A Loura
- Meus sentimentos.
- Obrigado.
- Meus pêsames... ela era adorável...
- Obrigado...
Daniel abafou um bocejo, não vendo a hora daquela tediosa cerimônia acabar. Era dessas coisas a que a gente comparece por um dever social. Claro que ele adorava D. Clarinha, avó de Pedro, seu melhor amigo de infância, adorava as queijadinhas que ela fazia, mas isso seria motivo para ter de aturar toda aquela lúgubre e demorada cerimônia?
Mas agora acabara. D. Clarinha, no alto de seus 92 anos, descansava em seu túmulo, debaixo de uma pilha de coroas de flores, os últimos presentes ao funeral se retiravam e Daniel viu-se a sós com Pedro e seus pais.
- Quer uma carona, Dani? - ofereceu Pedro.
- Obrigado, Pedrão, estou de moto. - respondeu Daniel, e apertou longamente a mão do amigo. - Amanhã a gente se fala.
Cumprimentou os pais de Pedro com um gesto e seguiu apressado pelos corredores do cemitério deserto naquele fim de tarde. Daniel odiava cemitérios. Eram lugares deprimentes. Quando morresse, queria ser cremado e ter as cinzas espalhadas ao vento...
Ventava, fazia um pouco de frio e as flores secas formavam redemoinhos a sua volta. Foi então que Daniel a viu. Quase não acreditou em seus olhos. Ela estava no outro corredor, seu vestido branco e leve esvoaçava ao vento. Era uma garota alta, pernas longas, porte de modelo, longos cabelos louros que rolavam em ondas macias ao redor de seu rosto e não deixavam ver suas feições. Mas Daniel sabia que era linda, linda...
A moça loura pareceu pressentir sua presença e começou a se afastar, andando rapidamente em direção à parte mais antiga, deserta e escura do cemitério. Daniel a seguiu, intrigado com o que ela estaria fazendo ali a aquela hora. Os sapatos de salto da loura faziam o único som naqueles corredores desertos e sombrios. Daniel estava cada vez mais perto, queria alcançá-la... nem por uma única vez ela se voltou para ele, embora estivesse ciente de sua presença atrás dela. Agora Daniel quase podia tocar seus louros e sedosos cabelos, sentia seu perfume, uma lavanda suave de bebê... então a tocou no ombro.
- Ei, quem é você? O que faz por aqui? Quer uma carona?
Ela parou, mas continuava de costas.
- Como é o seu nome? - perguntou Daniel.
- Rafaela. - ela respondeu com uma voz distante.
foi então que Daniel percebeu que estavam diante de um túmulo... o túmulo de uma moça loura. Rafaela Santos, 1953-1972. Foi quando a loura se voltou bruscamente, mostrando seu rosto em decomposição.
Daniel deu um grito de horror e saiu correndo como um louco pelos corredores, agora completamente escuros. Em seu pavor chocou-se violentamente contra um anjo de mármore e caiu no chão, sangrando muito, sem sentidos...
A moça zumbi aproximou-se lentamente, e arrastou Daniel para os fundos do cemitério... e jantou seu cérebro fresco à luz do luar.
FIM