O Retorno de Kauane- Final

O carro seguia lentamente pela madrugada, à procura de alguém que pudesse servir de alimento a Kauane. Geralmente os escolhidos eram garotas ou garotos de programa, que encontravam em boates e zonas de prostituição. Ao chegar nesses locais, eles se passavam por um casal interessado num programa, acertavam o preço e seguiam com a presa para o motel.

Lá chegando, os olhos de Kauane se tornavam vermelhos e ela hipnotizava sua vítima, mergulhando-a numa espécie de transe, e depois podia fazer sua refeição tranquilamente. Ao final deixavam o valor do programa sobre a cama, e ao despertar a pessoa não lembraria de nada, e ignoraria a origem daqueles dois furinhos em seu pescoço.

Esse foi o meio encontrado por Ronaldo para alimentar sua esposa, e durante muito tempo deu certo. Para disfarçar, ele ia almoçar uma vew z por semana na casa de seus pais, que pareciam desconfiar a existência de algo estranho e sombrio na vida do filho.

- Ronaldo, que marca é essa no seu pescoço?

- Eu me cortei fazendo a barba, mãe...

- Ronaldo, quando você vai nos convidar pra fazer uma visita?

- Pai, é que eu só chego em casa tarde da noite... mas qualquer domingo a gente combina, certo?

Seus colegas de trabalho também o questionavam. - Ronaldo, você já está viúvo há tanto tempo... não acha que já era tempo de refazer sua vida? Você é jovem, cara...

Ronaldo dava um sorriso estranho, de quem guarda um grande e delicioso segredo que os outros mortais ignoram.

- Cara, eu posso ter alguém na minha vida e ninguém saber... quem é que sabe tudo na vida dos outros?

Dois anos após a morte de Kauane, a mãe de Ronaldo encontrou por acaso, no fundo de uma gaveta, uma cópia da chave do apartamento do filho

- Olhe só, Babi! - disse à filha. - É a chave do apartamento do seu irmão... vamos fazer uma surpresa pra ele?

Babi fez um gesto de dúvida.

- não sei se ele vai gostar, mãe... o Roni ficou diferente, depois do que aconteceu.

- Claro que ele vai gostar, menina! Vou fazer aquele bolo que ele adora, e aproveitar pra fazer uma boa faxina por lá... vamos hoje!

No fim da tarde as duas chegaram ao prédio onde Ronaldo morava. Subiram pelo elevador, giraram a chave na fechadura, que se abriu...

Dentro a escuridão era total, exceto pelo tremular das chamas das velas. O cheiro era doce e opressivo. A mãe de Ronaldo correu a abrir a janela da sala, inundando o aposento de luz.

- Meu Deus, porque o Ronaldo deixa tudo fechado desse jeito? E essas cortinas? E essas velas? Que perigo de um incêndio! Babi, vamos...

Mas Babi olhava para o corredor, de onde passos lentos e arrastados se aproximavam.

- Mãe... tem alguém em casa...

Nesse momento Kauane surgiu diante das duas, inteiramente transfigurada em dama das trevas, mas ainda conservando traços de sua antiga beleza. A pele estava lívida e esverdeada, os olhos vermelhos como duas poças de sangue, os caninos afiados surgindo entre os lábios... usava uma longa camisola preta e tinha os cabelos soltos.

As duas mulheres recuraram, aos gritos de pavor; mas Kauane, ao ver a luz do sol, também começou a gritar, mas eram gritos de dor. Ali, diante de sua sogra e cunhada aterrorizadas, começou literalmente a derreter, como a cerca de uma vela. Seu corpo há muito sem vida começou a se desintegrar, se desmanchar, até que não restasse no chão senão um amontoado de ossos, cabelos e cinzas desfeitos.

Ronaldo, nesse dia, chegara mais cedo do trabalho. Ao se deparar com a janela escancarada, sua mãe e irmã abraçadas e encolhidas num canto e o corpo de Kauane desfeito sobre o tapete, começou a gritar, desesperado.

-Kauane, meu amor, o que fizeram com você? Eu não posso perder você outra vez, não posso!

Então sentiu a metamorfose que também o transformava numa criatura da noite, e olhou para a mãe e irmã cheio de ódio e dor.

- O que vocês estão fazendo aqui? Com ordem de quem invadiram minha casa e mataram a minha mulher? Mas agora vão me pagar!

E abrindo a boca, exibiu dois terríveis dentes de vampiro. Essa foi na última e pavorosa visão que as duas tiveram.

Em algum lugar cheio de fogo, o homenzinho de cravo na lapela ria muito.

- Dia do pagamento! Bem vindos ao Inferno!

Mais tarde, dois morcego saíram voando pela janela, em direção ao luar.

FIM

" Please call me Lucifer!"

NOTA: Kauane é um nome de origem havaiana, segundo alguns, tupi-guarani, segundo outros. Significa " Guardiã do Segredo. "

Maryrosetudor
Enviado por Maryrosetudor em 19/02/2014
Código do texto: T4697547
Classificação de conteúdo: seguro