O Último Dia do Mundo!
 


            E, do esteio desta minha enorme janela, vejo descer dos céus plúmbeos, vórtices incríveis perfazendo-se em garras, apanhando da seara de seus desencontros as criaturas humanas em seus passos miúdos de formigas desarvoradas.
            Nisso então, passa a consistir o arrebatamento tão propagado por religiosos de ordens diversas em seus púlpitos sagrados? Não se verá, conforme apregoavam, nem a face cândida de Deus, nem se ouvirá o sonho das harpas angelicais?

           O que se pode ver e sentir, a cada bafo de uma daquelas lâminas a tragar as almas dos habitantes deste orbe febril é que muito distante está a investida de ser algo sacrossanto.
            Por este desfecho a humanidade não esperava. Os meios de comunicação silenciados, provavelmente, por sinais do outro mundo encontraram-se mudos, assim como as bocas que antes defendiam a si mesmas nos palanques políticos da Terra.
            Ninguém nos avisou que assim se daria o apocalipse.
       Vi alguns jatos velozes sendo partidos ao meio por aquelas formas descomunais. Era o nosso fim nunca antes orquestrado.

 
           Vi, também, famílias em desespero deixando seus lares em veículos que eram sugados ao centro poderoso daquelas nuvens temerárias. Não havia mais o raiar do sol, nem o banho tênue do luar a nos deitar fascínio e embalar em cantos poéticos.
            Sobre e além das formas medonhas, podia-se ver, em breves momentos, a face arroxeada, cavernosa, repleta de pontas incríveis similares a cristais que brotavam de uma superfície de formato incerto, porém gigantesco. Um zumbido permanente no ar não nos permitia conciliar os sonhos e dormir era algo que pertencia ao nosso passado.
            Modificando-se em laços, vi as formas aparentemente enevoadas quebrando vidros envolvendo as pessoas e arrebatando-as para o interior daquelas densidades medonhas.
            Não havia fuga possível. Rendido e entregue, fiz o que havia de melhor a ser feito. Sentei-me na minha mais confortável e espaçosa poltrona a entornar o mais caro vinho de minha minúscula adega domiciliar. Cada gole aquecia-me o peito esquecendo-me de mim mesmo até que pela janela uma das formas sinistras adentrou.


            Como se me medisse e olhasse, aproximou-se e senti como se me cheirasse avaliando-me por inteiro. Similar a um cão que descarta o pior pedaço, recuou e passou a invadir minha casa cômodo a cômodo. Ao final, ainda voltou-se para mim e olhei para aquela aparência esfumada. Percebi como que um riso de escárnio e observei sua partida em busca, quem sabe, de uma presa mais promissora.
            Seja para o que fosse que executassem aquele processo seletivo, fui renegado a permanecer herdeiro de um mundo escolhido para ser abandonado à própria sorte...

            Saúde!