ESTRANHOS RELATOS DO CORPO DE BOMBEIROS
O Corpo de Bombeiros Militar (CBM [corporação auxiliar e reserva do exercito nacional do Brasil]) tem como principal objetivo a guarda da defesa civil e da segurança publica em geral. Diariamente, os Bombeiros dos estados Brasileiros atendem diversos tipos de casos, dos quais milhares de vidas são salvas. É muito comum a mídia nacional sempre destacar em seus jornais as histórias dos casos mais famosos de sucesso nesses resgates. No entanto, existe uma parcela dessas ocorrências que é dedicada ao atendimento de casos extremamente atípicos e, definitivamente, estranhos. Podendo até serem considerados como bizarros.
Abaixo, apresentamos quatro relatos obtidos de oficiais diretamente envolvidos em casos que, geralmente, não se veem aparecendo nos noticiários dos jornais. Atenção: a natureza desses casos, certamente, vai surpreender você.
Relato nº: 1
Unidade: Guarapiranga. São Paulo
Capitão: Marcio Teixeira
Chegamos à frente da casa. Um senhor, que se identificou como Tita, disse que havia nos chamado. Questionamos o motivo e fomos informados que o vizinho dele, Glauber, não era visto há mais de sete dias, e a preocupação era grande em razão do próprio Glauber, anteriormente, ter reclamado que passava por uma fase de depressão, devido ao termino do casamento. Tita também alegou que outros vizinhos haviam chamado por Glauber, mas não obtiveram respostas. Perguntei se o vizinho sumido possuía família, e fui informado que a única pessoa que era vista entrando na casa, nos últimos meses, era uma mulher, a qual aparentemente não possuía relação familiar.
Fomos ao portão da residência. Tocamos a campainha e gritamos pelo nome do proprietário. Mas não obtivemos resposta, como era de se esperar. Apanhamos nossas ferramentas e abrimos o portão facilmente. Os populares ficaram no lado de fora, querendo entrar também, mas não autorizamos. Passamos pela garagem e vimos que havia um veículo estacionado; um Volkswagen do modelo Santana Quantum, o qual, segundo Tita, era o veículo de Glauber. Em seguida, abrimos a porta da sala e eu entrei primeiro...
Cheiro de morte.
Logo atrás, o Tenente Hélio Fontana entrou, acompanhado do Subtenente Vitor Menezes. De imediato, constatamos que a casa estava organizada e limpa, sem evidências de lutas corporais ou indícios de assaltos ou arrombamentos; parecia até que uma faxineira havia passado no local naquela manhã. Mas, o cheiro ruim era agressivo. Então, nos preparamos para o pior.
A preparação não foi em vão.
O primeiro cômodo que acessamos após sair da sala era um quarto de casal. Nele havia uma cama em formato de coração com um corpo sobre ela; nu e sem a cabeça. Quando me aproximei do cadáver percebi a falta de marcas de sangue. Salvo algumas manchas no travesseiro, onde a cabeça deveria estar, não havia mais marcas.
Em seguida, a primeira coisa que, ironicamente, veio à nossa “cabeça” era justamente onde estava à cabeça do morto. Deixamos o quarto e verificamos os demais cômodos da casa e nada encontramos. Tudo ao redor, exceto o cadáver decapitado e seu mau cheiro, parecia estar em ordem. Retornamos à sala e, enquanto o Subtenente Vitor Menezes tentava conter a curiosidade dos populares do lado de fora, eu e o Tenente Hélio Fontana estávamos tentando entrar em contato com os peritos criminais. O clima tornava-se cada vez mais tenso e pesado. O odor pútrido advindo do pescoço decepado começava a aumentar com o passar do tempo, e as náuseas não demoraram a chegar. Quando eu estava com o rádio posto sobre o ouvido percebi que as pupilas do tenente dilataram-se, e ele apontou o dedo para um dos cantos da sala.
Um aquário.
Atirei o rádio no sofá e fui em direção ao aquário, quase correndo.
- Por Deus... Como não olhamos isso antes! – Disse para o tenente, quando percebi que havia uma cabeça mergulhada naquela caixa de vidro.
A água estava quase da cor laranja. A bomba de oxigênio ainda operava normalmente e os pequenos peixes nadavam de um lado para o outro, como se nada houvesse acontecido. Porém, uma cabeça humana estava lá dentro. Os olhos estavam abertos, em razão das pálpebras terem sido costuradas nas sobrancelhas; o cabelo liso dançava em meio aos movimentos d’água, como um coral de algas; e a boca estava escancarada, como se estivesse gritando para a eternidade.
Até os dias de hoje, quando questiono meus colegas de trabalho, e os peritos envolvidos no caso, não recebo respostas ou soluções lógicas para o que aconteceu naquela casa. Esse homicídio ainda está em aberto e sem solução. No entanto, rotineiramente tenho sonhos - ou melhor - pesadelos, estranhos envolvendo esse fato. Nesses pesadelos, eu me vejo novamente no interior daquela sala e, ao olhar para a cabeça dentro do aquário, ela olha para mim e mexe a boca como se quisesse falar algo, sem conseguir. A agonia desta cena não saí da minha cabeça.
FIM DO RELATO.
Relato nº: 2
Unidade: 14º Batalhão do interior do Paraná
Capitão: Mariano Oliveira
O chamado foi realizado por um número de celular. A alegação era que um acidente grave, onde um veículo havia saído da pista e capotado diversas vezes, só parando após bater em uma arvore, havia acabado de acontecer em um determinado trecho da Rodovia Regis Bitencourt, no sentido do interior. A atendente que recebeu o chamado direcionou a ocorrência à minha equipe, pois estávamos próximos ao local.
Partimos rapidamente na direção do acidente e, chegando ao quilometro informado pela atendente, que era o 175 sentido Paraná, não conseguimos ver o veículo, apenas as marcas da frenagem que levavam ao canteiro e, posteriormente, à vegetação alta. Logo, deduzimos que o carro poderia ter capotado até entrar na vegetação. Então, desci pelo barranco abaixo do canteiro, junto do cabo Jesus e do tenente Queiróz, e logo avistamos um veículo de passeio, tombado; um Chevrolet Meriva.
Passamos pela vegetação e chegamos até o local. Abaixei-me e verifiquei que havia duas pessoas, com as seguintes condições: o motorista, adulto, não estava preso ao cinto de segurança e, por consequência da ausência do cinto, sofrera morte instantânea, pois constatei uma grande quantidade de sangue que vertia das narinas, ouvidos, boca e olhos, além de parte da dura-máter que escorria através de um ferimento que afundara o crânio; e o que estava no banco do passageiro, uma criança presa ao cinto e inconsciente, possuía apenas escoriações no rosto e estava com o antebraço direito prensado entre a porta e o teto.
Imediatamente, iniciamos os procedimentos para a retirada das vitimas, dando prioridade à criança, pois ainda estava viva. Até que escutamos um barulho de toque de celular. Era o aparelho tocando no bolso do condutor morto.
- E agora? Devo atender? – Indaguei ao Tenente Queiróz.
- Acho que sim capitão. Mas se prepare para dar a péssima noticia!
Então, meti a mão no bolso da vitima fatal e, com um enorme peso no coração, apanhei o celular. Era uma chamada oriunda de um número desconhecido.
- Alô... Aqui é o Capitão Mariano, do corpo de bombeiros. Quem está falando. – Disse ao celular, sem saber quem se tratava. No entanto, a resposta do outro lado da linha me surpreendeu.
- É você capitão? Aqui é da central. Estamos retornando para o Marcos, o rapaz que fez a ligação sobre o acidente. Ele está ai com você? – Disse a atendente responsável pelo chamado.
- Não... Não tem nenhum Marcos aqui. Esse é o telefone da vitima. Quem te ligou? O que a pessoa disse?
- Estranho capitão. Quem ligou se identificou como Marcos Tadeu. Disse que acabara de sofrer um acidente na Rodovia Regis Bitencourt, no quilometro 175, e que o carro estava quase escondido em meio à vegetação. Eu questionei como ele estava, e ele disse que estava bem, mas demonstrava muita preocupação com o filho pequeno, que estava com o braço preso. Então, eu disse que uma unidade já estava à caminho e que eu retornaria dentro de instantes.
- Ele se identificou como Marcos?
- Sim, Marcos Tadeu.
- Certo, vou verificar uma coisa aqui e já retorno para você.
Desliguei o celular e coloquei a mão no outro bolso da calça do condutor. Encontrei a carteira. Dela, tirei uma habilitação e verifiquei o nome: Marcos Tadeu.
Eu nunca havia chorado em uma ocorrência. Mas naquele dia, toda a equipe se comoveu com o fato. Se me for questionado como uma pessoa morta, com parte do crânio afundada, e com litros de sangue escorrendo dos diversos orifícios da cabeça, consegue realizar uma ligação telefônica, eu não saberei responder. Mas, a única coisa que sei é que se aquela ligação não fosse feita, com 100% de certeza, a criança que estava sentada no banco do passageiro, Lucas Tadeu, o filho do condutor morto, não iria sobreviver por muito tempo sem nossa ajuda.
FIM DO RELATO
Relato nº: 3
Unidade: Batalhão de Primavera do Leste, Mato Grosso.
Sargento: Aquiles da Fonseca
No inicio, acreditamos que a chamada seria apenas um trote. Não pela natureza da ocorrência – uma senhora de idade, atacada ferozmente por seu gato de estimação - mas sim pela difícil localização da residência. Entramos em um pequeno acesso no quilometro 176 da Rodovia MT-130, que mais se parecia com uma trilha, e dirigimos quase um quilometro até avistarmos a placa que indicava “Sítio do Gonzaga”, local de onde a chamada havia sido feita. O lugar, o tal do sítio, mais se parecia com uma chácara abandonada. Ninguém estava à porteira, então, acessamos o terreiro que ficava na frente da única casa que ainda estava de pé. Ninguém veio ao nosso encontro.
Ao descer da unidade de socorro, tomei a iniciativa de chamar pelo nome da senhora que fizera a ligação; Dona Antônia. Em seguida, o Cabo Vieira desceu acompanhado pelo tenente Thiago e pela Subtenente Alessandra. Juntos, partimos em direção à porta da residência. Da soleira, mais uma vez chamei alto para quem quer que fosse... Mas não obtive nenhuma resposta. Logo, decidimos entrar na casa.
Abrimos a porta e entramos na cozinha. Uma senhora estava caída no chão, segurando um celular. Deduzimos que se tratava de Antônia. Seu rosto estava irreconhecível, pois a pele estava solta, possivelmente cortada de maneira grave na parte superior da cabeça. Um dos globos oculares saltava da orbita. Os braços também apresentavam ferimentos e havia muita quantidade de sangue.
Imediatamente, iniciamos os procedimentos médicos, tentando apurar detalhadamente como estava o estado da senhora. Mas não tardamos a descobrir que infelizmente os ferimentos eram muito graves e ela perdera muito sangue.
Antônia não respirava, ou apresentava pulso.
- Por Deus, Sargento... Isso não foi um gato! – Exclamou o tenente Marcos.
Por cerca meio minuto, eu e meus colegas ficamos imóveis e em silêncio. Nenhum ruído era escutado no interior da casa, salvo as nossas respirações, já ofegantes àquele ponto. Até que, em determinado momento, o silencio foi cortado por um forte barulho oriundo de um dos cômodos da casa, localizado além do corredor que se iniciava na cozinha onde estávamos. Um barulho como o de um vaso de porcelana sendo derrubado e quebrando-se ao cair no chão. Todos nós quase pulamos ao mesmo tempo.
- Que porra foi essa! – Exclamou a subtenente.
- Fiquem todos quietos aqui. Eu vou verificar o que é. – Eu disse para meus colegas, tentando demonstrar que a situação, ainda, estava sobre o nosso controle.
- Não sargento. Não vá! É melhor voltarmos para a unidade e esperarmos lá. – Completou a subtenente.
- Não! Precisamos entender o que está acontecendo aqui. Eu vou verificar e vocês me esperem. – Respondi à Alessandra.
- Não Sargento... Todos nós vamos juntos! – Disse, por fim, o cabo Vieira.
Partimos em direção ao corredor que dava aos demais cômodos da velha casa. Eu ia à frente, como se estivesse puxando uma fila indiana. Atrás de mim estava Alessandra, seguida de Vieira e de Thiago. Passamos por um dormitório e, logo à frente, uma espécie de lavanderia. Até que chegamos ao fim do corredor e nos deparamos com uma grande sala, na qual avistamos o animal, sentando sobre o tapete de centro, balançando a calda e olhando para nós.
Era uma Suçuarana adulta, mais conhecida como “Onça Parda”, com cerca de 1,5 metro, desde a ponta da calda até o focinho, que se erguera e apontava para nós. Os olhos azuis do animal nos encaravam com frieza, e ele nos transmitia uma autoridade que nunca antes havíamos visto. Confesso, e não tenho vergonha de dizer, que no momento em que fitei os olhos daquela fera, e a contemplei lambendo os dentes da boca com sua língua cor de rosa, tive que trabalhar meus músculos para conter uma eminente evacuação que poderia sujar as calças da minha farda, ali mesmo, tamanho foi o pavor que senti ao ficar frente a frente com aquele animal.
- Não virem-se de costas! Vamos andando para trás... Na ponta dos pés! – Sussurrei aos meus companheiros. E a fera permanecia parada, nos encarando firmemente. A calda batendo no tapete, contando os segundos.
Mas, como se um surto de histeria coletiva tivesse nos tomado, corremos em disparada na direção do quarto que estava mais perto – o dormitório. Entramos, os quatro, e fechamos a porta em seguida. A luz não precisou ser acesa, pois a janela com grades estava aberta, e a claridade do dia iluminava bem o ambiente. Um quarto simples, com uma cama de casal, um guarda roupa e outros pequenos móveis, que cheiravam naftalina e incenso de casa de venda de artigos para Candomblé e Umbanda.
- Meu Deus! O que vamos Fazer? O Rádio está na unidade, lá fora – Exclamou Alessandra.
- Alguém está com celular ai? – Questionei.
Todos haviam deixado os telefones celulares no interior da unidade de socorro, como fora ensinado no treinamento. O rádio ficara na cabine da unidade.
- E agora o que vamos fazer? Vamos ficar aqui presos... Com esse bicho do caralho ai do lado de fora... Pronto para nos atacar? – Questionou Vieira, demonstrando estar tomado pelo pânico.
- Bom, pessoal, alguém tem que ir até o nosso carro, para pegar o radio e pedir ajuda! – Falei à equipe.
Lembro-me que discutimos por alguns minutos sobre como faríamos para sair do quarto, sem correr riscos de sofrermos algum ataque da Onça. Chegamos à conclusão que, em razão de ser um animal arisco, ele deveria estar com medo. Logo, se saíssemos rápido, e todos juntos, com certeza a Onça parda não avançaria sobre nós, e chegaríamos com segurança ao lado de fora da casa.
Eu e minha equipe nos preparamos. Parecia muito fácil, mas, o fato de saber que a Suçuarana estava solta na sala da casa, nos transmitia uma terrível sensação de vulnerabilidade. A distancia entre o quarto em que estávamos presos até a nossa unidade, estacionada quase na porta da casa, não chegava a quinze metros. No entanto, parecia que seria o maior trajeto de nossas vidas. De dentro do quarto, não escutávamos nenhum ruído vindo do lado de fora, e isso causava a impressão de que o animal estaria bem à porta do quarto.
- Acho melhor não sairmos correndo! Devemos caminhar bem lentamente para não chamarmos a atenção do bicho. - Disse Vieira, enxugando o suor da testa.
- Você é louco Vieira! Esses animais escutam muito bem! Deve estar escutando até a nossa conversa agora, e rindo de nós. Se sairmos andando, a Onça vai escutar de qualquer jeito! – Retrucou Alessandra, demonstrando não concordar com a ideia proposta pelo Cabo.
Chegamos ao comum acordo que o melhor a fazer era abrir a porta e correr em disparada em direção ao nosso veículo. A distancia era curta e em razão da Onça ser um animal extremamente arisco, não iria se expor, mas sim, se afugentar.
- Vou abrir a porta. Alessandra... Você corre na frente, em seguida vai o Vieira e o Thiago. Depois, eu vou por último. Não olhem para trás aconteça o que acontecer. – Disse à equipe, passando as instruções.
Quando coloquei a mão na maçaneta, novamente, meu estomago doeu. É comum as pessoas falarem frases como: se “mijar” de medo; e se “cagar” de medo. Mas naquela ocasião, eu tive a oportunidade de experimentar o verdadeiro medo que as pessoas querem dizer quando falam essas frases. Aquele sentimento que, realmente, faz qualquer um perder o controle das funções do corpo. Sim... Afirmo que passar por esse tipo de medo, realmente nos dá vontade de vomitar, de “cagar” e de “mijar”. Aquele não era um simples medo do escuro, que sentimos quando temos que levantar e ir no banheiro a noite. Ou o medo de ser assaltado, que sentimos ao passar por uma rua estranha. Aquile era um medo selvagem. Um medo que eu nunca havia experimentado antes. Um medo primitivo.
Era o medo de morrer!
Então... Eu o fiz.
Abri a porta lentamente. Ela rangeu. Coloquei a cabeça para fora e vi que o corredor estava vazio e silencioso, e o melhor de tudo, não havia sinal do “Gato”. Embora soubesse que ele estava bem perto de nós. Sinalizei para Alessandra e ela correu, sem pudores e sem preconceitos. Como se o diabo estivesse atrás dela.
Em seguida, foi a vez de Thiago. Fez o sinal da cruz e saiu. Aquele gesto me fez lembrar os paraquedistas americanos no dia D, se preparando para saltar de seus aviões, sobre as desconhecidas florestas da costa da França, em 06 de junho de 1944.
Imediatamente após Thiago deixar o quarto, Vieira disparou-se na corrida. Saiu tão desesperado que a manga da farda sofreu um enorme rasgo, ao raspar na maçaneta da porta. O barulho do tecido se rasgando ecoou pela casa. A Onça certamente escutara aquele som.
Enfim, chegara a minha vez.
Lembro-me que minhas pernas travaram. Sentia que a Onça pularia em meu pescoço no exato momento em que colocasse os dois pés para fora. Pude imaginar os dentes da fera entrando no meu crânio, destruindo minhas meninges, enquanto as garras perfuravam meu peito. E o pior, demoraria a morrer... Passaria por tudo isso antes, inclusive sentiria o gosto do meu próprio sangue e dos meus próprios fluídos corporais.
Logo em seguida, venci esses pensamentos e algo mais forte dentro de mim me ajudou a correr. Algumas pessoas chamam isso de instinto selvagem, outras chamam de instinto natural de sobrevivência. O que é, ao certo, eu não sei. Nem me importa saber. Mas o nome que dou é: cagaço!
Corri de forma desesperada. Para mim, a porta da sala estava distante, e já conseguia ver Thiago subindo no nosso veículo. Durante a corrida, que não deve ter demorado mais que sete segundos, lembro-me que pensei em minha filha. Não sei o porquê, mais pensei no dia que estava colocando um Band aid no joelho dela e, sem explicações, ela parara de chorar. Não pelo Band aid, mas por ter um pai para cuidar dela. E meus pensamentos foram interrompidos quando tropecei no sangue, quase coagulado, de Antônia. Meu coturno derrapou como um carro de Rali sobre a lama, e cai sentando no chão da cozinha, ao lado do corpo da senhora. Pude escutar Alessandra gritando para um dos outros dois bombeiros: - Corre lá! Ajuda ele pelo amor de Deus! Mas não foi necessário. Rapidamente me levantei e cheguei ao veículo. Olhei para fora, pela janela, e não havia nenhum sinal de Onça.
- Meu Deus. Nunca corri tanto na minha vida! – Lembro ter dito à equipe.
Em seguida, entramos em contato com a central e explicamos o ocorrido. Uma segunda viatura, acompanhada da policia florestal, fora designada para nos socorrer. Mais tarde, quando todos haviam chegado, a captura da Suçuarana foi trabalhosa e demorada, mas foi um sucesso e, salvo a infeliz morte de Dona Antônia, ninguém mais se feriu.
Naquele dia aprendi que mesmo que tenhamos confiança em nossos instintos e habilidades, nunca podemos menosprezar a força que o medo pode exercer sobre nós. Quando estávamos trancados no quarto, com um perigo de morte eminente, testemunhei a mudança psicológica e física que o medo exerce sobre o ser-humano. E nunca me esquecerei de tal lição.
FIM DO RELATO
Relato nº: 4
Unidade: Batalhão de Lajeado, Plantão noturno – Rio Grande do Sul
Sargento: Arthur Guimarães
Era madrugada alta, pelo que me lembro. Eu estava deitado sobre o meu beliche, jogando paciência, quando a sirene tocou. Como era o único motorista de plantão, em razão de ser uma noite de baixo movimento, como costumávamos dizer, referindo-nos às segundas e terças feiras, fui designado para conduzir a equipe ao local do chamado, situado na Rua Pedro Kolling, nº 754. Na unidade de socorro, foram comigo o Tenente Albuquerque e o cabo Rafael Nonato, recém-transferido do 6º Batalhão de Porto Alegre.
Dez minutos depois, chegamos ao portão da casa. Nele, havia um homem em pé, de braços cruzados e olhos arregalados. Lembro-me que, pela postura e pelo semblante, ele estava nos aguardando extremamente aflito e impaciente.
- Pois não... O que está acontecendo senhor? – Indaguei o sujeito.
- Então... Eu estava passando aqui na rua, indo em direção à minha casa, quando me aproximei do portão dessa residência e escutei, nitidamente, uma mulher gritando desesperadamente por socorro. Fora isso, eu também escutei barulhos de pancadas, bem fortes, e coisas sendo quebradas. Também escutei a voz de um home gritando “Cale a boca sua vadia... Vou te matar”. Em seguida, voltou a fazer silêncio, e todas as luzes se apagaram. Mesmo assim, decidi chamar vocês, pois pode haver alguém precisando de ajuda.
- Você fez certo. Conhece as pessoas que moram aqui? – Questionei ao homem.
- Não conheço. Como falei, eu estava apenas passando na rua quando escutei a bagunça. Mas não faço nem ideia quem mora ai dentro.
Descemos da unidade de socorro e nos aproximamos do portão da casa. Um portão de ferro, grande. Ele possuía uma entrada social e uma entrada de garagem, na qual haviam dois carros estacionados. Era uma casa Robusta, de dois andares. Tocamos a campainha, chamamos pelos proprietários, batemos palmas e insistimos. Mas não obtivemos resposta. Logo, ficamos preocupados. Então, retornei à unidade de socorro e apanhei nosso quite de ferramentas.
- Foda-se, vamos quebrar a fechadura, entrar aqui dentro e... Tomara que estejamos pecando pelo excesso! Afinal de contas, somos policiais também! – Exclamei à equipe. Albuquerque e Rafael concordaram comigo. O homem que fez o chamado, disse que iria nos aguardar ao lado de fora da casa.
Ao ser aberto, o velho portão gemeu como um gato no cio, e senti um frio na barriga que até os dias de hoje não me esqueço. Mesmo após passar pelos mais diversificados casos de resgates, não me lembro de uma situação tão pesada como fora aquela. E piorou ainda mais quando passamos pela garagem e entramos na sala da casa, o primeiro cômodo.
As luzes estavam apagadas, no entanto, havia diversas velas acesas, pretas e vermelhas, espalhadas pelos móveis da sala. Mesmo assim, meti o dedo no interruptor, pois aquela iluminação, além de fraca, não era nada agradável, mas nenhuma lâmpada se acendeu - parecia que a energia da casa estava cortada. Ignoramos as luzes oriundas das velas e acendemos nossas lanternas.
- Tem alguém em casa? Aqui é o Sargento Guimarães, do corpo de bombeiros. Por favor... Quem está aqui? – Questionei, me dirigindo aos moradores da residência, mas não obtivemos resposta.
- Sargento... Está sentindo esse cheiro de queimado? – Disse Albuquerque.
- Claro. Vamos lá atrás, deve ser a cozinha. – Respondi.
Passamos pela sala e caminhamos cerca de cinco metros por um corredor escuro até chegarmos à cozinha. Percebemos muitas marcas de sangue no chão e nas paredes, além de mais velas pretas e vermelhas, também acesas, dispostas na mesa de jantar e na pia. Até que notamos que do forno do fogão saia uma densa fumaça de cor preta. O cabo Rafael tomou a iniciativa e desligou o forno. Logo em seguida, abriu a tampa para ver o que estava em seu interior.
Era o corpo semicarbonizado de um homem. Ele estava na mesma posição de um feto dentro de um útero. As mãos e os pés estavam amarrados, e a boca amordaçada, com Silver Tape. O cabelo ainda estava em chamas quando a tampa do forno fora aberta; não me esqueço disso!
- Meu Deus do céu! O que houve aqui! – Exclamei à minha equipe, que também estava chocada com a cena, nunca antes vista por nós três.
Lembro-me que, de imediato, nossa preocupação foi com a mulher. Pois o homem que realizara o chamado, havia destacado que escutara uma mulher gritando. Então, passamos a averiguar os demais cômodos da casa. No andar de baixo, além da sala e da cozinha, havia uma lavanderia e um pequeno quintal. Nesses locais não encontramos ninguém. Logo em seguida, subimos ao andar superior. Nele, verificamos que havia dois quartos, um banheiro e uma área com vista para a rua. Um dos quartos, o banheiro e a área, estavam vazios. Mas o segundo quarto nos chamou a atenção, pois estava trancado.
- Tem alguém aqui dentro? Abra a porta, por favor... É do Corpo de Bombeiros. – Disse o Tenente Albuquerque, batendo na porta.
- Não tem jeito Tenente! Pode picar o pé! – Respondi.
E assim ele o fez, de maneira que a porta se abriu após a primeira pisada. Assim como na sala, notamos a presença de diversas velas acesas sobre os móveis do quarto. Mas o que quero ressaltar, e que meu corpo até os dias de hoje se arrepia quando me lembro, é que de imediato vimos o que na época parecia ser uma mulher de pé, próxima à cama de casal. Ela estava imóvel.
- Senhora... Está tudo bem? Eu sou o Sargento Arthur Guimarães, do Corpo de Bombeiros. O vizinho escutou seus gritos... O que está acontecendo? – Indaguei à mulher.
Ela não se mexeu um centímetro se quer, muito menos disse alguma coisa. Apenas permaneceu imóvel, e nós ficamos, também, parados por cerca de um minuto, observando-a e aguardando alguma reação. Logo atrás de mim, Rafael e Albuquerque quase não respiravam, tamanha a tensão que pairava no ar. E eu não estava diferente. Até que, com um surto de coragem, me aproximei da figura e constatei que não se tratava de uma mulher.
Era um manequim de plástico, como esses que ficam nas vitrines de lojas de roupas íntimas. O manequim possuía cabelos longos e estava vestido de mulher, pois usava uma lingerie de cor vermelha, com cintas nas pernas de plástico e tudo mais. O rosto ostentava um leve sorriso, e os olhos, abertos e pintados na cor verde, possuíam cílios falsos que davam vida àquele olhar bizarro. Ressalto que o corpo do manequim estava terrivelmente sujo de sangue.
Pouco tempo depois, solicitamos a ajuda da policia e dos investigadores. Logo, a casa estava rodeada de curiosos e demarcada com uma fita de proteção de evidências, com as cores preta e amarela. Os policiais e peritos nos dispensaram, dizendo que nada mais poderíamos fazer para ajudar no caso. Então, retornamos ao batalhão.
Até hoje, me pego tentando juntar os fatos que presenciei naquela madrugada. As velas, o homem morto, impiedosamente trancado dentro do forno do fogão, e claro, o manequim. Como pudera aquela criatura de plástico estar trancada no interior daquele quarto, totalmente suja de sangue e de pé, como se há apenas alguns instantes estivesse caminhando com suas próprias pernas! Pelo que soube posteriormente, nem mesmo os peritos chegaram a alguma conclusão.
Recentemente, retornei à Rua Pedro Kolling, e ao conversar com alguns dos moradores fiquei sabendo que a casa onde houvera o misterioso homicídio estava a venda. Os familiares do homem assassinado não quiseram ficar com os móveis. Logo, quem comprasse a casa iria ficar com eles. Também fiquei sabendo que havia boatos de que o manequim descoberto naquela madrugada, trancado no quarto de casal pelo lado de dentro, ainda estava na residência.
FIM DO RELATO.
Fim