Inocente
Olhei seus olhos pelo espelho. Brilhavam em fendas. Olhei bem dentro deles, o mais que a escuridão permitiu. Sorriu-me. Retribuí. Mas não era eu, não senhor. Eu sou uma pessoa educada e gentil, amável com crianças e idosos. Responsável, trabalhador. Não, não era eu. Eu sou bom. A pessoa do espelho me sorria com malícia, safadeza, mau-caratismo, certa ferocidade, com exigência de inocência. Como poderia não sorrir de volta? Ali estava meu lado direito gritando pela liberação, e eu deixei. Meu outro eu, o depravado, o maligno, o cruel, saiu e se manifestou. Eu estava perdendo o controle já, sentia o sangue correr com mais força pelas veias, martelava a cabeça, uma certa tontura me ocupava. Ele estava vindo, me pegou em escuridão. E agora os olhos do espelho eram meus, preso pelo monstro, até ele se saciar de sangue alheio. Tenho a certeza de que quando ele me deixar, vou estar envolto de prostitutas degoladas, homens destroçados, vísceras e muito sangue. Meu estômago vai revirar, talvez eu vomite. Nada que me impeça de limpar as mãos e seguir caminho. Eu sou inocente.