A MÃO DECEPADA      
 
Havia um mago que morava numa cabana em cima de uma colina.  Era muito conhecido pelos seus poderes mágicos e pela bondade que demonstrava para com as pessoas que o procuravam. Nunca deixava de receber ninguém e sempre atendia aos pedidos que lhe eram feitos. Alguns diziam que ele era feiticeiro, outros que era alquimista, outros simplesmente um santo que fora abençoado por Deus com muitos dons, entre eles, o de fazer verdadeiros prodígios.
          Um dia um sujeito muito ambicioso foi procurá-lo. Já era noite e o mago o recebeu muito bem, como fazia com todos. Deu-lhe abrigo e comida. Compartilhou com ele tudo que tinha. No dia seguinte o visitante disse ao que veio.
      – Mestre – disse o visitante – eu vim procurá-lo porque estou extremamente endividado. Não tenho dinheiro para o aluguel, nem para comprar roupa ou comida. Meus filhos não estão mais indo à escola e minha mulher já ameaçou me deixar. Além disso, devo muito dinheiro a agiotas que prometeram me matar se eu não pagar o que lhes devo. Por favor, mestre, ajude-me. Se eu voltar de mãos vazias, serei um homem morto, meus filhos ficarão órfãos e morrerão de fome, pois são ainda pequenos para ganhar a própria vida. Sei que o senhor é um homem santo e bondoso, que faz milagres e ajuda todo mundo.
      – O que posso fazer por você, meu filho? – perguntou o velho mago.
      – Use os seus poderes mágicos para arrumar-me um pouco de ouro – pediu o visitante. ─ Sei que o senhor tem esse poder.
        – Se isso resolve o seu problema, tudo bem – disse o mago.   
        E pegando uma pedra de cerca de um quilo, tocou-a com a mão direita, pronunciando algumas palavras mágicas, que imediatamente o sujeito decorou. E a pedra transformou-a imediatamente num bloco de puríssimo ouro com o mesmo peso, que o mago entregou ao visitante.
        – Está satisfeito? – perguntou o mago.
        – Agradeço-lhe, mestre, mas só esse lingote de ouro ainda é insuficiente para que eu salde as minhas dívidas e possa garantir um futuro tranquilo para os meus filhos. Já que isso parece tão fácil para o senhor, não pode me arrumar um pouco mais de ouro?
        – Está bem – disse o mago. E pegando uma pedra três vezes maior, pronunciando as mesmas palavras mágicas, transformou-a também em um lingote de puríssimo ouro.
        – Está satisfeito agora? – perguntou o mago. ─ Isso é suficiente?
        – Não –, disse o visitante. – Na verdade, eu quero mesmo é essa sua mão. Com ela terei todo o ouro que quiser. Não precisarei mais vir aqui mendigar os seus favores. Eu mesmo vou poder fabricar todo o ouro que quiser.
           Rápido como um raio, puxou da cinta uma afiada adaga, com qual esfaqueou o santo homem, até deixá-lo no chão, estrebuchando. Depois, com uma risada diabólica, cortou a mão do velho mago e saiu imediatamente para fora da cabana. Logo viu, no pé da colina, uma enorme pedra, de uns cem quilos.
        ─ Transforme essa pedra em ouro ─ disse o homem, pousando a mão ensanguentada sobre a enorme pedra. Tentou e tentou várias vezes, repetindo as palavras mágicas que o mago havia pronunciado. Nada aconteceu.
        Desolado, ele viu que não era a mão, nem as palavras, que tinham poderes  mágicos, mas o homem que possuia aquela mão e pronunciava as palavras. Que Deus dá poder ao homem e não ás suas mãos ou á sua língua.
        Voltou para dentro da cabana. “Pelo menos tenho as duas pedras de ouro que esse infeliz transformou para mim”, pensou o miserável. Mas quando ele entrou na cabana, logo viu que as pedras que haviam se transformado em ouro tinham voltado a serem pedras novamente.  O sangue que escorrera do corpo do velho mago pingara sobre elas e as havia convertido ao seu estado anterior.
          – Ai de mim – lamentou o infeliz. – Agora completei a minha desgraça. Se eu voltar sem nada, serei morto sem a menor contemplação e da forma mais dolorosa. Será melhor que eu mesmo me mate aqui e agora.
         Ato contínuo, suicidou-se com a mesma adaga com que ferira o seu benfeitor. Do seu corpo, ao expirar, saiu uma fumaça negra, tóxica e fétida, que até hoje ainda impregna aquela colina. Por isso ninguém nunca mais se aventurou a passar ou viver naquele local, que ficou conhecido como a Colina das Almas Fétidas.Esse é o cheiro que exala toda alma traiçoeira e ingrata.