Madrugada escura
Aquela noite estava particularmente muito quente. Era uma quinta feira de Dezembro. Me lembro que fui deitar bem tarde, passava da meia noite.
Deixei a janela aberta para que se por ventura houvesse algum vento, ele pudesse arejar o quarto.
Fui acordado pelos latidos de cães da vizinhança, que por incrível que pareça, parece haver um em cada casa.
Os latidos vinham aumentando de volume como se algo ou alguém viesse descendo pela rua.
Os cães pareciam enfurecidos e avançavam em direção aos portões, numa mistura de fúria e ao mesmo tempo medo.
Olhei para o relógio. Eram 2h45 e sabia que minha noite ia ser longa. Raramente consigo dormir quando acontece essas coisas.
E os latidos aumentando e se aproximando de minha casa. O portão da casa vizinha é bem próximo á janela do meu quarto, então eu não preciso dizer que já sabia que em poucos segundos o seu cachorro estaria latindo de uma maneira esganiçada que só ele sabia fazer e que só sabia como me deixava irritado.
Dito e feito. Ele começou a latir desesperadamente e a avançar contra o portão.
Eu nunca havia visto uma reação dele desse modo tão assustador.
Pude perceber que outro cão ou sei lá o que era estava bem próximo ao portão e rosnava.
Mas não era um rosnado normal, era algo muito maior, parecia um animal com muito ódio.
E podia sentir o peso de suas patas batendo no chão quando se afastava.
Como eu já havia perdido o sono a essa altura do campeonato, resolvi me levantar para ver o que exatamente estava acontecendo na rua.
O que estaria causando todo esse alarido ?
O poste de iluminação pública bem em frente à minha casa estava apresentando defeito, ora acendia e depois se apagava.
E foi quando ele estava apagado que me dirigi á janela.
Havia muitas sombras devido às árvores da calçada mas puder ver nitidamente um grande vulto se afastando com pesadas passadas. E um rosnar medonho. Dava para ver que a criatura expelia uma baba pela boca.
Não podia ser um cão. Era muito maior e tinha um andar estranho, parecia estar de quatro e ao mesmo tempo tempo como se fosse se levantar.
Confesso que levei um susto, chegando a me afastar da janela, receoso de que aquela coisa olhasse para onde eu estava e de alguma maneira me visse.
O cão do vizinho juntamente com os outros das proximidades continuavam a latir, mas de modo menos violento.
Continuei olhando para a rua deserta e escura.
Até que vi algo que me chamou a atenção. Um pouco distante de minha casa, nas sombras de uma árvore florida pude ver uma silhueta. Era um homem alto, e que apesar do calor que fazia, trajava uma espécie de sobretudo. Estava lá parado. E ficou por alguns minutos assim. Imóvel, quase se misturando com as sombras.
Notei que ele segurava algo em sua mão, mas não conseguia definir exatamente o que era.
De repente, os cães pararam todos de latir. Um silêncio tomou conta da madrugada.
Um silêncio assustador. E um assobio cortou a escuridão da noite.
Fiquei ali paralisado dominado pelo medo.
A tal criatura que eu virá descendo a rua e amedrontando os cães, agora subia de volta, caminhando de modo extremamente estranho, quase humano, quase animal.
Ele vinha pelo meio da rua e ao passar em frente à minha janela, olhou fixamente para mim, como se me visse. Mas acho que foi impressão minha.
Se dirigiu assim até aquela silhueta que ainda permanecia sob árvore.
Ele se aproximou muito do tal homem e pude ver o que ele tinha nas mãos.
Era uma coleira, que a criatura não ofereceu resistência em aceitar.
O homem pareceu olhar para onde eu estava, acariciou a cabeça do animal, se virou e seguiu andando pela rua com o animal ao seu lado.
Nunca vi nenhuma pessoa com as características do homem que permaneceu nas sombras, e também nunca mais vi aquela criatura nas madrugadas.
Também nunca comentei esse fato com ninguém pois não sei se realmente isso aconteceu ou foi apenas minha imaginação.
E isso foi há muito tempo atrás.Há mais de 60 anos....
Nunca saberei a verdade...
Mas ainda me arrepio quando me lembro. Como se fosse ontem!