O Retorno de Kauane- A Dama das Trevas

O homenzinho observava o casal que se afastava, rindo com ironia.

- Ah, mortais idiotas! Trocam a alma e a eternidade por um prato de lentilhas, como diz o Livro... - olhou em volta. - Ora essa! e eu ainda tenho de arrumar essa bagunça!

Resmungando, fechou o caixão e o jogou dentro do túmulo, fechou a lápide, espalhou por cima as coroas de flores e desapareceu numa nuvem de enxofre...

Ronaldo entrou com Kauane pelo elevador de serviço, a fim de que o porteiro não o visse chegar com ela. Entraram. Era um apartamento de dois quartos, bem simples, que ele levaria vinte e cinco anos para quitar, e que ambos haviam escolhido ainda na planta e decorado com todo o carinho, e onde sonhavam fazer seu ninho de amor... e seria, mesmo que de modo um pouco diferente.

Ao entrar, Kauane olhou em volta e sorriu. Ronaldo tomou-a nos braços.

- Venha, querida, vamos tomar um banho...

Ao despi-la no banheiro, o rapaz viu a terrível sutura da necropsia, que o legista traçara sem piedade no lindo corpo de sua amada. Mas fechou os olhos a isso, seu amor era maior que esses detalhes, e tomaram juntos um perfumado e refrescante banho. Ronaldo esperava que a espuma perfumada tirasse o cheiro de morte e a cor de defunta de Kauane. Quando a beijou, sentiu o gelo da morte em seus lábios, mas o aquecia com os seus...

No que ela havia se transformado? Numa zumbi? Numa morta-viva? Uma vampira? Não tinha certeza, nem se importava. Sabia somente que se tratava de uma criatura das trevas, mas era sua amada Kauane, e ele e queria mesmo assim...

Depois foram para o quarto e fizeram amor bem devagar. Ronaldo e Kauane tinham ambos a mesma idade, 27 anos, conheciam-se desde crianças, haviam perdido a virgindade juntos aos 14 anos e sempre foram fiéis um ao outro. De forma que ele não conhecia outra mulher, e ela nunca estivera com outro homem. Ao marcarem a data do casamento, decidiram de comum acordo fazer um período de abstinência sexual até o dia da cerimônia. Talvez fosse essa a causa de tanto desejo e paixão entre ambos, naquele momento... jamais Ronaldo sentira Kauane tão doce e apaixonada, como dissera o homenzinho. Quem seria ele, afinal? Não importava...

À luz da manhã, Ronaldo percebeu os caninos afiados de sua amada. Compreendeu que ela estava precisando do único alimento que podia ingerir dali em diante, sangue humano fresco... e ofereceu-lhe a veia pulsante de seu pescoço, como a mãe oferece o peito ao seu bebê.

Depois, ainda consciente da dor aguda em seu pescoço, tratou de lacrar todas as janelas, a fim de que a luz do sol não penetrasse no apartamento de modo algum. Ligou para os pais, tranquilizando-s, disse que estava bem e iria ficar morando no apartamento.

Ele e Kauane passaram um delicioso domingo em lua de mel. Na segunda feira, Ronaldo comprou pesadas cortinas de veludo negro e pendurou nas janelas. Para iluminar um pouco, velas perfumadas estavam sempre acesas, de modo que pareciam estar numa cripta...

O tempo ia passando, e todos estavam contentes e surpresos com a recuperação de Ronaldo, após o tremendo golpe que sofrera. Ele retornou ao trabalho, era gerente de uma loja, e agia do mesmo modo que antes. Parecia bem disposto e até feliz. Mas os vizinhos achavam um pouco estranho aquele apartamento sempre fechado, e o suave perfume das velas que vinha de lá...

Kauane dormia a maior parte do dia, levantava ao entardecer, tomava um banho e vestia uma camisola de renda até os pés, preta ou vermelha. Penteava seus longos cabelos, depois ia para a cozinha e preparava o jantar de Ronaldo. Quando ele chegava, encontrava sua esposa sempre sorridente, linda e sensual, pronta para o amor. Depois que se amavam, Kauane servia-lhe o jantar, mas não comia nada. Sentava-se do outro lado da mesa a sorrir, mostrando suas adoráveis covinhas no rosto, os cabelos negros e ondulados se derramando pelas costas.

Ronaldo já quase esquecera a condição de Kauane, e era quase totalmente feliz, a não ser quando chegava o dia de a alimentar, o que ocorria uma vez por semana. Mas, esse era o preço a pagar para tê-la consigo e não no cemitério. Somente às vezes podia alimentá-la com seu próprio sangue, por isso mera preciso conseguir em outro lugar.

O ritual ocorria uma vez por semana.

" I was around when Jesus Christ had his moment of doubt and pain... "

CONTINUA

Maryrosetudor
Enviado por Maryrosetudor em 18/02/2014
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