O Espetáculo

Leia outas aventuras de Juan Sebástian - O Caçador de Mitos:

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O Espetáculo

Demônios são seres malignos, habitantes das trevas, porém nascidos da luz; são anjos rebeldes que abandonaram o seio de Deus para perverterem suas demais criações. Invejosos, astutos e poderosos, buscam a degeneração do ser humano para mostrar nossa inferioridade perante o Criador.

Somos, a todo o momento, tentados a desviar do caminho certo. Seria nossa natureza pecaminosa devido ao conhecimento do mal adquirido na figura do fruto proibido do Éden? Também. No entanto, recebemos sim impulsos externos para cometermos tantas depravações: Demônios sussurram em nossos ouvidos, apossam-se de nossos corpos e criam situações para nos afastar de Deus.

Foi com essas ponderações que Juan Sebástian, um investigador paranormal, dirigiu-se até a cozinha, alcançou a cafeteira e, após despejar o negro líquido na xícara, bebericou-o. Voltou-se novamente para a sala de seu pequeno apartamento e prosseguiu assistindo a um programa de cunho religioso na televisão:

O líder da igreja comandava uma espécie de espetáculo macabro, onde os ditos endemoninhados eram levados ao altar e ali se recontorciam, arrastavam-se pelo chão e berravam coisas sem sentido ou faziam previsões e adivinhações. O homem engravatado conversava com os demônios, situados no interior dos corpos dos inocentes, que revelavam seus objetivos de destruição. Ele ordenava para que ficassem quietos e, por algum tempo, obedeciam.

– Todos os males de suas vidas são causados por estes seres – apregoava o pastor para a multidão de pessoas que olhavam admiradas.

Juan já foi uma espécie de funcionário da igreja católica. Foi seminarista por três anos até desistir. Mas seu tutor, o bispo Dom Damião, enxergou seu espírito intrépido e suas capacidades investigativas. Convidou-o, então, a se tornar o que chamavam de Investigador Paranormal das Santas Causas. Depois de alguns anos, contudo, ele abandonou o cargo e a igreja. Sentiu que não estava servindo a Deus como queria. Ninguém será salvo apenas pela religião, mas sim pela observância da palavra de Deus.

Ele acreditava que de fato podemos ser possuídos por demônios, claro que existem certos contextos muitas vezes ignorados pelos fanáticos: Deve-se levar em conta que o corpo é o templo do Espírito Santo, portanto, os demônios não têm poder para afetar diretamente aquele que possui vínculos afetivos com o Pai; mas aqueles que caminham por terrenos obscuros, que descuidam de sua espiritualidade estão abertos a possessões, pois seus corpos estão inabitados (Mateus 12:43-45), ou seja, são recipientes vazios.

Durante o período em que esteve no cargo, Juan teve de cuidar de pelo menos duas dúzias de casos envolvendo possíveis possessões demoníacas. Apenas um por cento desses casos, no entanto, eram reais. Os outros se tratavam de doenças psicossomáticas ou do Poder da Sugestão sobre o indivíduo que realmente acredita que está possesso, porque muitas religiões ligam todos os males aos demônios: Um resfriado que seja torna-se, mediante as suas crenças, obra de entidades infernais; até um simples mal-estar; ou uma angústia etc.

Juan compreendia que mesmo atitudes pecaminosas muitas vezes podem não ter diretamente a mão do Diabo. Obviamente que ele é o originador do pecado, porém, o indivíduo pode cometer algumas atitudes movido pela sua natureza egoísta ou pelos vícios que não consegue abandonar. Conclui-se, portanto, que o diabo planta a semente da desobediência e a pessoa em si é quem a cultiva.

Nesse momento, o pastor chamou ao altar aqueles que duvidavam e, rapidamente, uma fila de pessoas originou-se. Uns mais afoitos outros tímidos, postavam-se próximos aos supostos endemoninhados.

– Qual é o seu nome? – o pastor perguntou para um jovem.

– Marcos.

– Você não acredita?

– Não.

– O que você acha que é? – insistia.

– Isso é coisa da cabeça deles.

A pobre vítima que se serpenteava pelo chão era uma mulher de meia-idade, avolumada. Os cabelos negros e crespos bem penteados de antes, estavam agora rebeldes e espatifados de tanto ser sacudidos.

– Seu beberrão hipócrita – rugiu ela, forçando a pregas vocais para engrossar a voz.

A multidão gritou animada diante da demonstração de poder do “demônio”.

– Você é alcoólatra? – o pastor virou-se para o rapaz.

– Nunca bebi na minha vida – rebateu.

Os espectadores exaltaram-se novamente, duvidosos e julgadores. Em meio à agitação e às palavras confusas, podiam-se ouvir coisas como: Mentiroso; é sim alcoólatra.

Meu Deus!, pensou Juan, acreditam mais no estranho ser do que no jovem que está com a sanidade mental aparentemente perfeita. Por alguns átimos imaginou se aquilo tudo não seria um grande espetáculo teatral. Não havia provas, todavia. Ele afundou-se no sofá, deu mais um trago no café e continuou fitando a TV.

Outros possessos foram encaminhados para o altar. Havia, agora, quatro deles. Os chamados Obreiros de Deus gritavam e ordenavam para que ficassem ajoelhados e com as mãos para trás como se estivessem verdadeiramente amarrados.

– Qual é o seu nome? – o pastor indagou a uma mulher, também cética.

– Joana – respondeu, olhando para um moço, também possesso.

– Você não acredita que isto é demônio?

– Não.

Sem que cessasse o alvoroço, outro endemoninhado que não estava, até então, no foco central da câmera, partiu para cima do jovem, ainda vociferando coisas em relação à embriaguês do mesmo. Inúmeros homens de camisas brancas e gravatas azuis correram para deter o ataque. No altar, houve tombos e esperneados enquanto na plateia houve risadas e aplausos.

– Cínico. Faça o seu exame! – rugia a mulher que se agarrara à perna do outro, puxando-o e levando-o ao chão.

Depois de muita confusão e aparentemente muito esforço, os ânimos foram controlados, e os possessos voltaram novamente a rosnar horrivelmente apenas, permanecendo com as mãos para trás com a tal corda invisível.

– Joana, o que você acha?

– Eu não acredito.

– Ponha seus óculos para você enxergar, maldita! – interferiu o endemoninhado.

Os expectadores mais uma vez bateram palmas diante da revelação.

– A senhora usa óculos? – quis saber o pastor, já que Joana se encontrava sem o apetrecho.

– Está na bolsa dela.

– Tenho sim. – Ela alcançou o interior de sua bolsa, retirando um case preto para óculos. – Uso-o para leitura.

– Você conhece este rapaz?

– Nunca o vi.

– Como ele pode saber dessas coisas?

– Eu não sei.

Absorto, Juan lembrou-se do salmo 139, onde revela claramente que Deus é o único onipresente, conhecedor das coisas antes mesmo de acontecerem e que penetra em nossos pensamentos. Como pode, então, todos os males serem atribuídos a Satanás se ele não é onipresente e não pode ler nossos pensamentos? Bem, o capítulo 12 de Apocalipse nos diz que terça parte dos anjos se rebelaram; em Efésios 6:12 nos mostra que nossa luta é com os espíritos do mal que habitam as regiões celestes.

O diabo e seus principados têm subsídios para nos afetar porque são conhecedores de nossas fraquezas. Algumas, inclusive, universais, como o ódio, a libertinagem e a mentira. Eles, todavia, são estudiosos e buscam, em cada ser humano, meios específicos de afetá-los.

Jesus, quando esteve frente a frente com o maligno, não dialogava com ele, expondo seus pensamentos. Ele apenas dizia: “Está escrito...”, e então contra-argumentava, até que chegou ao ponto de expulsá-lo (Mateus 4:10).

Certa vez, quando Juan investigava uma casa mal-assombrada, cujos estranhos barulhos e vozes aterrorizavam os moradores e nada podia ser constatado, chegou à conclusão que aquela família estava sendo perturbada por demônios. Foi um dos poucos casos reais em que ele teve de lutar com o sobrenatural, pois a maioria das ocorrências se tratava de charlatanismo ou ignorância.

Para resolver o problema, precisou-se apenas de orações e um excelente conselho de Juan: “Quando algo sobrenatural se manifestar, basta expulsar os demônios com voz imperiosa, assim como Cristo fez”.

A oração é o único meio de se fazer um exorcismo. Não existe ritual com objetos “sagrados” ou com palavras “mágicas”. A nossa única libertação está na fé. Apesar de os demônios comandarem o mundo (João16:8-12), eles estão acorrentados às permissões de Deus (Jó 1:6-12).

O alvoroço prosseguiu cada vez mais intenso. O pastor voltou a questionar a mulher sobre sua crença em relação às pessoas que se recontorciam pelo chão.

– Você realmente não acredita que isso é demônio? – insistiu o líder religioso.

– Olhando agora dá para ver que é sim. – ela se convenceu.

A multidão de fieis foi à êxtase. Aplausos e gritos calorosos puderam ser ouvidos diante da nova conversão.

– A senhora pode lidar com eles – disse-lhe o pastor apontando para um dos endemoninhados.

– Não, porque não sou obreira.

– Ah, tudo bem. A senhora pode sair por ali.

Ela saiu lentamente, abandonando o altar em companhia de um dos homens engravatados ao mesmo tempo em que o pastor virou-se para outro cético que se postava próximo.

Juan refletiu sobre o bombardeio de informações que atualmente estamos recebendo. Todas as religiões dizem ser a portadora da verdade. Esta verdade, todavia, é a Palavra de Deus, que é a Bíblia: Ela é a espada para combatermos o mal.

Ele desligou a televisão e fechou os olhos, pois sabia como aquilo tudo acabaria. Lembrou-se de trechos como: Mateus 7:22-23, que se refere aos falsos profetas; 1Timóteo 4:1-5, falsas doutrinas; Mateus 6:1-6, remete-nos a ponderar sobre o sensacionalismo dentro da igreja; Atos dos Apóstolos 19:11-2, que relata a conversão de praticantes de magia.