O Refém Maldito

A rua estava mal-iluminada e os pedestres eram raros, mas eu sabia que meu alvo passaria por ali, cedo ou tarde ele passaria. Dito e feito, quando eram dez e quatro da noite, meu alvo se aproximava em um sedan azul-escuro e prontamente dei o sinal pelo rádio.

- Alvo a vista! Quando eu der a ordem, cerquem ele e tirem ele do carro o mais rápido possível!

- Pode deixar com a gente - Responderam pelo rádio.

Meus capangas estavam com suas duas vans pretas estacionados em vielas de lados opostos da rua, quando a vítima passasse de carro pelo primeiro deles, ambos entrariam na rua e cercariam ela. Tudo aconteceu num piscar de olhos: o sedan azul aproximava-se em média velocidade quando meus comparsas bloquearam seu caminho a frente e atrás, desceram dos carros armados e renderam facilmente nosso alvo jogando ele em uma das vans e partindo em velocidade em minha direção. Desci rapidamente do telhado em que estava e entrei na porta de trás da van.

- Então você é o miserável que vem roubando meus clientes, não é? - Dito isto dei um forte tapa na cabeça de Lúcio, nome da vitima que era um maldito traficante que vinha me trazendo prejuízo. Ele estava encapuzado e ao receber o tapa limitou-se a soltar uma fungada forte.

"Quero ver se será tão insolente quando começarmos nossos joguinhos" pensei dando um pequeno sorriso.

Rapidamente chegamos a nossa central de operações, uma grande e velha casa, onde entramos pela larga garagem com as duas vans. Com muitos socos, pontapés e solavancos, nós quatro levamos Lúcio para cima, a tortura logo teria início.

Desajeitadamente jogamos ele numa cadeira rústica de madeira onde o prendemos firmemente com cordas, amarrando seus pulsos atrás do corpo com arame farpado. Todos riam e dividimos uma larga dose de vodka enquanto Lúcio apenas fungava baixo e respirava aceleradamente. "Ele deve estar se cagando de medo" pensei.

Nos equipamos de facas, bisturis e um galão de soda caustica para fechar com chave de ouro.

- Pois bem caro Lúcio, quero que me diga onde está o dinheiro da droga que vem vendendo na minha área. Se falar logo, melhor para você, temos o dia todo - Eu falava em tom claro e ameaçador, e ao perceber o silêncio de Lúcio, Julio, de quase dois metros de altura e orgulhoso de já ter matado vários homens no braço, deu um soco com toda sua força na cabeça de Lúcio.

A força foi tanta que Lúcio caiu para trás junto com a velha cadeira. Meu outros dois capangas levantaram-no mas ele ainda não havia emitido nenhum protesto de dor, apenas respirava rapidamente e soltava fungadas de ar de tempos em tempos, chacoalhando a cabeça. Foi então que Julio tirou o capuz de Lúcio e as risadas deram lugar a um terror mudo. Os olhos de Lúcio eram órbitas vazias onde duas chamas queimavas, seus dentes eram longos, amarelados e pontiagudos, seu cabelo era uma fumaça densa e preta que se agitava loucamente sobre sua cabeça. Logo que o capuz foi retirado, Lúcio, que para mim naquele momento passou a ser Lúcifer em pessoa, forçou os pulsos contra o arame farpado que partiu-se facilmente.

Suas unhas eram longas e desajeitadamente usou elas para cortar as cordas que o prendiam na cadeira, o que fez de forma tão desesperada que acabou cortando a si mesmo e um sangue azulado correu de suas feridas. Os dois capangas que haviam levantado Lúcio estavam tão aterrorizados que estacaram aonde estavam, com os olhos arregalados, suando e tremendo. Logo que Lúcio livrou-se das amarras, eles foram agarrados pelos pescoços que foram quebrados com um som alto de estalo. Foi esse som que tirou o êxtase de pânico em que estava imerso, e rapidamente saquei minha arma e descarreguei o pente no peito da criatura, que recuou devido a força dos disparos mas não caiu depois de atirada a última bala. Julio aproveitou esse momento e atacou a criatura com uma larga faca de açougueiro, mas a criatura parou o golpe com sua mão direita, perdendo dois de seus grotescos dedos e sujando o chão com seu fétido sangue azul escuro. A ferida não teve efeito na criatura, que puxou Julio para perto com uma força incrível e cravou seus longos dentes em sua garganta, fazendo um guincho apavorante de dor vibrar pelas paredes da casa.

Quando Julio parou de se debater nos braços da criatura, ela lançou seu cadáver em minha direção e fui derrubado no chão de madeira da velha casa. Minha visão estava turva mas consegui ver a distância de um braço o galão com a soda caustica. Sem pensar duas vezes, levantei aos tropeços e agarrei o galão me afastando da criatura correndo para o fundo da sala. Ele corria em minha direção quando saquei o canivete em minha cintura e cortei fora a tampa do galão num desespero violento. O líquido de cheiro forte molhou minhas mãos e braços e uma dor lancinante me fez vacilar. No entanto, o terror que aquela criatura correndo em minha direção causou superou em muito meu torpor, sem pensar em mais nada lancei o líquido na direção de sua hedionda face. Pela primeira vez Lúcio, ou o que fora ele, pareceu ligar para dor, e emitiu um grito agudo e nada humano que quase me deixou surdo. Muita fumaça saía de sua face deformada em parte dissolvida pela soda, e com as mãos ao redor da cabeça a criatura recuou, guinchando e contraindo seu corpo de forma grotesca, até que soltou um grito mais alto que todos os outros caindo em uma poça de seu nojento sangue azul.

Não me atrevia a chegar perto da criatura, mesmo aparentemente morta, e me dirigia a porta que saia para a garagem quando um som de madeira rangendo quebrou o silêncio: o sangue da criatura, junto com a soda do galão, havia dissolvido o chão da casa e num momento eu estava na garagem em baixo de tábuas de madeira. Rapidamente perdi a consciência e quando acordei já estava aqui, num quarto do Hospício Municipal. Mas juro que tudo isso aconteceu, apesar de não terem achado a criatura no local ou mesmo meus capangas. Afinal não estou louco, estou?

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Esse escrito foi encontrado anos atrás, quando eu e meus amigos explorávamos uma velha construção da minha cidade. Desde aquele dia, nunca mais andei invadindo prédios velhos, isso eu te garanto, pois as sensações que tive ao ler isso naquele quarto com as paredes acolchoadas foram pavorosas. Se isso aconteceu realmente? Bom, achei esse escrito junto de dois dedos com largas unhas pretas que depois enterrei em meu quintal, então você decide a validade dele!

Gabriel Freitas
Enviado por Gabriel Freitas em 09/03/2014
Reeditado em 14/03/2014
Código do texto: T4721745
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