NOITE DE SANGUE NO SERTÃO

NOITE DE SANGUE NO SERTÃO

Jorge Linhaça

O sangue escorria pelo chão, qual fossem riachos vermelhos percorrendo o leito das rachaduras da terra ressecada pelo sol inclemente.

Membros dilacerados de corpos desmembrados empilhavam-se numa macabra imitação de uma pirâmide e no topo da pilha, uma cabeça tinha os olhos devorados por aves de rapina, carniceiros do céu.

O sol escaldante emprestava ao sangue um brilho quase rubiáceo, salpicando de tétricas estrelas a seiva que outrora dera vida aos cadáveres frescos.

Dois dias antes:

Em meio à seca que flagela o sertão um grupo de jovens aventureiros e curiosos dirige-se a uma parte remota daquelas paragens. Sua intenção é conhecer de perto a sensação de viver alguns dias de isolamento nas inóspitas condições que afligem centenas de pessoas durante toda a sua vida.

Vieram com seus carros abastecidos e uma quantidade de mantimentos que consideravam suficientes para sua estadia.

Armaram suas frágeis barracas sob o cáustico ardor do sol inclemente, resguardaram seus mantimentos e a água e se armaram de suas câmeras fotográficas, celulares e tablets para filmar o efeito da seca sobre o solo e a parca vegetação.

A erma localidade não permitia que fossem alcançados pelos sinais das companhias de telefonia. Seu isolamento era muito maior do que haviam esperado, no entanto isso apenas fez com seu senso de aventura se acentuasse, a adrenalina percorria seu fluxo sanguíneo dando-lhes uma sensação de serem capazes de superar seus próprios limites.

Durante dois dias tudo correu como eles haviam imaginado, apesar da monotonia da paisagem árida, o sentimento da novidade e das novas descobertas compensava, até certo ponto, a falta de maiores opções de divertimento.

Mas ao cair da terceira noite urros terríveis foram ouvidos, seu sangue como que congelou nas veias e uma inquietação enorme tomou conta deles.

Não conseguiam distinguir de onde vinha o infernal rugido, parecia ecoar de todas as direções.

Aturdidos reuniram-se em um grupo tentando ficar de costas uns para os outros, apontando suas trêmulas lanternas em todas a s direções, movidos apenas pelo instinto de sobrevivência.

O caos caia sobre eles, seus olhos estampavam o medo que lhes inundava a alma naquele momento, todos falavam ao mesmo tempo e isso tornava incompreensível qualquer tentativa de organizar o grupo. Repentinamente um grito ecoou mais forte num misto de terror e descoberta:

ALIIIIIIII!

Foram as últimas palavras do pobre coitado, ao mesmo tempo em que as lanternas se dirigiam para o ponto indicado e revelavam um par de olhos vermelhos e selvagens que se aproximaram numa velocidade inimaginável. O negro vulto da besta era quebrado apenas pela claridade de enormes presas que logo se cravaram no pescoço da primeira vítima, enquanto que garras afiadas poderosas decepavam o braço de outro pobre coitado.

O pânico foi tamanho que qualquer resistência parecia impossível, um a um caíram vitimados pelo monstro saído das profundezas do inferno. Dilacerados, abatidos, com as entranhas devoradas pela criatura indecifrável.

Após o massacre fulminante, o monstro saciou sua fome sem importar-se com os membros espalhados pelo chão.

Após banquetear-se com os órgãos vitais dos pobres diabos, sossegou por um instante, e iniciou a tarefa de empilhar simetricamente braços e pernas, como se cumprindo algum ritual demoníaco.

Após alguns dias seus restos forame encontrados dessa maneira e a única testemunha de tudo isso são as imagens distorcidas de uma câmera que filmava, como todas as noites, a reunião que faziam para compartilhar suas experiências e sentimentos quanto à aventura que teve tão trágico final.

Quanto à criatura, as imagens não deixam ver com clareza, mas era enorme, alguns falam em um lobisomem, outros no chupa cabra, outros no próprio demônio.

O certo é que chão seco do sertão foi molhado pela chuva de sangue naquela noite.