666 - 2ª parte

Deitou-se novamente em sua cama, relaxando os músculos do corpo. Pensou em dormir novamente, contudo, sentiu necessidade de ir ao banheiro. Utilizando-se do tato, apanhou sua lanterna e acendeu-a, iluminando fracamente o lugar. Levantou-se da cama e caminhou em direção à saída do quarto. Abriu a porta e saiu. Fechou-a, entretanto, deixou uma nesga da mesma aberta.

Saiu pelo corredor. Ficou aliviado ao perceber não haver nenhuma luz vinda do primeiro andar. Continuou a caminhar pelo corredor. No silêncio total da noite, apenas com o barulho da chuva, em um lugar deserto, o ranger da madeira do piso do segundo andar era angustiante. William tentou caminhar o mais leve possível para não acordar seus amigos, entretanto, sentia necessidade de andar rápido, por medo de estar sozinho em um corredor vazio.

Chegou ao alto da escada do segundo andar, virou rapidamente a lanterna para o andar inferior. Não havia nada. Era, de fato, um corredor, e o mesmo se encontrava completamente vazio. Aliviou-se.

Caminhou em direção ao banheiro e abriu a porta. Entrou no banheiro, deixando a lanterna na pia.

O local era como Aninha lhe havia dito, um lavabo. Tinha uma pia com um espelho perto da porta, e um vaso sanitário do lado oposto. Era extrema-mente pequeno, só cabia uma pessoa por vez no re-cinto.

Will utilizou-se do banheiro e estava lavando as mãos na pia. Escutou passos vindos do lado de fora. Abriu a porta para ver quem era. Não tinha ninguém no corredor. Mirou a lanterna em direção ao corredor. Vazio.

Achou estranha a situação. Voltou a lavar a mão e virou o olhar novamente para o espelho. Naquele momento, sobressaltou-se. O espelho não tinha como reflexo o seu rosto de forma normal, mas sim diferente: seu lado esquerdo estava completamente cadavérico, e sangue escorria de seu olho.

William balançou a cabeça, a fim de acordar completamente. Era coisa de sua mente, supôs.

Olhou novamente para o espelho. Seu reflexo estava normal.

- Esse lugar ainda me mata do coração! – reclamou. Pegou sua lanterna e saiu – É gente que desaparece do nada, reflexo no espelho, pesadelo... foi acabar saindo daqui doido!

William adentrou no corredor principal. Naquele momento, sentiu uma estranha presença. Os pelos de sua nuca se eriçaram, um frio sobrenatural subiu pela espinha e uma tremedeira igualmente sobrenatural.

- O que é isso? – se perguntou. Levou a mão à nuca e ficou afagando-a. – Que sensação estranha.

O rapaz começou a sentir um apertar no pescoço. Começou a procurar em todos os lugares com a lanterna, a fim de achar algo diferente. E achou. Para sua surpresa, percebeu uma silhueta no corredor do andar inferior, perto do sopé da escada.

- Quem é você? – perguntou. Mirou a lanterna no rosto da pessoa. Era um homem, com seus vinte e poucos anos, portando um sobretudo. A silhueta parecia incompleta, translúcida, faltando detalhes de mão, pés e rosto, como dedos e a curva do queixo. Will não conseguiu enxergar o rosto da pessoa logo acima do nariz, este estava encoberto pela escuridão, não importasse a incidência de luz da lanterna do rapaz.

Ao fitar a silhueta do estranho, Will lembrou-se ser parecida com a do homem no meio das lápides.

- Você é aquele... do cemitério, não é? – perguntou Will. Estava mais entretido e menos nervoso com o assunto

O homem ficou inerte. William começou a caminhar lentamente em direção à escada, sem tirar o foco do olhar do homem. Seu coração começou a ficar apertado, enquanto sua respiração começou a ficar ofegante. Will se lembrara do pesadelo que tivera, e temeu que aquele fosse o assassino do sonho. Contudo, o rapaz estava fixo de tal forma, que travara seus movimentos. Sua curiosidade para com aquela pessoa era tão grande, que seus movimentos eram mecânicos, o pensamento do rapaz se desvaneceu de seu corpo.

Quando Will colocou o braço esquerdo no corrimão da escada e projetou sua perna para pisar no primeiro degrau, eis que uma voz lhe sobressalta a tal ponto que o rapaz berrou, e seu berro se espalhou por todo o local.

- Will...?! – perguntou a voz; uma voz conhecida.

O coração do rapaz parecia explodir no peito, de tão rápido que batia. Sua respiração sumira por um instante, sufocada pelo susto. William estava tão compenetrado no estranho, que acordá-lo quase lhe rendeu um enfarto.

- Aninha... – disse, com a mão sobre o peito

- Desculpe, Will, n...não quis assustá-lo! – disse Aninha. A garota estava parada, à direita de William. Assustou-se com o grito de seu amigo, e enrubesceu-se ao perceber que o assustara – O que estava fazendo aqui?

- O que aconteceu? – perguntou Yuri. Estava preocupado e assustado, ao lado de sua namorada. Tanto ele quanto Clara corriam pelo corredor em direção aos amigos.

William não conseguia falar. Ofegava escorado no corrimão esquerdo da escada, com a mão sobre seu peito.

- Eu vi Will descendo as escadas, compenetradamente, e o chamei. Não imaginei que fosse assustá-lo. Desculpem! A culpa de terem acordado foi minha! – disse Ana. Ficou envergonhada diante a situação, abaixando a cabeça

- Não tem problema, Aninha. A culpa não foi sua! – disse Yuri, para sua amiga. Virou o foco do olhar para seu amigo. Percebeu-o recuperando-se do susto. – O que aconteceu, Will?

- Tinha... alguém... ali...embaixo... – respondeu. Foi o que conseguiu falar. Apontou a direção com o braço esquerdo.

- De novo essa história, Will? – Yuri estava ficando irritado com a situação

- Você não quer... acreditar em mim, né? – perguntou Will. Estava praticamente recuperado do susto. Desencostou-se do corrimão da escada – Pois eu vou te provar que não estou delirando! – disse, afrontando seu amigo.

Virou-se para a escada.

- Aonde vai, Will? – perguntou Yuri

- Já lhe disse, Yuri. Provar-lhe de que não estou mentindo!

- Volte, Will. – disse Clara – Está tarde. Se realmente tiver alguém aí, você não vai enxergá-lo!

- É... Will. E...Ele pode te atacar! – disse Aninha

- Deixe-o. Ele sabe o que faz! – Yuri estava irritado com a situação

Clara deu nas costelas de seu namorado uma cotovelada. Yuri olhou para sua namorada. Clara fez sinal com a cabeça para seu namorado agir, mas o mesmo fez sinal de que não havia nada do que agir.

Percebendo as ações de Yuri e Maria Clara, Ana vira para William, que já estava no primeiro degrau da escada e diz, segura de si:

- Espere, Will.

Yuri e Clara viraram para Ana e William.

- Se for tentar me impedir... – disse Will

- Eu vou com você! – respondeu Aninha, firme nas suas palavras

Yuri e Maria Clara arregalaram os olhos. Aninha agira primeiro do que eles.

Ana havia dito, com muita coragem, de que iria descer junto de Will, todavia, agora estava arrependida de seus atos.

- Pra quê eu fui falar aquilo? – se perguntou. Estava tremendo, tamanho seu medo. Seu coração estava a mil por hora. Queria apoio, queria sair dali, mas não podia, pois foi ela própria quem se colocou naquela situação. Tinha que demonstrar força, por pior que a situação estivesse.

- Vamos descer também! – cochichou Clarinha, com seu namorado

- Não, não tem necessidade, Clara! – disse Yuri – Não está vendo que é loucura do Will?

- Ele é nosso amigo. Se ele estiver louco, ajudar-lhe-emos a sair de sua loucura! – respondeu. Yuri ficou em silêncio. Clara caminhou até a parede frontal à escada e ali colocou sua lanterna, posicionando-a para frente.

- O que está fazendo?

- Deixando minha lanterna aqui. Assim, se alguma coisa acontecer, teremos um ponto iluminando no segundo andar! – disse Clara, se levantando. Caminhou até seu namorado, segurou seu braço direito e disse, puxando-o: - Vamos!

Yuri e Clara caminharam até o alto da escada. Perceberam Ana e Will caminhando pelo corredor. Estavam de frente para o segundo par de portas. William investigava com sua lanterna qualquer ponto escuro, enquanto Ana mirava sua lanterna para o cor-redor e caminhava como se estivesse em um devaneio, tamanho seu medo.

Clara desceu as escadas junto de seu namorado, perguntando:

- Por que não investigar nos quartos, ao invés de só no corredor?

Will parou. Ficou feliz por perceber que seus amigos, retirando Yuri, acreditavam nele.

- É verdade – disse, animado – Não tinha pensado nisso!

- Eu e Yuri investigaremos os quartos da esquerda. Você e Aninha investigam os quartos da direita! – disse Clara – Pode ser? Assim, andaremos mais rápido!

- Pode ser! – disse Will. Caminhou em direção à primeira porta à direita. Aninha caminhou atrás, enquanto o casal de namorados caminhava na porta frontal.

Aninha fez sinal corporal para Clarinha, demonstrando estar irritada com a ideia de sua amiga. Clarinha disse, movendo apenas os lábios:

- Aproveita!

Aninha meneou negativamente a cabeça em desaprovação, enquanto caminhava em direção à porta que Will adentrou.

- Olhe isso, Aninha... – disse William. Aninha estava tão absorta em seus pensamentos, que tomou um pequeno susto ao ouvir seu nome

- O q...que foi? – perguntou, caminhando em direção de seu amado

- Isso aqui parece um depósito!

- M...Mas não era para ser um banheiro? Tem uma placa na porta dizendo “Banheiro”!

- Parece que outrora aqui realmente fora um banheiro! – disse Will, apontando a lanterna para o chão. Ana segue o foco do olhar e percebe a presença de um vaso sanitário – Bom – disse, para sua amiga – Não tem nada por aqui. Vamos!

Will caminha para sair do lugar. Ana caminha em sua frente. Repentinamente, para surpresa do Ra-paz, eis que algo surge na frente do seu pé, fazendo-o tropeçar. Ana percebeu que seu amigo tropeçara, contudo, não conseguiu evitar o resultado e Will caiu sobre ela.

O rosto de William estava perto do de Ana o suficiente para que sua respiração passeasse como uma brisa pelas suas bochechas. William fitou o rosto de Ana. Naquele momento, a fala de Yuri dita em sua casa, pouco antes de saírem para Athros, “A Aninha é muito gostosa, e é muito afim de você”, veio em sua mente. William ficou admirando as curvas do rosto de Ana, seus olhos azuis, a beleza e suavidade de seu corpo...

- Uau, nunca tinha percebido como ela é linda! – pensou

Ana ficava fitando apenas os olhos de Will. Talvez fosse por causa de seus olhos que Ana se apaixonara por ele. Aqueles olhos enegrecidos, redondos como uma jabuticaba. Ela não conseguia parar de fitá-los, da mesma maneira que Will não conseguia parar de fitá-la.

Yuri e Clara adentraram no quarto de frente para o banheiro. Estavam visivelmente irritados um com o outro, mas não aumentavam a voz para não demonstrar para os demais.

- Você tem ideia do que você está fazendo? Está dando margem ao Will, Clarinha! – reclamou Yuri

- Nós temos que ajudá-lo, Yuri... E se realmente tiver alguém aqui?

- Problema dele... – disse Yuri – Eu quero dormir! Amanhã teremos um longo dia pele frente. Eu quero descansar! Senão, na hora da festa, não vou aguentar nem andar!

- Deixe de pensar só nessa festa, Yuri. Nem sabemos se conseguiremos chegar lá. Ou devo lhe lembrar que o carro que ia nos levar quebrou?

- Tsc... – disse Yuri. Era péssimo em discussões verbais, e sempre perdia, principalmente contra sua namorada.

A dupla investigou, com o olhar apenas, em todos os cantos do quarto, inclusive debaixo da cama, onde baratas saíram ao serem atingidas pela luz da lanterna.

- Pronto, não tem nada por aqui. Vam...? – dizia Yuri. Contudo, para surpresa da dupla, eis que acontece um estrondo, amplificado pelo silêncio do local. Se o estrondo já era problema por si só, imagina ao descobrir que ele vinha exatamente do cômodo de frente, onde Will e Ana se encontravam naquele instante.

- Will! – gritou Yuri

- Aninha! – gritou Clara

Yuri e Clara correram em direção ao cômodo frontal. Ao chegar perto o suficiente para ver o seu interior, se assustaram ao ver Will sobre Ana, no chão, perto da porta. Estavam um encarando o outro, e nem perceberam a presença de seus amigos.

Yuri faz um barulho com a garganta. Will e Ana percebem a presença dos amigos e o rapaz sai de cima da garota em total desespero e em um modo bem desengonçado. Aninha senta-se no chão no mesmo total que William. Ambos estavam enrubescidos iguais a tomates.

- N... Não é i...isso que vocês es...estão pen...pensando! – disse Ana, gaguejando e tremendo, tamanho a vergonha

- É ver...verdade. O..Olhe. Eu tropecei em al...algo! – disse Will. Apontou sua lanterna para o chão. Era uma espécie de pedra o que derrubou o rapaz

- Eu vou fingir que acredito, pra não perdermos a amizade! – brincou Yuri, fingindo estar sério. Caminhou em direção a seus amigos

Tão logo Will se levantou, abaixou-se e pegou a pedra, enquanto dizia:

- Só queria saber o que uma pedra dessas faz jogada no chão de um depósito...

A pedra na mão de William era um formato de um paralelepípedo, todavia, suas quinas eram mal lapidadas.

Ao ver a pedra, o rapaz percebeu algo de diferente.

- Ei, olhem... – disse

Ana, Clara e Yuri viraram o olhar para a pedra na mão de seu amigo.

- O que foi, cara? – perguntou Yuri

- Há uma inscrição na pedra...

- Inscrição?! – perguntou Yuri. Estava surpreso com a afirmação de seu amigo. E não só ele. As garotas estavam igualmente surpresas.

- E o que diz essa inscrição?

- “Quando o Número da Besta em hora aos amaldiçoados chegar

O fim de suas vidas se concretizará

E uma nova ordem no mundo reinará”

Ana, Maria Clara e Yuri não acreditaram nas palavras proferidas por seu amigo. Eram surreais demais.

- Quando o Número da Besta em hora chegar... – repetia Yuri, com alguns erros

- Aos amaldiçoados chegar... – corrigiu Will

- Número da Besta...

- Qual é o número da Besta? – perguntou Maria Clara

- 666! – respondeu Will

- Meia meia meia... – repetiu Clarinha, pensativa

- O Número da Besta em hora chegar... – disse Aninha – Então, será às 6 horas, 6 minutos e 6 segundos que algo vai acontecer. – pausou por alguns segundos, enquanto as informações que dissera era mentalmente guardada por seus amigos - Que horas são? – perguntou para Yuri

Yuri olhou seu relógio, mirando sua lanterna na tela do aparelho, e disse:

- São pouco mais de uma hora da manhã!

- Então, temos pouco mais de cinco horas!

- Nada significa que seja com a gente! – respondeu Will - Quando o Número da Besta aos amaldiçoados chegar... – repetiu – Pode ser que os amaldiçoados sejam os antigos moradores daqui...

- De fato, o que o Will disse tem razão! Talvez estejamos nos preocupando à toa! – disse Yuri – Vamos dormir. Amanhã temos um dia longo! – continuou, bocejando de sono

- Vamos. – disse Will.

O grupo saiu do cômodo. Naquele momento, perceberam vozes conversando, em um tom de voz semelhante ao de um sussurro e em um idioma indecifrável, vindos do saguão do prédio.

- O que... é... isso? – perguntou Ana, tremendo de medo

E não era somente Ana quem estava com medo. Maria Clara se encontrava na mesma situação, entretanto, abraçou seu namorado. Tinha um apoio, para apaziguar seu medo.

Sem responder, Will começou a caminhar em direção ao final do corredor. Andava vagarosamente, passo por passo, ao lado da parede. Projetara sua lanterna para frente.

Ana começou a caminhar ao lado de William, enquanto o casal de namorados caminhava logo atrás.

Will percebeu que sua amiga estava tremendo, e perguntou-lhe:

- Tudo bem?

- Tu...Tudo! – respondeu – S...Só um pouco d...de medo!

Will passou o braço esquerdo pelas costas de sua amiga e repousou sua mão na sua cintura, extinguindo o espaço entre ambos. Ana ficou vermelha e seu coração foi às alturas. Estava abraçada com seu amado.

- Pronto! – respondeu – Assim você não sente mais medo! Eu estou aqui te protegendo!

Maria Clara e Yuri, ao verem a cena, se entreolharam. A princípio, estavam incrédulos. Depois, abriram um sorriso de satisfação. O plano da dupla estava começando a dar certo.

De repente, para surpresa de Maria Clara e Yuri, ambos percebem uma variação na lanterna posta no andar superior. Algo havia passado em frente, modificando sua projeção no piso do primeiro andar. Ambos olharam para trás. Não havia nada em frente à lanterna. Novamente, se entreolharam. Não sabiam o porquê de aquilo ter ocorrido. Deram de ombro. Continuaram a caminhar.

Nenhum dos quatro havia percebido, mas, quando houve a projeção da lanterna no primeiro andar apareceu o escrito “666” feito a sangue no centro de um círculo com um dragão dentro.

Will estava tão preocupado com as vozes vindas do saguão, que mal havia percebido a mudança na projeção da luz. Continuou a caminhar, passo por passo, de forma lenta. Era o mais preocupado, por conta do pesadelo que tivera. E se aquilo fora verdade? E se o maníaco do pesadelo estiver à solta? Ele sabia seu nome. Chamou-o pelo nome completo, o maníaco o conhecia. Quem era ele? O rapaz estava absorto em seus pensamentos, se flagelando com tantas perguntas.

- Tudo bem? – perguntou Ana, ao perceber que seu amado estava preocupado

- Tudo! – respondeu. Estava demasiadamente tenso – Só estou com um pouco de medo!

Continuaram a caminhar. Chegaram ao final do corredor. Encostaram-se à parede. Faltava pouco menos de meio metro para o final do corredor. As vozes permaneciam, estranhamente, no mesmo tom.

- Eu vou na frente! – disse Will. Se desvencilhou de Ana, a seu contragosto, e partiu.

Caminhou, lentamente, passo por passo. Naquele instante, todos estavam uma pilha de nervos. Estava demorando uma eternidade. Parecia que Will nunca fosse chegar ao seu destino. Mas ele chegou. E, naquele momento, sobressaltando a todos, o rapaz berrou de susto.

William ficou parado de frente para o saguão. Yuri, Clara e Ana correram o mais rápido que puderam. Reagiram desesperados à ação de Will.

- O que aconteceu, Will? Will? – gritaram o trio, preocupadíssimos

Quando o trio chegou perto do rapaz, este virou, rindo.

- Brincadeira, gente! – disse, com um sorriso no rosto

Yuri, Maria Clara e Ana irritam-se com a ação de seu amigo.

- Palhaço! – disse Yuri, com o semblante fechado, passando com Clarinha por seu amigo, até ficar um ou dois passos à sua frente

- Foi engraçado, gente, a reação de vocês! – brincou o rapaz, ainda rindo

- Brincando numa coisa séria dessas... – reclamou Maria Clara

- Que estranho... – disse Yuri, fitando o saguão – Não me lembro de o saguão estar desarrumado dessa maneira!

- Eu percebi a mesma coisa! – disse Will, caminhando logo à frente de Aninha em direção ao restante de seus amigos

- E o som estranho parou... – disse Ana. Com aquela situação acontecendo, se tornava mais segura ao falar com William

- É, Will... talvez você realmente tenha razão. Há mais pessoas por aqui além da gente! – disse Yuri, ainda fitando o saguão

- Eu não falei? Eu te disse, Yuri... – disse Will

- Eu só espero que estejam vivas! – disse. Seus amigos lhe fitaram, estranhando sua frase.

O saguão estava completamente desarrumado. O sofá onde outrora William, Maria Clara e Ana se sentaram, quando haviam acabado de chegar, estava virado de ponta-cabeça. A papelada empilhada sobre o balcão jazia esparramada pelo chão. Os quadros da parede estavam tortos.

- Parece que um tufão passou por aqui! – disse Yuri. Caminhava junto de seus amigos, adentrando no local

Naquele instante, enquanto estava perto da entrada do saguão, Maria Clara, a única que não investigava com a lanterna o lugar, percebeu uma segunda mudança na projeção de luz no corredor. Naquele instante, percebeu o desenho. Era a silhueta da Morte!

Sentiu sua espinha tremer da base até o cume. Pensou em contar para Yuri, todavia, com a volta da projeção original, não tinha provas para argumentar a seu favor, e só iria colocar mais lenha naquela fogueira superaquecida.

Yuri investigava as paredes, enquanto Aninha e William, lado a lado novamente, investigavam o chão.

- Ei, pessoal... – disse Yuri. Estava frente a frente a um dos diversos quadros que povoavam as paredes do saguão, junto de Clara. – Vocês já tinham percebido os quadros deste local?

- Sei que tinha quadros, mas não parei para vê-los, por quê? – perguntou William, ainda investigando o chão

- Alguém saberia me dizer se já viu esse símbolo antes?

William se surpreende ao ouvir a pergunta de Yuri. Largou o chão e Aninha e partiu em direção aos quadros, em total desespero. Sem falar uma palavra, Will projetou sua lanterna na parede e fitou um dos quadros. Era um senhor, de seus setenta e poucos anos, com um desenho de um dragão dentro de um círculo no peito e um sobretudo preto com fitas dourada e vermelha, cabelos, barca e bigode grisalhos e portando diversos anéis e um colar. No centro, logo abaixo do senhor, estava escrito “Offen-Kaiser”. Era uma foto, em preto e branco, oval, datada por volta dos meados do século XIX.

- Deus... – disse, estupefato

- Você conhece esse símbolo, Will? – perguntou Yuri. Estava surpreso com a reação de seu amigo

- Não... pode... ser! – disse

- Will, não estou entendendo. Explique!

Will respirou fundo. Ficou cabisbaixo. Pensou se o certo era contar a seus amigos. Percebeu que era.

- Foi um pesadelo que tive enquanto estávamos dormindo. – pausou por alguns segundos – Tinha uma reunião no saguão do hotel, com esse símbolo no centro, cercado por velas, todos vestindo um sobretudo com esse símbolo nas costas, e esse senhor era um tal de ofenraiser...

- Offen-kaiser! – corrigiu Yuri. – Segundo o que está escrito abaixo da foto, é Offen-kaiser!

- Então, aí aparece um maluco e mata todo mundo. Em seguida, acordei! – Will escondeu a parte de que o insano citou seu nome completo

- Que... história... estranha! – disse Maria Clara, perplexa

- Bom, vamos ver o que achamos acerca dês-se tal Offen-kaiser! – disse Yuri. Ao contrário de sua namorada e de Aninha, estava frio diante a situação

Yuri começou a investigar os papéis jogados no chão, junto de Maria Clara e Ana. William estava preso às fotografias da parede. Passou a observar foto por foto, e percebeu que todos os demais, fotografados ou pintados, como nos retratos mais antigos, possuíam as mesmas vestes do senhor do primeiro quadro. Além disso, o escrito “Offen-kaiser” perseguia todos os retratos.

- Venha nos ajudar a procurar, Will! – disse Yuri, procurando com suas amigas entre as papeladas

- Já vou indo! – disse. Estava parado frontal-mente a um dos diversos quadros que preenchia a parede. A luz da lanterna de Will iluminava não somente o quadro, mas suas adjacências também.

- Anda logo! - disse Yuri, irritado – Pare de ficar olhando esses quadros. Não há nada demais aí!

- “Aquele cuja sombra aqui repousar, sua alma será agrilhoada pela roda macabra do destino” – profetizou William, absorto

Aninha, Clara e Yuri pararam imediatamente de fazer o que estavam fazendo e viraram o foco do olhar para seu amigo. Ele estava parado, inerte, frontalmente a um dos quadros que preenchia a parede

Temeroso com a ação de seu amigo, Yuri levantou-se. Caminhou hesitante em direção a Will.

- O que foi isso, Will? – perguntou, ainda no caminho

- Está escrito aqui. – disse. Estendeu a mão direita e encostou o dedo indicador na parede, logo ao lado do quadro que fitava – Veja!

Yuri caminhou até ficar ao lado de seu amigo e leu o escrito na parede onde Will estava apontando.

- “Aquele cuja sombra aqui repousar, sua alma será agrilhoada pela roda macabra do destino” – repetiu

- S...Será uma profecia? – perguntou Ana, se levantando junto de sua amiga. Estava temerosa. Odiava assuntos sobrenaturais.

Yuri deu de ombros. Pensativo, disse:

- Aquele cuja sombra aqui repousar... – repetiu – Com certeza, deve ser quem aqui morrer!

- Como aqueles que estão enterrados logo ali atrás... – disse William – Pelo menos, é a probabilidade maior!

Aninha sentiu um arrepio subir pela espinha.

- Parece que já tem muita gente agrilhoada pela tal roda do destino! – brincou Yuri

Ninguém havia percebido, mas Maria Clara saíra em direção a outros retratos. Fitava um por um, e, perto do sofá onde outrora sentara, parou e disse:

- Olhem, pessoal. Tem mais!

Will, Ana e Yuri caminharam a passos largos em direção a Clarinha.

- O que descobriu, amor? – perguntou Yuri

- “O número do impronunciável jamais poderá chegar àquele cuja alma é prometida, senão ruirá as estruturais universais da morte e da vida”

- Isso só está piorando... – disse Will, sério

- O número do impronunciável... – repetia Yuri. Maria Clara o cortou.

- O Número da Besta!

Ana, Yuri e Will viraram o olhar para sua amiga.

- Possivelmente, esse “O número do impronunciável” se refira ao Número da Besta. O nome da Besta é o nome impronunciável, e tanto esse texto quanto aquele escrito na pedra se referem a um número! Só pode ser o Número da Besta!

- Faz total sentido! – disse Will

- Então, o Número da Besta nunca poderá chegar àquele cuja alma é prometida...

- “Quando o Número da Besta em hora aos amaldiçoados chegar/ O fim de suas vidas se concretizará”. Basicamente, um se refere diretamente ao outro! – disse Maria Clara

- “Senão ruirá as estruturas universais da morte e da vida” – finalizou Yuri

- Será que quem está vivo morrerá, e os mortos ressuscitarão? – perguntou Will

- “E uma nova ordem no mundo reinará” – finalizou Maria Clara o texto na pedra que derrubara seu amigo – Possivelmente, sua hipótese faça sentido!

- M...Mas i...isso é um absurdo! – disse Ana.

- Acalme-se, Aninha – disse Will – Ter profecias nem sempre significam que elas se concretizarão. Um grupo de pessoas apenas pode acreditar, como deva ser este caso...

Ana se acalmou.

- Bom, vamos aonde agora? – perguntou Will

- Sair daqui sempre é uma boa pedida! – respondeu Aninha, direta. Ainda estava nervosa com toda a situação.

- De fato... – disse Yuri

- O problema é que ainda é de madrugada. Por mais que queiramos sair daqui, precisamos... – um barulho ecoa pelo corredor, assustando a todos – Que barulho foi esse?

William projetou sua lanterna em direção ao corredor. Completamente vazio. Houve-se o barulho do ranger de uma madeira podre. Era constante.

Will caminhou lentamente em direção ao cor-redor. Ana iria falar algo para seu amado, contudo, com sua mão esquerda, o rapaz pediu para ela esperar.

Fez sinal para que Yuri viesse junto dele. O rapaz partiu, deixando sua lanterna com sua namorada. Caminharam os dois vagarosamente pelo cor-redor. Queriam diminuir ao máximo o barulho gerado pelo andar no frágil piso, assim seria mais fácil de localizar o outro barulho de ranger. Descobriram vir da primeira porta do corredor. Caminharam em sua direção. Ana e Maria Clara fitavam a ação da dupla, paradas no final do corredor. Tinham receio da situação.

Will e Yuri se separam, e cada um parou de um lado da porta. Do outro lado, o ranger constante.

Will fez sinal para Yuri de que iria contar até três, e assim fez. Quando chegou no três, os dois viraram em direção à porta e Will abriu-a, apontando a lanterna em sua direção.

Quando o rapaz abriu a porta, os dois se surpreendem. Um guardarroupa estava escorado na porta, e cai no chão. Yuri e Will conseguem desviar. O estrondo do objeto caindo no chão, ampliado pelo silêncio do local, é ensurdecedor.

Todos se assustaram com o ocorrido.

- O que foi isso? – perguntou Will. Recuperava-se do susto

- Já não abrimos esse quarto antes? – perguntou Maria Clara, pensativa

- Sim, e não tinha nada escorado na porta da primeira vez! – disse Yuri

- Realmente, tudo aqui está estranho! – disse Will

Repentinamente, para surpresa geral, há um piscar da luz das lanternas empunhadas pelo grupo.

- Acho melhor partirmos! – disse Will – Antes que essas lanternas falhem!

Os demais assentiram com a cabeça. Will ajuda Yuri a passar pelo guardarroupa caído, e os dois ajudam as garotas.

- Vamos! – disse Will. O grupo partiu em direção à escada que dava ao andar superior.

Começaram a andar. No meio do caminho, todavia, a luz das lanternas empunhadas pelos ami-gos apaga, deixando o grupo na escuridão. A única luminosidade era a lanterna de Clara, deixada no andar superior.

- Malditas pilhas de camelô... – reclamou Yuri – Fui comprar pilhas baratas, deu nisso...

- Pare de reclamar, Yuri... Reclamar não nos tirará dessa situação! – disse Will, levemente irritado. Mais calmo, continuou: - E não estamos tão ruins. Não estamos mergulhados na escuridão absoluta. Há a luz da lanterna da Clarinha, ela está nos iluminando, mesmo que fracamente. É só nos guiarmos!

- Ainda bem que eu tive essa ideia. Parecia até que eu estava adivinhando! – disse Clarinha

O grupo começou a andar calmamente em direção à escada. Maria Clara apoiou-se em seu namorado. Will não via Aninha no meio do grupo, a garota deveria estar encoberta na escuridão. Todavia, sentiu uma mão em seu ombro. Pensou ser ela.

- Aninha? – perguntou. Ficou meio ressentido ao perguntar, meio envergonhado, mas acabou perguntando.

- Fala! – disse. Entretanto, para surpresa de Will, a voz de sua amiga provinha da escuridão à direita de Yuri

- Espera um pouco. – disse – Se não é você quem está com a mão no meu ombro, quem é então?

Will virou calmamente com a cabeça em dire-ção a seu ombro esquerdo, onde a mão sem dono re-pousava. Percebeu ser uma mão translúcida, incrível-mente branca.

Ao encarar a mão, Will nem quis fitar o rosto de seu dono. Correu como um louco, gritando desesperado. Yuri, Ana e Maria Clara sobressaltaram com a reação de seu amigo.

- O que aconteceu, Will? Will? – gritou Yuri.

William chegou ao andar superior e ficou lado a lado com a lanterna.

O trio corre até o segundo nadar, chegando ao lado de Will.

- O que aconteceu, Will? – perguntou Yuri. Estava incrivelmente preocupado, situação semelhante à das garotas

- Tinha... uma... mão... – William arfava. Segurava a respiração para tentar balbuciar com menos ferocidade -... no... – uma respirada longa e profunda -... meu ombro, e não era de... nenhum... de vocês!

- Uma mão?! – perguntou Yuri, surpreso. – Que estranho!

- E bota estranho nisso! – disse Maria Clara. Estava pensativa.

- S...Será que não seria aquele q...que o Will vê constantemente?! – perguntou Ana, ao se lembrar de algo

- Pode ser... o que você chegou a ver da pessoa, Will? – perguntou Yuri

- Uma mão branca, incrivelmente gelada, com unhas pútridas e a pele translúcida, parecia ser a de um fantasma tamanha a claridade de sua cor... – narrou Will, em tom de mistério. Parecia divagando em seus pensamentos.

A forma de narração de Will gelou a espinha de Clarinha e de Ana. Naquele instante, ouve-se um gemido vindo do andar inferior. Tornou-se contínuo durante cerca de dez segundos e o quarteto percebeu-se claramente dizer: “Venha, venha”...

O medo provindo daquele efeito sobrenatural fez com que o quarteto nem titubeasse. Will pegou a lanterna e correu em direção a seu quarto, tendo, logo atrás, seus amigos. Ao entrar no quarto, Yuri, o último a adentrar nos aposentos, fechou e trancou a porta a chave, e correram até a cama de Yuri e Clarinha. Sentaram-se nela violentamente, apoiaram as costas na parede, dobraram os joelhos e encostaram-no no queixo, ficando o quarteto naquela posição, esperando alguma atividade sobrenatural provinda do andar inferior. A lanterna sobrevivente apontava seu feixe de luz em direção à parede, assim, ela não denunciaria com tanta clareza a posição de seus donos.

Contudo, apesar da precaução exacerbada do grupo, causada pelo medo, não houve nenhuma atividade no corredor. Estava completamente vazio, sem nenhuma presença maléfica ou coisas semelhantes. Will se levantou, logo à frente de Yuri.

- O que faremos agora? – perguntou Aninha, enquanto descia da cama

Will deu de ombro. Não sabia o que fazer.

Yuri olhou seu relógio.

- Quantas horas?

- Pouco mais de três horas!

- Hum... – Will ficou pensativo por um ou dois segundos - Precisamos descobrir algo sobre esse prédio! Talvez assim possamos entender esses fenômenos estranhos!

- Gostava de quando era tão somente fantasmas em foto! – reclama Yuri, enquanto procurava em sua mochila por algo

- Fantasmas na foto... – disse Will, se lembrando de algo – É claro!

- Aconteceu algo, Will? – Yuri ficou surpreso com a reação do amigo

- Dê-me sua máquina fotográfica! - Will estendeu a mão para seu amigo

- Não está comigo. Está na cabeceira da cama! – disse Yuri, voltando a fitar sua mochila

Retirou de lá seu notebook.

- Um notebook?! – perguntou Maria Clara, surpresa - Pra que quer um notebook numa hora dessas?

- Quero procurar algo acerca deste prédio!

- E será que a internet pegará nesse lugar inóspito debaixo de chuva? – perguntou Aninha

- Espero que sim! – Yuri ligava seu aparelho

- E procurará com base em qual palavra? – perguntou Maria Clara

- Offen-Kaiser! – respondeu Yuri. Clarinha arqueou a sobrancelha

Enquanto Clarinha e Yuri conversavam, Will caminhou em direção à cabeceira da cama. Pegou a máquina de seu amigo e a ligou. Em seguida, fitou as fotos.

Tão logo seus amigos cessaram a conversa,

William disse, levemente surpreso, mas igualmente satisfeito ao saber que sua hipótese era verídica:

- Foi o que eu imaginei!

- Está falando sobre o quê, Will? – perguntou Yuri. Clarinha e Ana caminharam até ficaram ao lado de seu amigo

- Nas fotos que tiramos antes de adentrarmos

nesse prédio... lembra que você disse que havia uma cabeça a mais, Yuri?

- Claro, e como não lembraria? – Yuri estava focado na tela de seu computador

- Nem sabia que desse fato! – disse Clarinha

- E o que tem ela? – perguntou Aninha

- Pela silhueta, ela é perfeitamente igual à pessoa que eu vi no cemitério e no corredor do primeiro andar! – disse Will – Eu não a enxerguei, mas o formato é muito parecido!

Clara e Aninha ficam surpresas com a fala de seu amigo. Yuri apenas ergueu as sobrancelhas.

- Ouvem isso! – disse, focado no notebook – “Assassinato do Offen-Kaiser Dmitri Mendelaev e demais membros dos Blutrot na sede do grupo”

- Dmitri... – repetiu William, enquanto adentrava em seus próprios devaneios. Divagou, tendo um flashback do seu pesadelo. “Senhores cavaleiros, O Magnífico Offen-Kaiser Dmitri Mendelaev está presente. Recebam-no!”

Yuri, Maria Clara e Ana nem perceberam a divagação de Will. O rapaz continuou a ler a matéria, onde outrora lera o título:

“19 de agosto de 1879

A polícia de Athros está tentando investigar o que ocorreu no prédio sede do grupo Blutrot. No raiar deste dia, a empregada doméstica da sede adentrou no local para sua rotineira faxina, às 7 da manhã. Entretanto, percebeu que a porta que dava ao espaço do culto, localizada na cozinha do prédio, estava aberta, situação esta que não ocorria normalmente. Ao chegar ao local, a empregada percebeu a ocorrência de uma verdadeira carnificina: no local jazia os corpos de todos os membros do grupo, inclusive do “Offen-kaiser” Dmitri Mendelaev, 79. Dmitri foi considerado o mais fantástico Offen-Kaiser do grupo, desde sua fundação [...]. A empregada, ao reconhecer os corpos, sentiu a falta do corpo de Andrei Kazigarov, 43, que, neste momento, passa a ser o principal suspeito do cruel assassinato na sede dos Blutrot. Sua ordem de prisão deve ser expedida pelo juiz o mais célere possível.”

- Então, o sonho que eu tive foi real! – disse William, pensativo

- Ao que tudo indica... – disse Clarinha

- E não é só isso o que eu achei, não! – disse Yuri – Escuta esse texto, agora de um historiador, datado de 8 de outubro de 1953

“A MALDIÇÃO DOS BLUTROT

Visitei o antigo vilarejo de Ampütchen, agora uma cidade-fantasma, que se tornou assim após o cruel crime na sede do grupo Blutrot, em 19 de agosto de 1879.

Cheguei ao prédio, que outrora fora um museu dedicado ao grupo, e adentrei no local. Pernoitei por lá, no lugar outrora destinado ao repouso dos teilnehmer . Contudo, durante a ausência da luz solar, eis que aconteceram os mais estranhos fenômenos ocorridos em toda a minha vida: panelas caindo, pessoas vagando pelo local, sussurros e gemidos, passos no corredor, e por aí vai. Resolvi tirar foto de alguns dos fenômenos estranhos que ocorreram Durante minha estada no antigo vilarejo pertencente a Athros.[...]”

- Aqui estão várias fotos. – disse Yuri. Maria Clara, Ana e Will caminharam a passos largos e postaram-se atrás de Yuri, espreitando a pequena tela do notebook.

Eram diversas fotos, todas em preto-e-branco, relativamente antigas. Eram panelas jogadas no chão, vultos com silhuetas humanas pelo corredor, uma pessoa de sobretudo preto à frente de uma porta, e por aí vai.

“Eu investigava o local...”, continuou a ler Yuri “...mesmo sob o constante bombardear dos fenômenos sobrenaturais; aquela era minha missão em Ampütchen. Descobri o que estava procurando, algo sobre a MALDIÇÃO DOS BLUTROT. Segundo consta nas lendas, esse grupo se reuniu a fim de defender os interesses humanos na Terra, e não mais servir aos deuses. Entretanto, ao descobrir a traição sofrida por sua cria, o Deus que criou os humanos, rogou-lhes uma maldição: seriam caçados pelos humanos, até o fim da humanidade, e o grupo seria extinto ao sofrerem uma enorme traição. Quando morressem, vagariam pela Terra à procura de almas humanas, para barganhar. Dariam suas almas e, no Número da Besta, ser este adorado pelos humanos, segundo deturpação do Deus, seriam ressuscitados. E depois de ressuscitados, viveriam o restante de suas vidas como seres normais, adoradores dos verdadeiros deuses. Esta era a sina do grupo. E foram cravadas as maldições na sede do grupo, assim, sempre lembrariam de sua sina...”

Will, Clarinha e Ana ficaram estarrecidos com o lido.

- Maldição dos Deuses, Número da Besta...

tudo meio fantasioso... – disse Ana. Estava visivelmente com medo

- Não tem do que temer, Aninha – Will percebera o medo correndo pelas veias de sua amiga – Todo povo tem sua cultura, a deste é essa. Por mais sobrenatural que sejam os fenômenos, ocorridos pelos “fantasmas” dos integrantes desse grupo, todo povo tem, em sua cultura, uma parte sobrenatural, normalmente junto aos seus deuses.

- Por mais que diga isso, Will – disse Yuri. Estava focado na tela do computador. Chamou para si a atenção de seus amigos – Aqui na internet há vários relatos de casos de poltergeist ocorridos neste prédio, inclusive há um vídeo que parece ser bem medonho!

- Eu tentando ajudar a Aninha, que está morrendo de medo, e você só me quebrando, Yuri...

- Não adianta tirá-la da realidade, Will – disse Yuri. Estava visivelmente irritado – Ela não mais é uma criança.

- Mas não é deixando-a com medo que você a estará ajudando a enfrentar os desafios que provavelmente ela enfrentará!

Ana estava ficando enrubescida com a discussão de seus amigos por sua causa. Clarinha percebeu a reação de sua amiga, e gritou:

- Calem-se os dois! Agora não é hora para discussão!

Will e Yuri se silenciaram, mas trocaram olhares furiosos. O geek virou o olhar para o computador e disse:

- O vídeo que eu falei terminou de carregar. Se alguém quiser ver...

Will, Clara e Ana, esta última com receio, posicionaram-se para assistirem ao vídeo.

O vídeo era escuro e em preto-e-branco. Era antigo, datado de 1952, e dizia ser o primeiro vídeo que capturou o poltergeist no prédio sede dos Blutrot.

Filmavam o primeiro andar do prédio. O cinegrafista caminhava em direção à cozinha, vindo da porta principal. Caminhava a passos curtos e, apesar de focalizar a porta de correr da cozinha, girava a câmera a fim de capturar possíveis efeitos sobrenaturais ocorridos em outros pontos do local.

O som do vídeo era péssimo, havia praticamente apenas chiado, e não se compreendia com clareza o que o cinegrafista dizia.

O cinegrafista adentrou na cozinha, virou à esquerda, abriu uma pequena porta escondida na parede e desceu. A luz da câmera hesitou por um instante, mas logo voltou ao estado normal. Desceu uma escadaria úmida e escorregadia. As paredes eram tomadas pelo lodo e por teias de aranha, situação semelhante ao do chão. Segurando-se para não cair, o cinegrafista descia de forma lenta.

- Estamos chegando perto do cenário do poltergeist narrado por turistas em 1925. Desde então, este lugar se encontra fechado para visitas! – disse o cinegrafista. O chiado tornou-se menos insuportável desde que o homem adentrara naquele local, e podia-se entender o que ele dizia.

Chegou ao meio da escada, quando a mesma

vira para a esquerda. No final da escada, um enorme espaço aberto. Era o lugar do culto, da mesma forma que Will vira em seu sonho. Velas estavam acesas no meio, apesar da impossibilidade física.

O cinegrafista continuou a descer o local.

- Que a vela eterna da vida sobressaia à escuridão da morte! – disse. Parecia divagar.

Continuou a caminhar. Começaram a ouvir barulhos de tambor ressoando no local. Apesar do espaço aberto, não houve ampliação do estranho som.

Apesar de o cinegrafista descer as escadas, o mesmo parecia continuar no mesmo patamar; fato este desconsiderado pelo quarteto que assistia ao vídeo.

- Que rufem os tambores, e que a alma dos amaldiçoados seja a fonte que destrua as estruturas universais que separam os vivos dos mortos!

- O que esse homem está falando? – perguntou Will

Yuri deu de ombros. Os rapazes estavam estupefatos com o vídeo; Clarinha e, principalmente, Aninha tremiam de medo.

- Ei... – disse Yuri. Chamou a atenção de Will para si.

- O que foi? – perguntou William. Ao perceber que o foco do olhar de seu amigo era o vídeo, voltou a olhar para a tela do notebook

- O cinegrafista... – disse – Ele não está... flutuando?

Will surpreendeu-se com a pergunta de Yuri. Fitou o vídeo. Constatou que, de fato, o cinegrafista flutuava no ar.

Naquele instante, a câmera cai das mãos do cinegrafista. Caiu no chão e virou seu foco para o ar, continuando a gravar. O homem estava literalmente flutuando no ar, com os braços abertos. Os tambores rufavam com maior intensidade. Junto aos rufos, frases ditas constantemente, sem intervalo, como em um rito ou coisa análoga. Estava indecifrável; parecia ser em um idioma não conhecido dos ouvintes. Em volta do cinegrafista, flutuavam as mobílias.

Ninguém acreditava no que via. Contudo, o mais inacreditável ainda estaria por vir. Ao chegar ao ponto cerne do símbolo do Blutrot, houve-se, de uma voz desconhecida, a seguinte frase:

- Que seu sangue seja o líquido de Deus, que suas vísceras sejam a Sua carne, e que estes sejam o caminho e a verdade para que se rompam os ditos eternos da Terra...

O mais inacreditável não fora a frase proferida, mas os acontecimentos subsequentes. O abdômen do cinegrafista fora aberto sem nada o cortar, vertendo grandes quantidades de sangue. Este escorreu até chegar ao chão e a tomar as curvas do desenho. Quando o mesmo se completou com o sangue do homem, houve um brilho, e as vísceras do cinegrafista começaram a sair lentamente de seu corpo. Maria Clara e Ana tamparam o rosto, Yuri e Will fizeram cara de nojo e viraram o rosto, com a mão sob o nariz.

O notebook começou a tremer, em sintonia com o rufo dos tambores, que aumentaram drasticamente. Junto a este, os gritos do cinegrafista, que era eviscerado vivo. Os gritos se tornavam insuportáveis, enquanto o notebook tremia intensamente. As garotas tampavam o ouvido e gritavam, como se os gritos vindos do vídeo as quisessem destruir por dentro.

- Desliga essa merda, Yuri! – gritou Will

Yuri tentava desligar, mas não conseguia.

- Não consigo! – gritou. Estava completamente desesperado, situação semelhante a William

- Desliga, Yuri!

- Não consigo!

Os gritos das garotas se tornavam cada vez mais insuportáveis.

- Desliga!

- Não dá! – Yuri tentava desligar o computa-dor, mas não conseguia

Num ato completo de desespero, Will destruiu o computador de Yuri com um pedaço de pau que estava jogado no canto do quarto. Naquele instante, tudo voltou ao normal.

- Desculpe! – disse Will. Todos ofegavam, com a mão no joelho e as costas dobradas.

- Se preocupa, não... – disse Yuri

O quarteto começou a recuperar o fôlego.

- Parecia... que... o fantasma... queria... nos possuir... pelo vídeo! – disse Will. Ainda estava tentando entender perfeitamente os acontecimentos

[Fim da 2ª parte]