Bemvindo e o banquete na floresta ( Parte 1)

Bemvindo e o banquete na floresta ( Parte 1)

_Se todos podem saber dessa história trágica, e se de alguma forma meus entes queridos possam saber de meu paradeiro, devemos agradecer ao médium Jasimbalg por essa cooperação. _ Disse o próprio Jasimblag, enquanto seus olhos se remexiam, agitados, dentro da órbita.

A família do morto estava ao redor da távola, apreensiva e temerosa com a sessão espiritual. Tudo ocorreu por volta de 1900, enquanto Bemvindo desbravava a mata amazônica, em busca de conhecimentos herbalísticos. Seu pai escolhera tal estranho nome porque se dizia que a mãe de Bemvindo era infértil, e inúmeras vezes tentou conceber uma criança, mas sempre em vão. Joaquina, a mãe de Bemvindo, residia no Rio de Janeiro, e cansada da vida citadina, resolveu se mudar para a região amazônica e trabalhar na fazenda de um homem rico, que oferecera não só a Joaquina, mas também ao pai de Bemvindo um casebre, além de um salário considerável para que ele fosse o caseiro, e ela a serviçal da casa. Foi num dia cinzento e chuvoso, deveras atípico naquela estação, que Joaquina sonhou que a natureza a chamava, que lhe dava boas vindas, e no sonho ela estava grávida. Ao acordar, Joaquina comentou com Inácio_ o pai de Bemvindo_ acerca do sonho, e esperançosos em deixar sua semente no mundo, foram para a mata que ficava atrás do casarão principal da fazenda, e lá, sob a sombra fresca de um jatobá frondoso e secular, Inácio conseguiu introduzir uma semente no ventre de Joaquina. Creio que tantas delongas nessa explanação não sejam verdadeiramente profícuas; mas não é todo dia que encontramos um desafortunado chamado Bemvindo.

Antes mesmo que Jasimblag se pusesse a falar, Joaquina, em prantos, levantou abruptamente e correu em direção ao médium, em altos e desconsolados brados:

_ Conte-me, meu filho! Conte-me o que houve com você!

Inácio, embora também estivesse corroído pela ansiedade, notou a falta de compostura da esposa e foi chamá-la de volta pra mesa:

_ Sente-se, querida,_ disse enquanto afagava seu ombro, como que para confortá-la_ logo saberemos o que houve com nosso amado filho.

Bemvindo deixara a fazenda numa manhã ensolarada a fim de explorar ervas medicinais e coletar espécimes de plantas ainda não catalogadas, pois era farmacêutico e frequentemente perdia-se em devaneios tolos, desejando criar um verdadeiro elixir da longa vida. Sua fascinação por alquimia era maior do que pela química em si, pois Bemvindo sempre teve um deslumbramento quase obsessivo por tudo que remetesse ao oculto, à rituais, à magia e coisas do gênero. Perambulando por entre a mata, Bemvindo perdeu a noção do tempo enquanto contemplava toda sorte de belos pássaros, lagartas e sementes de formatos variados que pendiam das enormes árvores da floresta. O solo era enegrecido, em virtude da matéria orgânica decomposta, e um cheiro de umidade musgosa acentuava-se quando a brisa soprava em direção à sua face, exultante em meio a toda aquela natureza. O ocaso aproximou-se, e a escuridão sugava toda a penumbra da floresta com rapidez espantável. Não tardou para que Bemvindo se declarasse perdido no negror da floresta. Ficar perdido numa mata repleta de animais peçonhentos, gatos do mato, e rãs que podem matar um homem com um simples toque não é uma situação que pode-se simplesmente ignorar, só para apaziguar os ânimos exaltados.

Perdido e desolado, o desespero ensandeceu Bemvindo, que ao invés de esperar o dilúculo para voltar pela mesma senda pela qual viera, rumou floresta adentro com uma tocha acesa na mão. Quanto mais Bemvindo andava, mais perdido se encontrava. Após horas andando a fio, o consternado farmacêutico ouviu o farfalhar de folhas ao longe: mau presságio.

“Quiçá uma onça, ou outro bicho do mato esteja a rondar as cercanias. Devo ficar alerta”, pensou.

A aurora quase despontava no céu; as estrelas já haviam se esvaído, e um azul pálido daria lugar a uma manhã esplendorosa. Bom, esse seria o curso natural das coisas, se Bemvindo não fosse atingido por uma fisgada no pescoço e acordasse momentos depois, em prostração, amarrado a uma madeira, e ouvindo uma língua estranha que vinha de todos os lados: Bemvindo fora capturado pelos índios.

O desespero era tamanho que o farmacêutico aprisionado não sabia o que fazer. Gritar seria péssima ideia, tentar negociar com os índios também era perigoso. Só restava-lhe a esperança de que as autoridades fossem avisadas e que sua família notasse sua falta o quanto antes: os horrores que lhe podiam ocorrer martelavam inexoravelmente na sua mente cansada, pois todos da região já tinham ouvido tenebrosas histórias sobre o que faziam os índios com seus cativos.

Após um momento silente, Bemvindo pôs-se a falar, através do médium. As primeiras palavras foram doces e sôfregas, pois eram adereçadas a seus pais, mas o dulçor do reencontro logo azedou, a medida que a narrativa tecia aquele conto de terror, do qual Bemvindo fora protagonista:

_ Perdoem-me, meus queridos pais. Há dois anos, numa bela manhã, saí em busca de plantas medicinais, e não avisei vocês porque não queria perturbá-los. Meu intento era volver antes do lusco-fusco. Entretanto, perdi-me na floresta, e ansiando encontrar o caminho de volta pra casa, acabei entrando mais e mais dentro do véu escuro da floresta, até que fui capturado pelos índios. _ disse a voz grossa de Jasimbalg, o médium, mas com todos os vícios e jeitos com os quais falava Bemvindo.

_ Percorri todo o caminho de ponta-cabeça, amarrado a uma tora, ainda imóvel, devido a um tiro de zarabatana embebido num curare. Ao chegar à aldeia, fui primeiramente saudado por uma roda de mulheres e crianças. Elas dançavam selvagemente, gritavam, entoavam melodias estranhas, me batiam. Por fim, tive as mãos amarradas e fui colocado sobre um pedaço de madeira. Várias índias se aproximaram, com sua cabeleira negra, peitos pendendo até o umbigo, pele vermelho escarlate devido ao uso de sementes de urucum, segurando um recipiente que estava cheio de algo: eram cinzas. As mulheres e suas filhas passaram toda aquela cinza, fina e pura, como se fosse proveniente de madeiras que tinham permanecido incandescentes por horas a fio, até que todo o carvão fosse consumido pelo ardor do fogo, deixando apenas o cadáver do que fora um dia majestosas árvores, ou ramos delas.

Talvez fosse melhor ter omitido certos detalhes, pois Inácio e Joaquina juntar-se-iam a Bemvindo logo: eles estavam petrificados com a história horrenda; olhos estatelados e bocarras que não se fechavam nem mesmo pra segurar a saliva, que escorria espessa até ser tragado pelo tecido de linho que usavam, logo abaixo do pescoço.

_ Havia um certo tipo de gramínea, serrilhada e altamente cortante, com a qual as índias retiraram minhas sobrancelhas. As mulheres e crianças se afastaram, e pude vê-las chamando uma bela mulher, com os seios um pouco acima do umbigo, cabelos lisos e mais negros do que uma noite sem estrelas; lábios carnudos e pupilas escuras como as trevas que existiam antes da criação do mundo. Embora os trejeitos dos índios fossem diferentes dos do homem branco, estava claro que ela andava com marcada sensualidade, olhos ardentes e lascivos, transbordava luxúria. A bela índia acariciava todo o meu corpo, delicada e persuasiva: queria prestar-me favores sexuais.

UM VIKING DE ÓCULOS PERFIL DOIS
Enviado por UM VIKING DE ÓCULOS PERFIL DOIS em 17/02/2014
Reeditado em 20/02/2014
Código do texto: T4694687
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