OLHOS DE FOGO- PARTE 2 DE 3

Olhos de Fogo Parte 2 de 3-

O anti-herói

Congresso Nacional:

A pedido da bancada evangélica e apoiada por outras panelinhas, deputados e senadores resolveram convocar uma reunião extraordinária para debater a ação do "Olhos de Fogo". Não que isso lhes importasse de fato, afinal eles não iriam tirar nenhum lucro financeiro do episódio, mas era importante fazer parecer à população que estavam mobilizados e irmanados na dor com o resto da população brasileira. Claro que as câmeras das TVs Câmara e Senado contribuíam em muito para que cada um deles ocupasse o palanque para fazer seus embargados discursos e trocar acusações sobre as responsabilidades do surgimento do "Olhos de Fogo"

Como era de se esperar, em meio as programações diária da TV, deu-se destaque a trechos dessa reunião e vez por outra alguém lograva" num esforço de reportagem" - como se isso fosse necessário diante dos enormes egos da classe política - entrevistar ao vivo este ou aquele deputado ou senador que com olhos lacrimosos de colírio manifestavam sua solidariedade com aqueles atingidos pela terrível tragédia que se abatia sobe a nação...

Mas afinal, que providência poderia tomar o tal Congresso Nacional?

Nenhuma, oras bolas, a não ser que fossem criar uma lei proibindo a existência do “Olhos de Fogo” e isso, como um passe de mágica o fizesse deixar de existir.

Em se tratando de ano eleitoral, o que mais importava era aparecer, posar de bom cidadão solidário e preocupado com os destinos de tantas vidas. Uma mídia gratuita nesses tempos de pré-campanha eleitoral sempre haveria de cair bem diante de alguns eleitores e servir depois para a campanha de alguns. Não havia, portanto, um melhor cenário para a aparição de "Olhos de Fogo" do que aquela presepada toda, aquele cenário de puro teatro e demagogia.

Desta vez o ataque foi devastador, olhos de fogo parecia consumido por uma imensa fome não apenas de energia, mas também de justiça. Os primeiros a tombar foram os presidentes da câmara e do senado e logo depois um a um os corruptos conhecidos iam sendo incinerados pelas chamas devastadoras daqueles olhos que pareciam nutridos de hélio como o sol.

A sala da reunião tornou-se uma imensa fogueira de corpos que faziam arder móveis e objetos. Uma cena digna do inferno de Dante. Desta vez, porém, as opiniões da população se dividiam, “Olhos de Fogo” começou a tomar a forma de um anti-herói, não faltaram os que aplaudiram e comemoraram a chacina dos parlamentares, até por que, como tudo lá sempre acabava em pizza , nada mais natural do que eles próprios fossem literalmente assados.

Fora os familiares e amigos, preocupados, talvez, mais com as perdas financeiras e do padrão de vida do que com o defunto em si, o restante da população que acompanhou o féretro até os aviões da Força Aérea , e os que estavam presentes no enterro das vitimas detentoras de cargos eletivos, estavam ali mais para ter certeza de sua morte. Na verdade, afora os que se beneficiavam direta ou indiretamente com o cargo de fulano ou beltrano, ninguém ia sentir a menor falta daquela canalha de corruptos incompetentes.

Voltaram as piadas, as charges e, já agora, alguém licenciara a marca "Olhos de Fogo" e já lucrava com bonecos, “botons”, camisetas e toda sorte de badulaque com a imagem do novo "herói" nacional. Havia quem já pensasse em elegê-lo presidente, com carta branca pra churrasquear todo corrupto que encontrasse.

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A ORIGEM DE OLHOS DE FOGO.

Nosso anti-herói , cuja origem desconhecida tanto dava o que falar, era , em outros tempos, um simples catador de lixo, desses que vemos trabalhando em condições sub humanas pelos aterros sanitários do país afora. Seu nome? Não importa, afinal, o manto da invisibilidade social já o tornará um anônimo e invisível há muito tempo. (além disso, caso algum gatuno hollywoodiano resolva roubar minha ideia e transformá-la em um filme de terror, vai acabar batizando-o de Joe, Bill, Scott ou qualquer coisa parecida).

Como todos nós sabemos, nem sempre as leis são cumpridas em nosso país e nesses aterros acabam sendo descartados todos os tipos de material, inclusive lixo hospitalar e outras "cositas más". “Olhos de Fogo” trabalhava de sol a sol sobre a putrefata massa de dejetos da sociedade buscando dali arrancar o seu sustento com a revenda de materiais recicláveis. Vasculhava os sacos de lixo, sujeito a todo tipo de acidente, mas não lhe restava muita opção, sua família dependia do pouco que conseguiam para poder sobreviver um dia após o outro.

Numa dessas lutas diárias teve o seu dedo perfurado por uma agulha hipodérmica vinda sabe-se lá de onde. Um acidente considerado comum até. Passou vários dias acometido por uma forte febre e calafrios, ficando quase que impossibilitado de trabalhar, mas não podia” deixar a peteca cair” e, em assim sendo, de acordo com suas exíguas forças manteve-se na sua labuta diária. Talvez a coisa acabasse por aí mesmo e a febre logo passasse ou quiçá a morte lhe trouxesse o merecido descanso. No entanto, lixão é lixão e tudo pode acontecer e, como se não bastasse a fatídica picada da agulha infectada , nosso anti-herói deparou-se com uma substância verde e brilhosa em algum lugar do tal aterro, imaginando se ali não haveria uma possibilidade de alguma renda maior, e talvez com a razão turvada pela febre que não o abandonava, resolveu analisá-la mais de perto e, ao assim fazer, sentiu um forte odor ácido invadir suas narinas como que a corroer a sua própria alma.

Arremessando a substância para longe percebeu que suas luvas haviam sido corroídas pelo material e suas mãos apresentavam queimaduras acentuadas que pareciam devorar sua a pele. Correu como um louco, sem noção de direção e embrenhou-se no meio de uma mata ali próxima causando estranheza e preocupação entre seus parceiros de trabalho. Como ele demorou a retornar, os procuraram por ele, mas, por mais que vasculhasse a mata não o puderam encontrar. Deram-no como desaparecido e, consternados, avisaram seus familiares.

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Olhos de fogo sentia o corpo transformar-se de uma forma que não podia compreender. A febre o fazia delirar de tal maneira que já nem mesmo sentia as dores de seu corpo dissolvendo-se paulatinamente a partir das feridas causadas pela estranha substância esmeralda.

Dias se passaram e ele continuava desparecido no fundão da mata, em uma pequena gruta oculta no meio da vegetação. Quando se sentiu forte o suficiente para sair e levantar-se, viu que suas mãos estavam descarnadas, como uma versão da própria morte. Apavorou-se com a própria aparência, enlouquecido pela descoberta. Caminhou assustado por entre a mata até encontrar o lixão. Já era noite e ninguém mais trabalhava no lixão, já todos se haviam recolhido nas pequenas cabanas improvisadas de restos de madeira e papelão que lhes serviam de abrigo. Em um ponto qualquer da montanha de detritos encontrou um pedaço de espelho e, olhando para ele sua alma congelou-se, bem como o grito de horror que não conseguia sair de sua garganta desprovida de cordas vocais. Sua face era a de uma caveira, seus olhos duas bolas de fogo, como se fossem as brasas de um pito de saci.

Sentia uma fome medonha, sentia-se totalmente enfraquecido e, olhando em volta, viu os ratos atraídos pelo alimento fácil depositado naquela montanha de lixo orgânico e inorgânico. Ao olhar para os roedores, seus olhos emanaram os raios de fogo já tão conhecidos pelo leitor, dizimando-os às dúzias, o mesmo triste fim teve um vira-lata que por ali passava. O pobre diabo, outrora humano, recebeu de volta o impacto de suas rajadas, sem que estas lhe causassem nenhum dano além do pavor inenarrável que sentia. Aos poucos percebeu que a cada animal abatido a sua aparência ia se normalizando e a carne voltando aos seus ossos.

Não havia como explicar as causas de sua transformação e nem mesmo a restauração dos tecidos, mas encontrara uma maneira de sobreviver em uma condição ao menos semelhante à de um humano.

Ao vaguear na cidade dias depois ocorreu o primeiro encontro com um ser humano enquanto em seu estado cadavérico, como vimos no primeiro capítulo. A fome de olhos de fogo foi saciada de maneira muito mais rápida e a sua aparência humana, encontrava agora maior durabilidade. Voltava a trabalhar no lixão sempre que a sua aparência o permitia e cuidava de sua família da mesma maneira de sempre.

Foi assim que “nasceu” o nosso herói.

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A Limpeza

Depois do episódio no Congresso Nacional , os aeroportos ficaram atulhados de políticos em fuga para o exterior...o seu medo era maior do que a vontade de encher mais os bolsos.

“Olhos de fogo” ocultou-se por algum tempo. A refeição havia sido lauta e farta. Sofreu com uma indisposição intestinal, é verdade, por conta da comida estragada, mas, por outro lado, pôde manter sua forma humana por um período de tempo maior. Voltou para sua casa e para o convívio com sua mulher, trabalhando no tal lixão que também lhe servia de moradia. Fizeram amor como há algum tempo não faziam, intenso, repetidas vezes, afinal ele agora se sentia revigorado não apenas fisicamente, mas, parecia ter também ” lavado a alma”.

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Passadas algumas semanas do acontecido, nosso herói partiu em mais uma cruzada justiceira, agora eram os pontos de tráfico, as bocas de fumo, que lhe serviam de restaurante “Self Service” onde ele selecionava os pratos mais apetitosos. Os viciados, em geral não apeteciam-lhe, embora, vez por outra, algum deles entrasse no cardápio como” efeito colateral”. Gostava mesmo era dos traficantes, grandes ou pequenos. O estrago era enorme entre o crime organizado. “Olhos de Fogo” surgia do nada e não havia como contê-lo. Tornara-se um justiceiro e não mais uma criatura execrada pela sociedade.

Os viciados, tomados pelo pavor, em grande número, buscavam maneiras de libertar-se dos vícios a fim de não correrem o risco de serem incinerados pela fome do nosso personagem. A criminalidade caia de maneira proporcional à ação de “Olhos de Fogo”. Até no Pará nosso paladino fez das suas, acabando com o poderio dos corruptos e poderosos da região.

A sociedade, de maneira geral, comemorava as suas ações, embora em muitos ainda houvesse aquele sentimento de insegurança natural. O que aconteceria depois que ”Olhos de Fogo” não tivesse mais a sua fonte cada vez menor de alimento, já que a bandidagem, se não era incinerada, deixava de lado a sua vida de crimes e muitas vezes entregava-se à policia em busca de segurança?

Essa era a grande questão a ser desvendada, até quando o justiceiro atacaria apenas os culpados e pouparia os inocentes? Que se sabia dele afinal das contas? Nada! Absolutamente nada além de seus atos. E se fosse um louco? E se fosse apenas coincidência essa limpeza na sociedade? Ah, o ser humano e os seus medos.

A verdade é que a indústria e o comércio já faturavam de todas as maneiras possíveis. Bonecos de ”Olhos de Fogo”, camisetas, até tiras de quadrinhos nos jornais. Todo tipo de produto que poderia ganhar algo com a marca (que algum espertalhão registrou) logo se aproveitava da figura para alavancar as suas vendas.