SONO PESADO
O sono já te domina quando um silvo quase inaudível vindo da cozinha te acorda. Seus olhos se abrem e a luz fraca dos mostradores digitais lhe mostra que na porta aberta do quarto há algo, algo que emite um barulho cada vez maior. Pela fenda do edredom - que você infantilmente usa para esconder-se do medo - vê o que emitia tal silvo infernal: um liquidificador.
- Mas como o liquidificador veio para aqui - antes de sequer pensar isso, ouve outro som alto começar e depois outro e mais outro até que percebe que todos os seus eletrodomésticos estavam ligados.
Na sua cabeça (que a essa altura já indagou tudo quando a ladrões, assassinos, estrupadores, marginais, fantasma do bozo, etc.) começa a pensar na infância, a lembrar de todos os pesadelos de criança, nos monstros que sentia tocar-lhe a pele durante o sono, passar suas mãos pesadas por seu corpo, dos pesadelos que tinha por isso. Começa a gritar. Percebe que a mulher a seu lado também grita e chora em desespero.
- Pára, por favor, pára com isso! - ela grita enquanto se encolhe a seu lado.
Você olha para o rosto dela e num susto percebe que é uma criança e que essa criança é você.
Você grita com tudo que pode, mas o barulho lhe supera. Liquidificador, máquina de lavar, microondas, TV, rádio... Você pensa em algo: "Não deixei o rádio ligado?". Esse pensamento logo deixa sua mente que é novamente tomada por desespero e medo.
Grita de novo, mais alto e mais forte. Mais alto que o passado que o atormenta e mais forte que o medo que lhe toma. Acorda de novo.
Respiração pesada, pulso acelerado. Pega o celular: 3:56 AM, o timer tinha acabado de desligar o rádio. "Foi isso que causou o pesadelo?" você pensa. Afinal seu rádio emite um pequeno "tac" quando desliga. Isto pode ter te assustado, abalado seus sonhos. Você sabe que não foi só isso. Mesmo que ninguém mais acredite, você sabe o que lhe dá esses pesadelos. Você sabe.