Elogio à Morte - DTRL 16
Elogio à Morte
Agradeço ao Sidney Muniz
pelo convite.
E como somos egoístas! Nessas efêmeras e nostálgicas lágrimas nos paralisamos por relembrar aqueles teus reluzentes olhos esverdeados, tão puros; os ingênuos sorrisos em seu vívido rosto, tão infantis. Mas como é fugaz a vida... Desvaneceu-se o contagiante brilho, suas genuínas emoções tornaram-se sussurros tão amargos quanto minha realidade. Rompemos nossos laços, pensávamos estar livres, livres daquela angústia, mas como estávamos enganados; por nossos confiáveis olhos já avermelhados não víamos aquelas desumanas máscaras que mostravam-nos apenas reconfortáveis ilusões.
Cá estou, tudo que me restou. Escrevo-te num atormentado papel, amarelado pelo tempo, em busca de um fingido alívio. Não há miséria maior! Por esse perdão, inatingível, asfixio minhas longínquas mágoas. Lucidez? Tomemos uma longa dose de poesia, isso já não mais existe. Nessa perdição a qual nós nos enclausuramos reside apenas a loucura, a insanidade. Ignoremos nossos sentidos! Você está morto!
Diga-me, vale a pena? Isolar-se contra tudo e contra todos, refugiar-se sete palmos abaixo, unir-se aos saudosos vermes que roem suas frias carnes por póstumas dedicatórias. Ter o próprio sangue a escorrer nesse profundo abismo de esquecimento, onde livres espíritos permanecem. Ver-se ao reflexo da aterrorizante faca, já apontada aos trêmulos pulsos, o próprio desespero, a consciência em sua mais plena forma. Sua própria vida!
Mas como não compreender tão humano ato? Só um aborto para ser capaz de sofrer tamanha mentira. Como é árdua, insuportável, essa indiferença. Não há nobreza nessa escassa moral, somos a desgraça arruinada, somos seres vis, ignóbeis; sim; somos humanos. Causa e consequência desse mal-estar dito civilizado. Irônico nossos hábitos. Por fora agimos de forma tão decente, seguimos regras, padrões, nos igualamos a previsíveis máquinas com ternos e gravatas; entretanto, atreva-se a adentrar em nosso incivilizado inconsciente: os instintos reprimidos, os gritos abafados, a felicidade oprimida. Não somos mais incômodas crianças. Não há como acordar desse pesadelo.
Quem me dera ter o privilégio de te seguir; encontrar-te por mais um dia se possível. Mas sou o culpado, o único réu perante esse onipresente tribunal. Não há absolvição para tão horrendo crime. Por meio de irracionais interrogatórios detêm-me nesse surreal labirinto. Pena de morte é a sentença dos afortunados; não a minha; resta-me somente a perpétua Prisão, as inúmeras torturas dessa Ditadura, as eternas perseguições desse Processo.
Sim, como nos é indispensável esse árduo veneno; desgasta e corrompe nosso vivaz cadáver. Nesse insidioso mundo não há triunfo melhor. Esquecer-nos de nossos pecados, daquele atormentado arrependimento que nos segue sem trégua; esquecer do hoje... De nós mesmos. Mas que sentimento mais mordaz esse!
Você foi embora, abandonou-me aqui, sozinho. Deixado a beira desse precipício, permaneci. Bastava um empurrão, um único e leve toque e... Pronto. Nesse infernal oceano afoguei-me. Destruí suas amadas recordações, qualquer objetivo ao qual suas mãos tocaram eram a mim acorrentados, e juntos mergulhávamos num ímpeto cada vez maior. Não havia salvação. Exauriu-se a luz; aos cantos debatia-me nessa querida cegueira. Como fugir? Você ainda estava lá. Eu permanecia vivo.
Tema: [Suicídio]