dizia.
- Olha... – tentei pensar em algo que a acalmasse. Meus pensamentos se misturavam em desordem. Os efeitos dos remédios ainda se faziam presentes. Continuei: - Você consegue andar?
Ela concordou com um meneio de cabeça.
- Tudo bem... Ahm... Por que você não vai para a cama? Eu vou chamar o doutor. Se eu conseguir acha-lo. – Comecei andar, ainda cambaleando e sentindo as fisgadas no estomago. A porta se fechou com um baque surdo pouco antes de eu chegar até ela, como se alguém muito zangado a empurrasse com toda a força. Mas...
Mas não havia ninguém ali.
Virei e encontrei a garotinha em pé. Seus olhos estavam pretos e seus cabelos pareciam flutuar.
- Você não vai a lugar algum! – ela disse. Sua voz agora era grosa e rouca. Parecia aqueles cantores de metal-core.
Tentei forçar a porta a se abrir, mas ela se limitou a ranger. Parei de fazer força, meus pontos latejavam e senti que meu curativo voltava a se encharcar de sangue.
- O que está fazendo? D-d-deixe-me sair – gaguejei.
As luzes se ascenderam e começaram a se intensificar, ficando cada vez mais claras. De repente elas explodiram numa chuva de vidros e eu me agachei com as mãos na cabeça para tentar me proteger dos cacos que voaram.
Deus... socorro!, tentei gritar mas as palavras escoaram garganta abaixo.
Senti a garota se aproximar e me encolhi ainda mais.
Isso não está acontecendo, isso não está acontecendo...
Suas mãos agarraram meus cabelos e em seguida senti meus pés saírem do chão. Estava sendo arremessado tal como uma bola de papel para o outro extremo do quarto. Caí batendo a cabeça na parede e rolei por cima de uma mesa cheia de remédios. Apertei os olhos com força tentando por na cabeça de que aquilo não era real. Aquilo não estava acontecendo.
A última coisa que disse para Sara algumas horas atrás, antes de entrar na sala de cirurgia:
- Se eu morrer no hospital a culpa vai ser toda sua – e sorri. Ela sabia que eu tinha um medo terrível de hospital. Eu já estava me contorcendo de dor em casa quando ela me convenceu a ir ao médico.
- Você não vai morrer se for ao hospital. Talvez no caminho até lá, mas não lá – ela desenhou um sorriso matreiro, sarcástico.
Senti meus ossos gelarem quando a garota se aproximou. Estava acima de mim. Sua pele era pálida. Ela saiu de foco por não mais que um segundo, como acontece quando se troca de canal, tremeluzindo a luz da lua.
- Você não vai chamar doutor nenhum, porque ele já está morto.