Uma Mula!

Roberto foi insensato naquele dia. Ele pisou na bola, e pisou feio. Todos sabem que dever dinheiro a traficantes não é bom negócio, as represálias são bem conhecidas por todos: mutilações, roubo de bens, sequestro de entes, ser queimado vivo, enfim, a lista continua indefinidamente. Quando tratam de punir devedores os bandidos podem ser extremamente criativos e cruéis.

Roberto gostava muito daquela erva verde de cheiro forte que tantos filhinhos de papai adoram. A sim, ele adorava viajar ao mundo dos duendes, arco-íris e cogumelos, levado pela forte fumaça branca que emanava do seu baseado. Mas aquela simples viagem não bastava mais, e ele começou a usar drogas mais pesadas, e claro, mais caras. Porém, seu emprego de garçom não era suficiente para sustentar aquelas extravagâncias. Era um órfão solteirão e suas economias eram na maior parte consumidas pelo aluguel. Mesmo assim ele foi descuidado, e comprou todo o tipo de comprimido colorido e ervas que pôde, pagando com promessas de quitar tudo quando recebesse o pobre salário.

Mas, como esperado, seu resumido dinheiro mal pagou metade do que ele havia usado e logo as ameaças chegaram aos seus ouvidos. Ficou sabendo por terceiros que teria seus dedões arrancados caso não pagasse sua dívida em um mês. Novamente seu pagamento chegou e mais uma vez não foi suficiente para quitar sua dívida. Os traficantes eram extremamente zelosos em relação ao dinheiro, se estivesse faltando um centavo era como se não tivessem recebido dinheiro algum. Roberto não tinha a quem recorrer, tentou pedir a uns "colegas" seus, mas esses já sabiam para que ele precisava do dinheiro e não dispuseram-se a ajuda-lo. Aliás, todos do bairro já sabiam e repetiam pela rua: "Você viu, acho que daqui um tempo o Roberto não vai mais poder segurar uma caneta".

Ele suplicou por uma nova chance para os traficantes, que foi dada depois de uma bela surra em público que atraiu olhares curiosos dos casebres. Ninguém tentou interromper o espancamento, todos sabiam que aquilo seria burrice. Não só isso como o valor da dívida que faltava foi dobrado e, caso Roberto não pagasse até o fim do mês ela por completo, sua cabeça daria adeus ao seu pescoço. O dia D chegou e Roberto, completamente desesperado e ainda meio torto devido a surra, pensou na única possível solução para seu problema: consultar Gnélia, a feiticeira da rua 15. Correu para lá desajeitadamente e antes que batesse na porta, esta se abriu. Uma velhinha arqueada apareceu, com poucos dentes sobrando na boca murcha e com um olho torto, vestia uma manta beje por sobre um vestido branco surrado e já amarelado. Seu pescoço era pesado de tantos colares de conchas e tampinhas de garrafa, seus braços eram cobertos de pulseiras coloridas.

- Entre querido, entre - Sua voz era trepidante e nasal.

Roberto foi acomodado em uma velha cadeira de madeira que rangeu alto ao receber seu peso. A velha o rodeava e soltava suspiros como se confirma-se algo que já sabia. Roberto sentia náuseas com o forte cheiro que emanava do casebre. A estranha idosa acomodou-se em um sofá atulhado com tralhas das mais variadas.

- Dona Gnélia, preciso muitão da sua ajuda! Os traficantes vão me pegar amanhã, não tem jeito! Não vô ter dinheiro de jeito nenhum pra pagar eles! Me ajuda mulher! - Roberto misturava suas palavras com gestos largos e desajeitados.

- Acalme-se moço, tenha dó viu! - Colocou as mãos nos olhos de Roberto os abrindo bem e observando suas avermelhadas pupilas com atenção - Vish, mas que zona essa cabeça sua, misericórdia! Então eles irão cortar sua cabeça se você não pagar né?

- É sim Dona Gnélia, é sim, é sim.... - Seu olhar estava distante e de repente ele voltou a si, levantando-se do sofá e andando em círculos - Eles vão rancar minha cabeça, vão sim. Como vô pagar eles, eim, não tem jeito. E agora?! Me ajuda mulher, me ajuda...

Antes de terminar de falar, Gnélia se levantou do sofá e acertou um forte tapa na cara de Roberto que caiu atordoado na deteriorada cadeira. Antes que pudesse reclamar da atitude agressiva da velhinha ela entrou no cômodo ao fundo do casebre, retornando com um pequeno caldeirão de ferro onde ervas aromáticas queimavam dentro soltando uma fumaça muito branca.

- Cheira isso menino, vai logo! - Enquanto falava, Gnélia balançava a panela perto do nariz de Roberto que estava em pânico. Mas mesmo atordoado obedeceu a ordem, ninguém desobedece Gnélia, é burrice fazer isso.

Logo que respirou a fumaça seus sentidos ficaram atordoados e sua visão tornou-se um borrão de cores mortas. Parecia estar em transe mas ainda conseguia ouvir Gnélia cantando uma desastrada canção numa língua que só ela conhecia. A canção o fez viajar para a sua conhecida terra das maravilhas, mas agora tudo estava cinza e desfocado dando um toque melancólico ao estranho lugar. Gnélia cobriu a cabeça de Roberto com um velho saco de pano.

- Agora durma, rapaz, durma. Os traficantes não irão fazer mais mal pra você, eu prometo.

E Roberto caiu num sono profundo.

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Acordou na sua casa com o som da porta da sala sendo arrombada logo cedo de manhã. Levantou-se rapidamente com o coração aos pulos pois sabia o que viria a seguir. Rapidamente fechou a porta do seu quarto tentando ganhar tempo, mas ela já estava nas últimas e foi facilmente derrubada. Quatro homens armados entraram no desarrumado cômodo.

- Mas que porra é essa maluco?! Ta me tirando?! Tira a porra desse saco da cabeça agora porra! - O baixinho da quadrilha gritava com roberto apontando a arma pra ele - É hoje que tu perde a cabeça maldito!

Roberto obedeceu prontamente e arrancou o saco de sua cabeça. Porém, o semblante ameaçador da quadrilha mudou para um misto de terror e pânico e rapidamente eles saíram correndo da casa como se suas vidas dependesse daquilo. Roberto, que já não era bom para entender coisas simples, ficou extremamente confuso com aquela reação inusitada e levou as mãos a cabeça para pensar. Porém, ao invés delas pararem em suas bochechas elas se encontraram fazendo um clap ecoar no barraco. Roberto correu para o banheiro e ao se olhar para o espelho tudo ficou evidente: sua cabeça tinha sumido!

Na rua dois barrigudos em um bar comentavam:

- Cê viu? O burro do Roberto foi na Gnélia pedir ajuda, só podia dar bosta mesmo viu.

- Pra fazer essas merdas só aquela mula mesmo, só que agora sem cabeça! - E os dois gargalharam alto.

Gabriel Freitas
Enviado por Gabriel Freitas em 29/03/2014
Reeditado em 30/03/2014
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