Na noite mais escura.
[...]a noite é escura e cheia de terrores e sem luz nunca haverá sombras. (A Fúria dos Reis - George R. R. Martin)
Era noite e chovia, embora estivesse escuro, Alice mantinha-se atenta à estrada a frente, faltavam poucos quilômetros e, no final de cada curva, a sensação de estar em casa aumentava.
O impacto veio tão rápido que sequer notou; o carro, jogado na ribanceira, virou e Alice perdeu os sentidos, quando recobrou a consciência, o mundo estava de cabeça para baixo e lama invadia o veículo pela janela, seu primeiro instinto era sair dali, mas estava presa pelo cinto que lhe salvara a vida, tentou soltar-se, mas não conseguiu, sentiu o gosto de sangue na boca.
Longe dali, uma mulher pegou o telefone, preocupou-se ao não obter resposta. Alice recobrou novamente a consciência, agora o barro tomara quase todo o interior do veículo, em desespero tentou, mais uma vez, soltar-se, sentiu o clique do fecho do cinto e liberou-se, mas com toda aquele entulho não conseguiu sair do carro, sentiu a sensação claustrofóbica da morte que se aproximava.
Lembrou-se do celular no bolso e tentou, inutilmente, liga-lo, mas a água e o lodo haviam danificado sua bateria e o aparelho não funcionava, sentiu-se, pela primeira vez, triste por sua morte eminente; pensou nos sonhos que não realizara, nos amores que não vivera, nas palavras que não dissera, a lama, de alguma forma, continuava entrando no carro, e reduzindo ainda mais a quantidade de ar disponível. Ela queria deixar uma mensagem à mãe, dizer que sentia muito, que a amava e era esse o motivo da viagem.
“É engraçado como durante toda a vida desperdiçamos o tempo, e quando ela está perto do fim, queremos estendê-la mesmo que por um minuto” – pensou.
Alice ficou imóvel, tentava ouvir o que estava acontecendo e, pode ouvir o som de homens gritando e uma pá que cavava, o som da própria esperança, que as batidas de seu coração passaram a acompanhar, minuto a minuto.
E passaram-se séculos, Alice já estava desistindo, sentia-se cada vez mais perto da morte, mas, de alguma forma, ela continuava viva, uma luz entrou pela janela, que até então permitira somente a entrada da argila. Sentiu, pela primeira vez, esperança. Quando os homens finalmente a alcançaram, retiraram seu corpo inerte dos destroços do carro, ela ainda respirava, mas com dificuldade, e pensou:
"Estou salva!"
E feliz, morreu.