O TERROR DE CADA DIA
O inconsciente coletivo é uma coisa estranha, algo instintivo que nos fez temer ou gostar de coisas diferentes. Todos nós, ou ao menos a maioria, sente terror ou medo quando se pensa em morrer de maneira trágica, afogados; queimados vivos ou devorados por seres reais ou fantásticos que frequentem a nossa imaginação.
Mas existem pessoas mais suscetíveis que outras a se entregarem a fobias das mais diversas, de acordo com as mensagens ou a interpretação que nosso cérebro dê a elas.
Todos nós estamos sujeitos a dezenas de mensagens subliminares a cada dia. A cada propaganda de cerveja, por exemplo, vendem-nos a ideia de que o consumo desta ou aquela marca nos tornará mais atraentes para mulheres esculturais que, por sua vez são vendidas como o protótipo da beleza perfeita e da promessa de prazeres carnais incomparáveis.
Todos os ambientes onde se deslancham as ações dos tais comerciais são requintados e festivos, fazendo a associação de que a alegria de cada um depende do consumo da bebida.
Seria interessante ver um contra-comercial dessas cervejas ( ou qualquer outra bebida) mostrando os embriagados de plantão dando vexames, caídos pelas calçadas, ou sendo retirados das ferragens retorcidas de seus carros. Mas a realidade não vende.
Nas novelas e programas de grande audiência existe sempre o apelo para a sexualidade exacerbada, todo mundo pega todo mundo e ninguém é de ninguém. E no fim das contas todos se dão bem. Agora a moda é a redenção dos vilões nos 45 minutos do segundo tempo.
Somos, dioturnamente, manipulados por esse tipo de mensagem escondida e aos poucos a sociedade, geração após geração a vai repetindo na vida real, cada vez mais constantemente.
O mesmo acontece durante as campanhas políticas, onde marqueteiros profissionais são contratados para realçar as pouquíssimas qualidades e esconder os muitíssimos defeitos dos candidatos e de suas administrações e grande parte da população se deixa levar pela manipulação exaustiva, pelo desvio dos focos principais dos problemas.
Afinal em cada campanha aparece um candidato andando tranquilamente de metrô, com meia dúzia de figurantes contratados para contracenar naquele momento. A mensagem passada é de que o transporte público é eficiente e confortável, você é que é azarado é só “pega” metrô no horário que está cheio.
Acabamos por comprar a ideia de que uma campanha eleitoral é uma disputa entre anjos e demônios e escolhemos um dos lados assim como quem escolhe um time de futebol, movidos por uma paixão insana e o sentimento de que nossa vida sofrerá alguma mudança significativa se nosso time for campeão ou massacrar o adversário. Nada mais longe da realidade.
A preponderância das mensagens subliminares nos leva a fanatismos e comportamentos dúbios, com os quais nos acostumamos e passamos a considerar normais, expondo-nos a todo tipo de perigo, como os incautos personagens de filmes de terror, aqueles que são sempre os primeiros a irem pra terra dos pé juntos.
Nesse nosso mundo (do terror) povoado de personagens fantásticos, os mocinhos e a mocinhas são sempre atraentes para o sexo oposto, sempre pré-dispostos a lugares ermos e a uma boa oportunidade para transar.
Mesmo nos filmes mais antigos, nenhum vampiro que se preze ataca alguma baranga, suas vítimas são sempre jovens e sensuais moças que hipnoticamente se entregam aos encantamentos do sanguessuga, consentindo na penetração de seu corpo e alma pelas presas afiadas do monstro.
Note-se que a mordida sempre se dá no pescoço, zona sabidamente erótica para a maioria das mulheres e o enquadramento da cena na grande maioria das vezes mostra-nos o colo alvo e sedutor da vítima.
Por alguns instantes ficamos sem saber se gostaríamos de ser o tal vampiro ou destruir o monstro. Tudo muito glamourizado e erotizado, aumentando essa dose de luxúria explícita com o decorrer do tempo.
No filme “Drácula, de Bran Stoker” o sexo torna-se quase explícito numa orgia vampírica das escravas do conde ao atacar o “mocinho” da película. Mais uma vez muitos de nós não acharíamos nada mal ser vampirizados pelas beldades ali presentes. Até certo ponto, claro.
A verdade é que a atração que os filmes de terror exercem sobre nós está ligada à mistura de romantismo e morte inesperada (?). Os franceses chamam ao orgasmo pleno de “pequena morte” tamanha a perda de controle que sobre nossos atos e músculos durante esse ato.
Os filmes de terror usam e abusam dessa premissa em seus filmes, transformando a “pequena morte” em morte real, muitas vezes durante o coito.
Mas a verdade é que, ao contrário dos filmes, nos expomos a perigos tão grandes ou maiores dos que aqueles que desfilam nas telas. Não são raros os casos de homens e mulheres assassinados pelos amantes que pretendem auferir algum lucro fácil do evento. Assim como não são raros os casos de abuso sexual, cada vez mais crescentes devido, em muito, à proliferação de comportamentos estimulados pelas músicas lascivas, propagandas e programas televisivos, inclusive as novelas.
A sensualização precoce, nas vestimentas e comportamentos de crianças e adolescentes - que são os que mais se deixam levar pelo que é apelativo- deflagram gatilhos ocultos na mente humana e a sensação de que tudo é permissível ou de que ”não existe pecado do lado de baixo do Equador”.
Isso, unido à flagrante desconstrução do senso moral da sociedade e à desagregação familiar (ao mesmo tempo causa e efeito dos “novos tempos”) cria uma sociedade recheada de sociopatas e psicopatas capazes de fazer parecerem santos os Hanibais, Chuckies e Jasons das telas.
Já não se trata de personagens fictícios criados para nos divertir ou atingir nossas fobias instintivas, trata-se da realidade do dia a dia, onde uma linda jovem sensual pode ser a sua passagem para o inferno; Onde um elegante e refinado rapaz pode ser o último rosto que se verá nesta vida; onde o horror do abuso sexual pode estar dentro da própria casa.
Uma sociedade onde os vampiros não sugam o nosso sangue, literalmente, mas sugam nossas almas e recursos financeiros, nossa energia e a nossa vontade própria sem que nos demos conta disso.
Das roupas apelativas e do corpo sarado para o assédio é um pulo, do assédio para o sexo nem sempre consensual mais um passo. E nas mentes de alguns, incapazes de se enquadrar mentalmente nos estereótipos criados do que é ser um cara ou garota de sucesso, no que tange às relações emocionais, o caminho para a criminalidade e o estupro está traçado.
Se não posso ter por bem vou ter por mal, afinal se ela (ele) está se oferendo com sua dança, comportamento e roupas e , ainda assim, me rejeita, eu tenho o direito de tomar à força o que pode ser de qualquer um.
Fim do mundo? Já o vivemos no dia a dia, não precisamos de asteroides, tsunamis ou invasões alienígenas.
Nossos olhos estão desfocados e não vemos os monstros à nossa volta, não percebemos, nem diante do espelho, que estamos pouco a pouco nos transformando em um exército de canibais, prontos a cair sobre nossas vítimas e devorar suas carnes com a desculpa de que isso nos proporciona prazer.
Não importa quantos abortos, quantas DST se propaguem a cada dia após noites de paixão carnal e irresponsável. Afinal não sabemos nem o nome do fulano ou da sicrana com quem passamos a noite naquela festa ou balada.
Não estamos nem aí para as consequências de nossos atos, não importa quantas crianças crescerão sem pai em condições precárias e alijadas de qualquer senso de moral.
O que nos importa é satisfazer nossos desejos.
Não importa quantas pessoas morram para que aquele cigarrinho de maconha ou aquela pedra de crack, ou aquele comprimido de extasy cheguem às nossas mãos, não importa se isso financia o crime organizado, o estupro, o assassinato de pais de família. Importa apenas o barato que podemos sentir. Afinal se um "nóia" matou alguém pra comprar minha mercadoria o problema é dele, eu só vendo.
Se alguém se embebedou e matou várias pessoas num “acidente” de trânsito, eu não tenho nada com isso, eu apenas fabrico ou vendo a bebida.
Se nos meus shows a droga e o sexo rolam soltos, a culpa não é minha, eu só canto as músicas e não obrigo ninguém a se comportar daquele jeito.
E assim vamos criando uma sociedade de párias, de todas as classes sociais, anestesiados em sua consciência, desprovidos de qualquer senso moral e ético, devidamente escondidos sob o manto do aparentemente legal ou da impunidade cada vez mais patente.
Como personagens de filmes de terror que fazem pactos com seres das profundezas, acreditamos não ter nada a perder, senão nossas próprias almas e acreditamos que na última hora ainda poderemos ludibriar o demônio.
Só que nós mesmos vamos-nos transformando em demônios, tal e qual os meninos do conto de Pinóquio se transformavam em burros, e não nos damos conta disso. Somos levados tal qual ovelhas ao matadouro do diabo e ainda festejamos em meio a essa procissão macabra de seres sem alma da qual fazemos parte.
Os parcos sobreviventes do visível holocausto diário ainda resistem em pequenos guetos, ainda procuram manter viva a chama da sanidade, mas o vírus se alastra; se dissemina e o contágio é iminente.
Apocalipse Zumbi? Sim, o que mais vemos nas ruas são mortos-vivos movidos apenas pelos seus mais baixos instintos de sobrevivência, buscando alimentar-se daqueles que ainda possuem alguma luz ao seu redor, buscando torna-los tão miseráveis quanto eles mesmos.
As sombras nos cercam por todos os lados, e pobre daquele que não tiver sua própria fonte de luz. Será tragado pelas trevas e perder-se-á pelo caminho.