O Poço das Tocandiras...revisado e acrescido.

O Poço das Tocandiras

Jorge Linhaça

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“A tocandira, também conhecida como tucandeira, é uma formiga encontrada nas florestas tropicais brasileiras. Ela é facilmente reconhecida pelo tamanho: com 2 cm de comprimento, é oito vezes maior do que uma saúva operária (aquela formiga que carrega folhas para o ninho). Sua picada é tão dolorosa que algumas pessoas dizem ser pior do que um ferimento a bala. Esse fato lhe rendeu o nome de hormiga bala em espanhol e bullet ant em inglês (formiga bala na tradução literal). A cada picada, a neurotoxina das tocandiras ataca o sistema nervoso e causa uma dor lancinante, capaz de gerar alucinações. Em alguns lugares recebe o nome de 24 horas, tempo que a dor da picada geralmente leva para passar.”

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Embrenhei-me pela floresta com a finalidade de conhecer novas espécies e apreciar a flora e a fauna locais. Apesar dos alertas de que não deveria separar-me do grupo de estudantes , deixei-me arrebatar pela curiosidade e nem me dei conta de que afastara-me da turma. Tentando encontrar o caminho de volta, embrenhei-me ainda mais na mata densa, totalmente desorientado pela paisagem que me parecia tão semelhante em tudo.

Ouvi algumas vozes e acreditei que estava salvo, pois mesmo que não fosse o meu grupo, por certo poderiam me ajudar a retornar ao vilarejo. Não poderia estar mais enganado.

O que encontrei foi um grupo de caçadores clandestinos, recolhendo espécimes raros para contrabandeá-los para o exterior. Tão logo se aperceberam de minha presença, saltaram sobre mim com uma fúria incontida, armados e ameaçadores. Minha parca resistência foi em vão, despiram-me amarraram-me enquanto conversavam entre si para decidir o meu destino. Não podia ouvir ao certo o que diziam, mas por certo não havia de ser coisa boa.

O grupo voltou com um riso sádico no rosto, dizendo-me que se eu gostava tanto assim de conhecer os animais da floresta que iam me levar para um passeio inesquecível. Meus algozes arrastaram-me pela floresta até o pé de uma árvore secular, dessas que precisam de uns dez adultos para abraça-la. Vi quando cavaram o solo com enxadas e pás, cavando uma espécie de poço quase de minha altura. Uma colônia de tocandiras começou a se mobilizar inquieta enquanto era mantida à distância dos cavadores por outros que as "varriam" com ramos de árvores até a execução da tarefa sinistra. Fui arrastado em direção ao buraco que fervilhava das venenosas formigas cuja colônia havia sido parcialmente cortada.

Não adiantaram meus gritos de socorro, engolidos pelo silêncio sepulcral da floresta e nem pedidos de clemência ou promessas de jamais revelar o que vira. Amarrado, nada podia fazer senão confrontar o meu destino. Tão logo meus pés tocaram o solo, jogaram sobre mim a terra retirada anteriormente, enterrando-me, deixando apenas a minha cabeça para fora para que eu não sufocasse e eles assim ficassem privados de desfrutar de todo o desenrolar de meu martírio.

Senti as primeiras picadas das furiosas formigas de fogo em meu corpo nu. Parecia que lava cuspida de um vulcão corria em minhas veias, efeito do veneno neurotóxico dos insetos... Urrei de dor, tentei de alguma maneira livrar-me daquele túmulo demoníaco, tentava mover meu corpo de um lado para o outro, mas, essa ação apenas fazia com que a terra se compactasse cada vez mais ao meu redor e parecia enfurecer ainda mais as formigas. As ferroadas se multiplicavam causando-me uma dor insuportável enquanto que o veneno corria pelo meu sangue já atingindo o cérebro, causando-me alucinações.

As imagens distorciam-se à minha volta qual uma tela de Picasso; O meu estômago se convulsionava em uma ânsia infernal, como se os próprios órgãos internos tentassem forçar a passagem pelo meu esôfago, libertando-se da clausura macabra. Embora já não pudesse controlar meu corpo, a esta altura já provavelmente tomado de milhares de calombos originados das picadas, a dor era insuportável.

Rezava e implorava a todos os deuses, conhecidos e desconhecidos, para que aquele martírio logo acabasse e a morte me viesse como um anjo para libertar-me de tal suplício, mas a velha dama parecia estar de recesso, alheia, de todo, ao meu padecer. Não vi minha vida desfilar diante de meus olhos como um flashback cinematográfico, apenas imagens confusas, multicoloridas invadiam minha mente entorpecida e alucinada. À minha volta os meus carrascos riam, como que tomados pelos espíritos de mil demônios enviados do inferno para comemorar a minha tortura, comemorando cada urro, cada gemido que eu emitia em minha agonia surreal.

As formigas agora deslizavam pelo solo em direção à minha cabeça imobilizada. Tentei soprá-las para longe com o restante de minhas parcas forças em meu estado de semiconsciência letárgica, mas foi inútil, logo tomaram meu rosto qual um exército mongol a cair sobre suas vítimas, invadiram minhas narinas e ouvidos, picaram meus olhos, meu couro cabeludo sob o olhar extasiado de minha nefasta plateia. Até que, enfim, a suave mão da morte tocou-me a face já disforme pelas ferroadas e carregou minha alma para fora do meu corpo martirizado. Foi assim que deixei aquele corpo material disposto a executar minha vingança, caso e tão logo isso me fosse permitido.

Salvador, 22 de março de 2014