Estamos todos mortos

Eu só me lembro que estava em uma reunião. Era uma reunião importante. Estava fechando um contrato muito bom com aquela editora. Até que enfim um bom negócio. Não bom, mas ótimo.

Estava muito feliz mesmo. Me lembro que depois fomos a um bar comemorar e que eu não tomei nada de álcool.

Eu não podia ter uma recaída. Não agora.

Depois peguei o carro, eram umas 22h30 ou 23h00, não me lembro ao certo.

A noite estava bem escura. Sinistra eu diria. Mas eu estava bem.

Deixei meu acessor e sua casa e segui para a minha, eu estava eufórico. Sentia que não iria conseguir dormir aquela noite.

Estranho que aquela estrada que costumeiramente era sempre deserta, naquela noite estava um tanto quanto movimentada.

Liguei o rádio para ouvir alguma música e me deixei levar pelo som que preenchia todo o carro.

Alguns quilometros á frente vi luzes, ambulâncias e carros de polícia.

Era um acidente. Tive de diminuir a velocidade pude ver que dois carros haviam colidido, mas não sei bem de que forma foi o acidente. Um policial dava sinal para não parar.

Olhei e vi que um dos carros era igual ao meu. E estava bem destruído.

Senti um arrepio. E um vento gelado pareceu entrar no carro, apesar dos vidros estarem fechados.

Apenas alguns metros á frente sente que minha vista se escureceu. Encostei o carro. E me debrucei no volante.

Quando abri os olhos eu estava no banco de trás de um outro carro. Junto comigo havia uma garotinha toda ensanguentada, e o homem que dirigia também tinha a cabeça toda suja de sangue. E a moça que estava sentada na frente, no lugar do carona, parecia que estava desmaiada...

Eu sentia um frio diferente. Senti medo. A garotinha olhava fixamente para a frente e o veículo estava em alta velocidade.

Permaneci imóvel por um tempo. De repente a garotinha olhou para mim e disse com uma voz estranha;

- Estamos todos mortos.

E novamente voltou a olhar para a frente. Pude ver que seu rosto estava desfigurado.

-Como disse, perguntei.

- Estamos todos mortos. Ela repetiu, agora sem se virar para me olhar.

- Não, não pode ser. Não.

Ela então olhou para mim e disse:

- Você não viu o acidente na estrada? Não viu seu carro lá? vamos ver novamente, olhe...

Para meu desespero pude ver o acidente novamente, e meu carro destruído. E agora via a placa, era meu carro. Mas como?

- Um acidente. Ela disse. Não sei como foi, eu estava dormindo no banco de trás. Não vi nada. Só sei que estamos todos mortos.

Senti um desespero tomar conta de meu ser naquela hora. Morto. Todos mortos....Não.

Tentei sair do carro. Mas era impossível pela alta velocidade. E também não havia maçanetas pelo lado de dentro.

Comecei a chorar. Uma mistura de medo, desespero e dor.

Mortos? Mortos...

De repente, acordei, lembro que tive um mal estar e senti minha vista se escurecer.

Olhei para frente e vi a confusão de carros, luzes, choro, o giroflex da ambulância e da polícia.

O acidente. Olhei pra trás e só vi a psita escura. Mas eu tinha certeza que já havia passado pelo acidente antes de me sentir mal.

Liguei o carro e segui devagar. O policial pedindo para ninguém parar.

Passei em baixa velocidade e olhando assustado. O carro era igual ao meu, mas não pude ver a placa.

Pessoas agitadas, se movimentavam sem parar.

Senti um frio e com certeza fiquei branco como um defunto quando vi no meio das pessoas, uma garotinha que olhava fixamente para mim.

Estava suja de sangue e puder ler seus lábios quando ela disse;

- Estamos todos mortos. Estamos todos mortos.

Ás vezes tenho pesadelos com a garotinha.

Acordo num salto e muitas vezes não sei se estou vivo ou se...

estamos todos mortos.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 04/01/2014
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