TERROR NO BRIGUE PALHAÇO

Terror no Brigue Palhaço

Jorge Linhaça

Corria o ano de 1823 na cidade de Belém do Pará, havia ali uma intensa resistência em aceitar a independência proclamada por D.Pedro I e muitos, agregados ao partido dos caramurus apoiavam a submissão à coroa portuguesa. Nesse cenário, os chamados “cabanos” que compunham a camada mais pobre da população, formada por índios destribalizados, mestiços e negros, compondo em boa parte a força policial da cidade, eram os que mais punham suas esperanças na criação de um novo país, livre das regalias que os estrangeiros recebiam. Sim, estrangeiros pois a população estrangeira no Grão Pará não era composta apenas de portugueses mas também de ingleses e franceses que dominavam a economia da região.

D.Pedro I enviou para o porto de Belém o inglês John Pascoe Grenfell com a incumbência de forçar a rendição dos revoltosos portugueses e estabelecer a aceitação do novo governo brasileiro. Acuados com a ameaça de um bombardeio sobre a cidade os líderes locais “aderiram” aparentemente à independência do Brasil.

No entanto para as tropas locais pouco mudou, havia um diferença de tratamento entre os nativos e os oriundos das tropas portuguesas, os soldos eram pagos irregularmente e isso gerou uma tensão terrível com as tropas “nativas” acuando o governo local ( formado pela elite dos portugueses) em busca de mais liberdade e de seu direito de melhores condições de vida.

Na noite de 16 de outubro, um grupo de soldados do 2º Regimento de Artilharia de Belém e de desordeiros embriagados, voltou a efetuar ataques a estabelecimentos comerciais portugueses na cidade, iniciados na noite anterior. Somente foram contidos pelo desembarque das tropas de Grenfell que no dia 17 fuzilaram sumariamente 5 deles me praça pública, além de recolher quase trezentos outros á cadeia local.

No dia 20 de outubro, temerosos que a cadeia fosse destruída 256 pobres almas foram transferidas para o porão do Brigue Palhaço, confinados em um espaço exíguo e com a escotilhas lacradas com exceção de uma pequena fresta para ventilação.

O calor sufocante acirrou os ânimos dos prisioneiros que clamavam por mais ventilação e por receberam água, implorando por suas vidas.

A tripulação de mercenários do brigue, despreparada para tal situação, e movida pelo sadismo e medo que geralmente acomete os que se acham em uma posição de poder iniciaram então o circo de horrores.

Ao invés de atenderem às súplicas dos desgraçados, sua primeira atitude foi de disparar contra o porão de modo que 12 dos prisioneiros morreram fuzilados, causando ainda mais revolta dos restantes. Insatisfeitos com o feito, e movidos pela influência do próprio demônio que os guiava, lançaram ao porão uma tina de água salobra, imprestável, a qual foi consumida desesperadamente pelos já torturados prisioneiros desidratados, que a consumiam da maneira como podiam, mergulhando as mãos na água, enfiando a cara nela como os animais, ou como lá pudessem. O horror estava apenas começando, enlouquecidos pelo calor e pela desidratação, acentuada pela água salgada, alguns lançaram-se uns sobre os outros , acometidos de alucinações e desespero pela sobrevivência, causando tamanho tumulto no pequeno espaço que a tripulação covarde e inepta lançou sobre eles uma nuvem de cal virgem , trancando a única entrada de ar.

Na escuridão do porão os prisioneiros, loucos pela sede, pelo calor e pelas feridas causadas fora e dentro dos corpos pela cal virgem, lutavam desesperadamente para sobreviver, rasgavam as próprias carnes para livrar-se das queimaduras, suas gargantas queimavam, seus olhos ardiam, o ar que respiravam lhes incendiava as entranhas, num suplício sem fim.

Seus gritos eram ignorados pelos tripulantes que se regozijavam ao ouvir seus gritos, como que a sentir-se capitães das hostes infernais a supliciar as almas dos pecadores. Os gritos de dor e de horror preenchiam a noite no porto de Belém como se os próprios portões do inferno fossem abertos e todos os seus demônios vagassem sobre aquele navio.

As gargalhadas dos tripulantes soavam como as das bruxas que vemos em filmes, ou como sons guturais de ogros assassinos, tornando ainda mais macabro o coro que podia se ouvir à distância.

No dia seguinte, ao abrirem-se as escotilhas e o acesso ao porão, o quadro era dantesco, 252 corpos desfigurados, amontoados em posições de pura agonia jaziam sem vida no porão do Brigue Palhaço, 4 pobres coitados ainda sobreviveram . Destes, apenas João Tapuia logrou sobreviver aos próximos dias. Vindo a falecer dias depois.

Como sempre, ninguém assumiu a responsabilidade pelo episódio, todos os comandantes eximiram-se de haver dado qualquer ordem nesse sentido. Ninguém jamais foi punido.

As hostes satânicas haviam cumprido seu sinistro festim naquela noite pouco lembrada da nossa história.