CANUDOS- O MASSACRE DE BELO MONTE

O MASSACRE DE BELO MONTE

Jorge Linhaça

O medo, esse nefasto e onipresente mau conselheiro que transforma seres covardes em heróis valentes e inocentes em seres malévolos e subversivos .

O medo do diferente foi o motivo do massacre em Belo Monte. Milhares de almas, desesperançadas pela falta de condições dignas de sobrevivência e pelo agravamento de um seca flagelante, reuniram-se em torno da figura de um beato que propunha uma comunidade de paz, trabalho e religiosidade, onde cada um que chegava podia construir sua tapera , trabalhar a terra e conseguir seu, ainda que parco sustento.

O medo percorria a espinha dos latifundiários e coronéis que se viam na condição de perder sua mão de obra quase que escrava e até mesmo os jagunços que lhes serviam.

Belo Monte parecia uma sociedade brotada do inferno para tirar a paz daqueles que se alimentavam do suor alheio.

O beato pregava contra o sistema de governo e profetizava um mundo melhor para seus seguidores.

O medo deu lugar às mentiras articuladas e às intrigas políticas que davam conta de que os paupérrimos sertanejos representavam um perigo à ordem estabelecida.

O medo dos sertanejos era outro, cansados de tudo perder por conta da seca ou de terem tudo tomado pela ganância dos inescrupulosos coronéis, seu medo era o de serem alijados de um modo de vida simples mas que lhes permitia, pela primeira vez , serem donos do próprio destino.

A morte, em si, não lhes causava medo, apenas a semivida à que foram desde sempre condenados. O cansaço de uma vida sem expectativas dera lugar à esperança de tempos melhores e à realidade de não viver sob o jugo de ninguém.

O arraial crescia dia a dia com a agregação de mais almas.

O primeiro fogo previsto pelo Conselheiro, ou a primeira tentativa do exército de facínoras de destruir o arraial foi rechaçada pelos mal armados moradores, a partir daí a sua fama se espalhou e muitas outras almas acorriam para a proteção do pequeno povoado.

A batalha de Uauá, transcorreu por cinco horas, armas de fogo contra forcados, baionetas contra facões, foices, varapaus e forquilhas. O sangue encharcava o chão, corpos esviscerados, membros amputados, e um saldo numericamente favorável aos militares que relataram 150 mortos dentre os sertanejos, fora os feridos, contra dez mortos e 17 feridos do exército.

No entanto o moral da tropa esvaiu-se, não tinham mais coragem de avançar sobre Belo Monte. Com o medo típico dos covardes, cessada a batalha, o exército, naquela tarde, saqueou e incendiou a cidade e partiu.

O segundo fogo culminou com esmagadora vitória dos conselhistas, que se fortificavam e apropriavam-se das armas abandonadas pelo exército ou tomadas durante a batalha.

O terceiro fogo foi tomado a pulso pelo governo federal que mandou para lá o sanguinário coronel Antônio Moreira César, considerado um herói pelo exército e conhecido como o “corta cabeças” por ter decapitado a sangue frio mais de cem pessoas durante a Revolução Federalista em Santa Catarina. . Derrotado em Belo Monte, por conta de sua arrogância, teve o mesmo fim que sua macabra alcunha, após ser morto em combate e localizado seu corpo, foi decapitado pelos defensores do arraial, para o qual já haviam acorrido milhares de outras pessoas em defesa do santo homem.

Sua cabeça, bem como a de outros oficiais foi espetada em estacas e colocada ao longo do caminho numa tétrica demonstração de intimidação aos inimigos do povoado.

A derradeira batalha se aproximava, duas colunas de 4000 soldados marcharam sobre Belo Monte. A resistência foi heroica a ponto de a batalha durar vários meses e as tropas haverem padecido de fome, assim como os sertanejos entrincheirados em sua cidade.

Por fim chegaram os suprimentos para as tropas, junto com o reforço esperado.

Apesar da incansável resistência dos sertanejos, mesmo após a morte do conselheiro, o destino estava selado.

Os canhões do exército e a dinamite explodiam corpos e casebres, e a esmagadora vantagem bélica e numérica do exército republicano levou centenas de sobreviventes a aceitarem uma rendição, homens mulheres e crianças marcharam sob a bandeira branca sob a garantia dada pelo mentiroso general Arthur Oscar, que depois mandou decapitar a todos num episódio de má lembrança que ficou conhecido como “gravata vermelha”.

A batalha continuou até que os últimos 4 remanescentes de Belo Monte fosse trucidados a dinamite. O arraial foi queimado e o exército diz ter contado mais de 5 mil casebres na ocasião.

O Corpo de Antônio Conselheiro foi exumado e teve sua cabeça decepada para ser levada como troféu até o Rio de Janeiro.

Os maiores contos de horror que se podem escrever, é a descrição de fatos históricos e militares sanguinários contra povoados pacíficos, apenas e tão somente para servir aos interesses dos ricos e poderosos.

Salvador, 03 de janeiro de 2014