LANÇAMENTO FUTURO
A última luz do estacionamento foi acesa. O expediente terminou há duas horas.
No protocolo da agência, Lavigne ajeitou a alça do sutiã e sorriu cansada.
A moça desce três andares, vai pela escada porque tem medo de elevadores. Avista o único carro estacionado, o seu. A garagem está vazia mas a impressão de ser vigiada causa arrepio que chega ao cóccix.
Amanhã é feriado, todos já saíram.
Lavigne tem vinte e seis anos e é segura de si. É dessas mulheres que não precisam de homem em casa. Ela paga suas contas antecipadamente para ganhar desconto, tem senso de justiça, doa cupons para a caridade e dá gorjeta esnobe nas lojas do Shopping Iguatemi. Mas agora, enquanto procura as chaves, Lavigne está nervosa porque notou a sombra de alguém que atravessa o pátio vazio.
Lavigne mete a chave com força e quebra o metal. Finge atender o celular, a luz do ecrã ilumina seus grandes olhos. Olhos verdes arregalados de medo.
É mesmo um homem a figura que se aproxima. Não há outra coisa que fazer. Lavigne dá a volta e abre o porta malas. Entra as pressas no carro.
Está de gatinhas sobre o banco traseiro quando o homem bate o porta malas fazendo um estrondo que a tudo silencia.
No banco do motorista, Lavigne procura a chave de reserva que deixara no porta luvas. O silêncio cresce para dentro dela mão invisível que vai sufocando...
A chave não está lá, adivinha em pânico.
O homem é alto e forte. Usa chapéu, um casaco azul petróleo e tem na mão direita a chave reserva.
Ele vai para a porta, tenta sair. A porta não abre por dentro, não abre, não abre... Buzina, grito.
Lavigne se lembra do punhal, debaixo do banco de trás. Num instante, vira-se e estende o braço. Seu último gesto pela vida.
O homem já está dentro do carro e o punhal na mão dele.
Dura um décimo de segundo a identificação no olhar cruzado. Então, ele bate a cabeça da moça com violência contra a direção. Uma, duas, três vezes. O sangue jorra do nariz, dos ouvidos. A moça vomita, tenta respirar. Está viva, mas cega.
O sangue cobre do mundo o que ainda se pode ver, um golpe furioso desce certo da garganta até o coração.
Estranhamente o último pensamento de Lavigne foi de remorso.
Sentiu-se culpada por não ter arquivado o extrato de movimentos futuros que fizera pela manhã.
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Baltazar Gonçalves