Criaturas da Noite- parte 3
Criaturas da noite- 3
Jorge Linhaça
“ Na calmaria da noite, o medo acompanha cada batida de nosso coração apreensivo e avisa-nos do perigo iminente” -Jorge Linhaça
Lindalva aguardava pelo marido enquanto o pequeno João já dormia.
José devia chegar a qualquer minuto, cansado e faminto após um dia extenuante de trabalho e curso na faculdade.
Há quase dois anos a sua rotina é a mesma, José, desde o nascimento do filho, não poupa esforços para prover o sustento da casa e, ao mesmo tempo, estudar para melhorar de vida.
Lindalva sente um aperto no peito ao mesmo tempo em que, ao longe ouve o som de tiros sendo disparados, uma sensação de absoluto pavor a invade por alguns instantes antes que consiga se acalmar.
Ainda assim, a inquietude permanece impregnada em cada fibra do seu ser, de tal maneira que não se contém e vai bater na casa da vizinha, sua amiga para pedir-lhe ajuda, apesar do avançado das horas.
Guilhermina atende a porta após algum tempo que para Lindalva parece uma eternidade.
Ainda atordoada pelo cochilo interrompido enquanto assistia TV, Guilhermina encontra Lindalva à porta, pálida como um cadáver e ouve seus apelos. Tenta em vão acalmar a vizinha e , por fim, concorda em olhar o pequeno João enquanto Lindalva se aventura pelas ruas que José costuma percorrer para chegar em casa.
Ao longe o som de uma sirene quebra a calma da noite.
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Lindalva chega ao local da tragédia ao mesmo tempo que ambulância, suas luzes vermelhas e a celeridade dos paramédicos fazem seu coração disparar no peito, com algum esforço rompe o cordão dos curiosos e para seu mais intenso pavor vê José deitado sobre uma poça de sangue enquanto os paramédicos tentam reanima-lo.
Identifica-se como a esposa do baleado e consegue que a deixem seguir junto com o mesmo para o hospital.
Dentro do veículo, Lindalva ora incansavelmente, perguntando a Deus como Ele deixara que uma coisa dessas acontecesse com seu marido, justo com ele que era um homem religioso, que frequentava a igreja todos os domingos...Não lhe parecia justo que José sofresse tão infame destino.
Os paramédicos continuavam seu trabalho de tentar manter José vivo até que chegassem ao hospital.
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Três noites e três dias foi o que durou o calvário de Lindalva, José ainda respirava, entubado, na enfermaria do hospital, aguardando por uma vaga em algum quarto.
Ao seu lado, naquela enfermaria, havia de todo tipo de pacientes, desde doentes com alguma enfermidade, em estado de observação, até moribundos à espera da morte. O quadro era deprimente, o corre-corre era uma constante, enfermeiros e médicos entravam e saiam, arrastando macas pelos corredores repletos de pessoas, pacientes ou acompanhantes.
Na primeira noite outro homem dera entrada no mesmo hospital, também baleado, mas Lindalva não deu muita importância a isso.
Estava longe de ter a gravidade do caso de José, tanto que no dia seguinte já foi liberado, o projétil apenas lhe atravessara o ombro esquerdo.
Lindalva já estava psicologicamente acabada, sem forças para qualquer reação senão a do choro contumaz. Ainda assim orava incessantemente pela vida de seu amado, esperando por algum tipo de milagre.
Ao cair da quarta noite percebeu José abrir os olhos com muito esforço, o tubo em sua boca impedia que emitisse qualquer ruído audível. Chorou de emoção quando percebeu que José “despertara dos mortos” e a reconhecera. Em seu coração agradeceu ao criador por poupar a vida do pai de seu filho.
A morte não havia encontrado José em sua lista de pedidos.
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