Olhos que riem
Para alguns, a felicidade suprema se caracteriza por um pedaço de chocolate, um abraço de amor, um sorriso de carinho, uma conversa alegre, um beijo, um gozo, um suspiro, muitas gargalhadas, a solidão, a calmaria, o status de popular, uma boa música, uma bebida quente que seja, mas para ele não, essas coisas eram inúteis. Comida era comida, pessoas eram inúteis, momentos desperdícios de tempo. Para ele a felicidade era o trabalho, para ele a felicidade era o seu trabalho, para ele a felicidade eram os olhos.
Digamos de certa forma que ele era antipático sempre, e apresentava empatia na necessidade. Agora mesmo, seu sorriso não chegava aos olhos, mas nem todos têm a percepção de olhar um sorriso e saber sua profundidade de realidade. O sorriso dele era uma casca vazia, e os olhos que o via era verde claro, belíssimas íris, grandes, permeados por espessos cílios negros. E esses olhos sorriam com sinceridade para os olhos falsos dele.
A pessoa de belos olhos era daquelas que acreditava na beleza da vida, na inocência dos homens, na felicidade alheia. Não se deixava abater pela tristeza, sorria pelos olhos, pela boca, pelo corpo, pelos gestos e iluminava o ambiente, um paradoxo com sua brilhante pele morena. A pessoa era uma formosa mulher. Crédula, simpática, tola de certo modo.
Ele olhava para ela e deseja roubar sua felicidade, desejava para si o sorriso dos olhos. E no intento de alcançá-lo engajou a pobre numa conversa mansa, cheio de meias palavras, muitos significados, malícia mal disfarçada, sedução forte, potente, premente. E ela não caiu? Caiu, feito um patinho, entregou sua boca em beijos, seu corpo em degustação e sorriu seus suspiros sinceros. E naquela conversa pós-coito ele pediu o sorriso de seus olhos, e eis que ela diz, são seus!
Ah, que sublime alegria, ele teria o que desejava, seus olhos, literalmente. O processo cirúrgico demorou o tempo de sua degustação. Sorriu e limou seus dedos no sangue. Cheirou a excitação, manuseou os instrumentos com precisão formosa, beliscou belicosamente a face pálida, beijou com loucura os lábios imóveis, gozou sobre o corpo duro, e se refastelou na mais pura alegria de alcançar seus objetivos.
Os olhos sorridentes foram delicadamente acoplados em vidrinhos com o que ele chama de Conservante do Amor. Espetados imóveis na galeria de horrores dos mais centenares de olhos azuis, verdes, marrons, negros, laranjas e mortos.
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