Dissecado Vivo

Dissecado vivo

Jorge Linhaça

Semiconsciente, eu ouço ruídos metálicos que vão ganhando força com o passar do tempo, minha visão turva não me permite perceber detalhes do lugar onde estou aprisionado.

Tento em vão mover meu corpo e percebo que estou imobilizado, nem mesmo a voz de projeta, só meus olhos e ouvidos parecem estar ativos...

Uma luz forte se acende, primeiro me ofuscando ainda mais a visão e depois de algum esforço de minha parte, revelando um espelho sobre mim que reflete todo o meu corpo.

Meus braços e pernas estão presos a uma maca com tiras de couro... Desnecessário, pois, não consigo mover um único músculo... Meu corpo nu reflete no espelho iluminado, volto a ouvir os ruídos metálicos. Pelo espelho vejo uma bandeja de instrumentos cirúrgicos estranhos, assustadores.

Tento lembrar-me de algum acidente, de alguma doença que me levasse a um hospital, mas nada me vem à memória, olho novamente meu corpo em busca de qualquer sinal de ferimentos ou traumas. Nada. Tudo parece absolutamente normal.

Um homem com avental e máscara se aproxima, empurrando a tal bandeja sobre uma mesa de rodinhas. Nada diz. Sequer me olha. Apenas começa a examinar o meu corpo.

Detêm-se em minhas pernas, gira meus pés para o lado de forma que minhas panturrilhas entrem em seu campo de visão. Apalpa meus músculos, sem que eu nada sinta, apenas o vejo em sua ação que já me apavora. Meu coração dispara quando ele apanha um bisturi de um tamanho acima do normal, bem acima do normal. Como que se esquecesse de algo, deixa-o ali entre minhas pernas e procura por um aparelho de barbear. Depila minhas pernas calmamente, sem pressa, e repete o procedimento em minhas virilhas, no saco escrotal, e pelo resto do corpo e braços.

Meu coração já pulsa num ritmo sem controle, num descompasso avassalador, galopa como um cavalo selvagem e quase o sinto prestes a escapar pela minha boca. O pavor que me acomete é indecifrável, não sei o que ele pretende, mas por certo, não é coisa boa.

O silêncio é a maior das torturas, eu não posso falar e ele não diz coisa alguma, não posso mover-me além de meus olhos, únicas testemunhas desse angustiante quadro que se descortina naquele terrível lugar. Desmaio.

*****

Pouco a pouco recobro os sentidos e as lembranças, rezo para que tudo não tenha passado de um sonho. Está tudo escuro, deve ter sido isso, apenas um sonho... Mas, a luz se acende novamente e lá está meu corpo, sobre a maca, lá está o mesmo espelho, lá estou eu, no mesmo lugar, na mesma situação... O homem se aproxima para ter certeza de que estou acordado, coloca uma espécie de ganchos em meus olhos para que eu não possa fechá-los e eu sem poder resistir... O terror volta, o medo consome minhas energias. O homem caminha para o fim da maca, apanha o bisturi e começa a extrair o meu músculo, qual um açougueiro desossa a carne de um pedaço de animal. Posso sentir a dor, muito mais na alma do que no meu corpo, vejo cada movimento de meu algoz, vejo o sangue escorrer pela mesa metálica, vejo seu olhar triunfante quando finalmente expurga de mim aquela parte viva.

Limpa o local da extração, com algo que parece um maçarico pequeno cauteriza os vasos sanguíneos toscamente para conter o sangramento.

Em meus braços duas agulhas injetam em meu corpo um líquido transparente que parece ser soro e outro que parece ser sangue.

Quero gritar, mas, a garganta não obedece, não tenho como implorar por clemência nem como pedir por socorro, meus olhos doem pelo esforço que faço para cerrar minhas pálpebras, no que sou impedido pelos ganchos ali colocados.

Meu algoz repete o procedimento, agora na outra perna, erguendo meu músculo no ar como se fora um troféu conquistado... Ouço sua macabra gargalhada, pela primeira vez se quebra o silêncio com o som de uma voz vagamente humana.

O QUE FIZ PARA MERECER ISTO? O QUE ESTÁ ACONTECENDO? São os gritos que ecoam apenas em minha mente.

O homem se afasta e paga as luzes... As trevas me engolem qual a boca das profundezas do inferno. Ouço seus passos se afastando e o ranger de uma porta mal lubrificada. Em minha mente as imagens da tortura se repetem numa sequencia infinita até que exaustão me faz desfalecer novamente.

Continua...