A Fazedeira de Anjos

Naquela cidadezinha do interior, de gente simples e supersticiosa, todo mundo tinha medo de Maria dos Anjinhos. Ela era uma mulher solitária, sempre vestida de preto. Morava numa casinha afastada do povoado, junto a uma lagoa de águas escuras e sinistras, e dizia exercer o ofício de benzedeira.

Mas, o povo sabia muito bem que isso era apenas uma fachada para sua verdadeira ocupação. Maria fazia abortos, era uma fazedeira de anjos, como diziam os moradores do lugar. Daí seu apelido, Maria dos Anjinhos.

Ela vivia isolada, não tinha amizade com ninguém, pois todos a consideravam uma feiticeira e uma mulher amaldiçoada. Seu marido a abandonara com uma filha pequena.

O nome da menina era Teresinha do Menino Jesus. Era uma verdadeira flor de pureza, bondade e ternura, que florescia naquela atmosfera de segredos e maldades. Solitária, Teresinha passou a infância a ver sua mãe cometer aqueles crimes infames. As mulheres chegavam à noite, quase sempre com o rosto coberto, e ajustavam o valor do serviço. Maria sempre exigia pagamento antecipado, pois caso a mulher morresse durante o procedimento, não ficaria no prejuízo... na manhã seguinte, bem cedinho, Teresinha observava entre as frestas da janela sua mãe cavando no quintal, à sombra das bananeiras. Estava enterrando mais um inocente envolto em trapos ensanguentados. Com o passar dos anos a menina perdeu a conta de quantos anjinhos jaziam ali, enquanto as bananeiras davam cachos cada vez mais viçosos, decerto adubadas pelo sangue inocente. Por nada do mundo Teresinha comia daquelas bananas...

Ela, que sofria tanto com o que a mãe fazia, tinha também de pagar por isso. Na escola, todas as crianças a desprezavam, ninguém a olhava, deixavam-na isolada num canto, à hora do recreio. As meninas do povoado eram proibidas por suas mães de chegarem perto de Teresinha. Apesar disso, essas eram as mesmas mulheres que se utilizavam dos serviços de Maria...

Teresinha cresceu com muita mágoa no coração, e seu maior sonho era um dia ir embora daquele lugar e construir sua vida bem longe, onde ninguém a conhecesse. Seus únicos amigos eram os cachorros, as galinhas do quintal e algumas bonecas de pano. O tempo passou, e a menina, já com 18 anos, se transformara numa linda mulher morena, de longos cabelos negros e olhos de jabuticaba, corpo lindo e bem feito. Tinha uma beleza sensual, porém sua alma continuava pura e inocente.

Um dia, na estrada próxima a sua casa, ela conheceu um rapaz muito bonito. Ele era alto, musculoso, queimado de sol, olhos azuis e cabelos claros. Disse que seu nome era Rick e andava por aquelas bandas acampando com alguns colegas da faculdade.

Teresinha se apaixonou imediatamente por ele, seu primeiro amor. Em sua ingenuidade, marcou um encontro com o rapaz, tarde da noite, nos fundos do quintal de sua casa.

Quando chegou, de madrugada, Rick já estava lá, entre as bananeiras. Seus olhos azuis a encaravam de uma forma estranha, devorando aquelas formas encantadoras. Ele havia cheirado muita cocaína. Agarrou Teresinha com violência, a jogou no chão, rasgou seu vestido e a estuprou. A moça chorava, implorava, mas ele foi até o fim... depois tirou uma faca do bolso e a degolou. O sangue da jovem banhou a terra...

Nesse momento, em seu quarto, Maria dos Anjinhos acordou assustada. Tivera um pesadelo horrível. Sonhara que estava no seu quintal entre as bananeiras, cercada de um bando de bebês deformados e em decomposição, que tentavam arrastá-la para baixo da terra... acendeu a luz e passou uma toalha pela testa banhada de suor. Que bobagem, disse a si mesma. Aquelas crianças estavam mortas. E depois, nem crianças eram ainda, mas apenas fetos...

Pela primeira vez em sua vida, Maria questionou sobre a moralidade do que fazia. Sentia um aperto estranho no coração, e um medo irracional... de repente lembrou de sua filha. Estaria tudo bem com ela? Correu até o quarto de Teresinha. Ela não estava lá.

Em pânico, cheia de remorso por seus crimes e presa de um mau pressentimento, Maria correu até o quintal. O luar iluminava uma cena horrenda! Teresinha jazia morta no chão, degolada, em meio a uma poça de sangue, sua nudez denunciando o estupro. À sua volta, de mãos dadas, um bando de bebês deformados e em decomposição brincava de roda, e cantavam com vozes tristes: "Teresinha de Jesus..."

FIM

Maryrosetudor
Enviado por Maryrosetudor em 12/02/2014
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